Mas
pode ser que acerte nas minhas divagações, mesmo que não totalmente, nalguma parcela.
Neste
momento decidi a enfrentar um dos temas que me surgem, espontâneamente, quando os meus períodos de vigília nocturna. E
não é o único, pois para encher horas sem sono activo passo muitos
capítulos. A maior parte deles sem qualquer interesse. Como será o
deste que vou tentar esmiuçar.
Suspeito
que quando uma pessoa, seja de qualquer dos géneros hoje aceites
oficial ou oficiosamente, entra em cavalarias altas com a disposição
de escrever fantasias, que espera sejam vistas e entendidas como
simples devaneios da sua fértil mente, só consegue um mínimo de
credibilidade quando incorpora, seja conscientemente ou sem o
pretender, alguma da sua vida “vivida”. Esta é a condição sine
qua non para que que o leitor se
sinta interessado em continuar. Aquilo que se diz “ficar agarrado”.
Ou
seja, que por mais fantasioso que o autor deseje ser visto, um leitor
atento ou perspicaz, sente que algumas passagens, precisamente
aquelas que se tornam mais interessantes, incluem uma parcela da
personalidade real do autor. Podemos tornar esta conclusão mais
evidente se admitirmos que um escrito, seja curto ou insuportavelmente extenso, só é aceitável por parte do leitor
quando na sua base, nos seus alicerces, entende que existem peças
reais.
No
caso de que a obra tenha o esquema de constituir aquilo que
denominamos como romance histórico, além
de usar com fartura citações histórias que se possam verificar (locais, datas, feitos, personagens centrais e de complemento), pode
incluir alguma fantasia da sua lavra, sem se exceder, pois que o
leitor culto, entende que este aglomerante torna o texto, sempre
árido, dos compêndios estrictamente históricos. Por isso o
escritor, se de facto assim se pode considerar, tem que recorrer a experiências
pessoais ou acontecidas sendo ele espectador de primeira linha. Referências que por serem humanas se admitem como universais.
É
por esta razão, reconhecida e perigosa, que muitos daqueles que não
sabem como resistir ao impulso de escrever e tornar públicos os seus
frutos, terminam optando por destruir ou guardar numa gaveta aquela sua obra. Sabem, instintivamente, que este caminhar na aparente
fantasia sempre inclui um desnudar, total ou parcial, da sua pessoa.
E nem todos tem coragem ou capacidade para não deixar as coisas
facilmente identificáveis. Esta opção por não publicar, que existe mais do que se imagina, também pode dever-se a que o autor, por
simples valorização pessoal do seu trabalho, não o considere
suficientemente conseguido e, portanto, não merecedor de ser
distribuído.
Todavia,
como afirmava o meu progenitor, enquanto vivo, não existia no mundo poucos eram o suficiente iluminados para se analisar segundo os parâmetros da sociedade em que estavam imersos. Difícil, ou mesmo impossível, era encontrar um que se considerasse, a si próprio, como sendo um burro,
estúpido, tapado, árido, obtuso ou qualquer outro sinónimo
equivalente. Em compensação as tácticas alambicadas da religião
os qualifica, com magnánima educação, como Pobres
de Espírito, e afirma,
sem admitir ser contrariada, que deles
será o Reino dos Céus.
Ao chegar às portas do fecho recordo
uma situação vivida, sendo eu adolescente e em casa paterna, quando se apresentavam à porta, pedindo esmola, duas irmãs, pobremente
vestidas e com evidente carência de juízo. Uma delas, a que se
considerava mais esperta, afirmava, com uma dicção mal amanhada: A
MINHA IRMÃ É TONTA. E quem tinha aberto a porta tinha que fazer um
esforço hercúleo para não se rir e dizer E TU TAMBÉM. Coitadas das
raparigas, sujeitas a uma sorte malvada. Ocasionavam pena e tristeza, não só pela sua situação de pobreza mas, também, pela ingenuidade com que enfrentavam a parte da sociedade de quem esperavam alguma ajuda.
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