Já
no habitual
Amigo Dr. Cardoso. Agradeço que me
tenha concedido uns minutos, que espero não serem muitos, para me
receber depois de uma ausência quiçá demasiado longa. Em princípio
só pretendia cumprimenta-lo e confessar que, apesar de estar a
bastantes quilómetros deste canto da Europa, o nosso pensamento,
pois incluo a minha mulher, esteve sempre pendente do Vale, ambos
estivemos sempre preocupados com o que poderia acontecer à volta da
nossa propriedade. Concretamente se houve sequelas das mortes que nos
ofertaram.
Seja como for, logo que entramos em
casa, demos ordens concretas para que não nos contassem boatos ou
notícias desagradáveis. Caso existissem novidades merecedoras de
conhecer, preferíamos saber delas através de meios oficiais,
nomeadamente da Polícia ou dos Tribunais. E é tudo o que lhe posso
contar, pois que relato de vivências do passeio seria próprio para
o ter numa cavaqueira a quatro, numa refeição tranquila em terreno
neutral, ou seja, dos dois casais livres de protocolos profissionais.
Creio que individualmente merecemos isso.
Pois Amigo Maragato, embora as
novidades não sejam muitas, mesmo assim são importantes. Mas o
sigilo que sei entende que devo manter neste lugar impede-me de
expor, com amplitude e a franqueza que merece, o que ainda permanece
a nível de reservado. Eu, pelo que deduz, devo manter a boca mais
fechada do que desejaria, mas vou dar-lhe uma janela que o pode
elucidar. Procure ter uma conversa com o seu amigo “Rei” da
ciganagem da zona, pois sei que ele está à par dos avanços e
recuos deste assunto. Aquela abertura que o Amigo fez, e que estava
na sequência de anteriores permutas de “gentilezas”, deu frutos
com mais rapidez do que os meios de investigação a meu dispor e das
forças militarizadas.
Isso não impede de que possa fazer
uma pausa no trabalho e lhe proponha que me acompanhe até o café
mais próximo para molhar o bico numa bica, ou cimbalino, e ali
puxar-lhe da língua para saber das suas impressões, por exemplo
sobre o famoso Danúbio Azul. Vamos?
Pois apesar de não ser muito
apreciador dos passeios de barco, por os considerar excessivamente
lentos para o meu gosto, desta vez tive que ceder ao desejo da
Isabel, que não se contentava com os dias de visita em Viena e
insistiu, para não ser menos do que algumas clientes do salão que
enchem a boca com o Danúbio, a embarcar rumo a Budapeste, e foi uma
boa decisão, pois além de que o trajecto era muito variado o barco
era quase um hotel flutuante. Não tanto como as monstruosas baleias
que navegam pelos mares, pois o calado disponível no Danúbio não
permite excessos. Mas lá dentro tinha tudo o que se podia esperar, e
mais até.
Se Viena -nada de Viena de
Áustria pois não tem nada que aproxime a nossa Viana do Castelo com
esta do Império Austro-Hungaro, cada uma no seu lugar, que merecem
na sua dimensão- merece a fama que carrega, numa cidade que
respira história e passado com riquezas que aqui nem conseguimos
avaliar, é suficiente recordar a chegada a Viena de avião. Foi
espectacular, com o bom tempo e sol radioso, horizonte límpido, sem
nuvens. Não rezamos a pedir tão bom acolhimento do clima, mas ainda
pensei que Eolo nos favoreceu. A entrada em Budapeste pelo Danúbio é
também de cinco estrelas. Mas gostaria de estarmos os dois casais
para falar com sossego desta nossa viagem de noivos. Agora tenho que
tentar encontrar o Ortega, para ver se ele me situa na actualidade do
que me tem preocupado.
Aceito a sua sugestão, e se não se
importa direi à minha mulher que entre em contacto telefónico com a
sua para combinar este almoço.
Até breve, espero eu.
Ortega? Sou o José Maragato.
Podemos ter uma conversa? Cheguei ontem da viagem de casamento e
desconheço em que estado se encontra o sarilho dos mortos nas minhas
terras.
Oh, Doutor Maragato, meu Amigo, é
um gosto ouvir a sua voz e gostaria de poder almoçar na sua
companhia. Onde está? Eu estou em Montemor, com um olho no andamento
da feira. Se puder chegar em menos de uma hora almoçaríamos num
restaurante que está na Praça da República. Tem o nome de Dom
Dinis.
Eu estou de partida de Coimbra. Para
já agradeço a prontidão com que se dispôs a ter uma conversa, com
garfo, faca e copo. Se o transito estiver bom, em pouco tempo estarei
em Montemor, e ajuizando pelo seu tom de voz avanço que me dará
novidades agradáveis, ou pelo menos tranquilizadoras. Até já. Quem
chegar primeiro que escolha mesa!