domingo, 30 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Acerca da chucha, e outros erros.


O SÍNDROME DA CHUCHA

Por uma questão de sensatez, na minha família paterna e depois na que formei com a minha mulher, jamais se procurou viciar os bebés com a chucha. Nas duas gerações sucessivas a alimentação inicial foi fornecida pelas mães por meio das suas glândulas naturais. Admitimos, desde início, que o leite materno, sempre e tanto que a mãe não estivesse doente, era precioso para o filho, e acreditamos, piamente, de que ele contêm moléculas naturais benéficas, género de anti-corpos, ou outros compostos benéficos para a digestão e evolução do filho.

Não ficamos admirados quando todos eles rejeitaram o biberão como substituto da teta. Quando foi necessário complementar a aleitação natural optou-se, sempre, pelas papas dadas por meio de uma colher pequena. Foi sempre espectacular ver como se habituaram e abriam a boquinha esperando uma nova dose.

Curiosamente, em ocasiões de extremo desespero dos adultos, mesmo sabendo que aquele choro contínuo do bebé devia ser reflexo de alguma indisposição dolorosa, como o romper dos dentes, tentou-se a artimanha de comprar uma chucha na farmácia e com isso, tapar aquela boca que berrava. Nenhum dos filhos aceitou este treta, cuspiram-na, aquilo não equivalia ao mamilo materno.

Ao longo do crescimento houve, sempre, o cuidado de lhes evitar vícios. Por exemplo: mesmo que foi pertinente os ilustrar com jogos de mesa, fossem de cartas (inicialmente com figuras de animais ou flores) e depois com baralhos normais, ou no dominó, jogo da glória ou outros em que se pontua e ganha ou perde, nem a feijões se jogava. Pontuava-se num papel e chegava. Jamais com moedas de uso corrente, nem sequer as de menor valor.

Deste relato retira-se que os pais tem a obrigação de evitar, tanto quanto forem capazes e conscientes, de lhes abrir portas a vícios e hábitos que mais tarde será difícil eliminar.

Outros costumes, que tenho relutância em referir, são inculcados nas crianças sem que os adultos de preocupem de os explicar. Habitualmente os adultos que tal erro, ou abuso, cometem, tampouco são conhecedores, em profundidade, do que estão a impingir.

Explicitar, de forma coerente e perceptível, o que é correcto ou não no comportamento das pessoas não é fácil. E caso imaginarmos que é factível conseguir uma ajuda do exterior, estaremos redondamente enganados. Os bons costumes, os bons actos, o respeito pelos outros e todas as normas de bom comportamento social e humano não carecem, para ser adoptadas, de uma ajuda celestial. Tudo se torna mais normal e intenso se vier do seio das pessoas que se conhecem desde a mais tenra infância, tal como faz o bebé ao mamar, que não tire os olhos da cara da mãe e até é capaz de morder no mamilo se vir que a mãe não lhe dá aquela atenção, total, que ele exige, e só assim consegue mostrar.

sábado, 29 de junho de 2019

MEDITAÇÕES. Ou divagações


DA DESPENSA E DA COZINHA

Tenho a impressão, mal fundamentada dado que estou bastante isolado do convívio social, que a maioria da população, ou pelo menos aqueles que não estão comprometidos ou pendentes de benesses prometidas pessoalmente, não se interessam pela vida pública, apesar de que tudo aquilo que nos enfastia e desejamos que nos passe ao largo, sempre nos afecta directamente.

Será mesmo assim? Teremos que dedicar uns minutos -poucos que o tempo passa depressa- para meditar em alguns capítulos concretos. Um deles, muito importante, é o poder avaliar o que de facto existe na despensa nacional, mais concretamente no lugar onde se guarda, ou deveria estar, o carcanhol que faz mover a roda da nossa vida.

Tal como contam que aconteceu no século XX, quando o estado preocupante em que se encontrava o tesouro público, incitou a que se encomendasse a solução do problema a um provinciano, que nos conduziu pela vereda do estoicismo durante décadas, hoje temos um outro provinciano, desta feita algarvio, e se não vai calçado com botins ortopédicos pode identificar-se como personagem principal num anúncio de dentífrico, pois que, sempre sorridente, nos diz que as coisas andam melhor do que jamais. Ou pelo menos na década anterior à sua. Portugal, através del, ministro das finanças e dono da chave do cofre, é aplaudido, como exemplo a seguir, em toda a Europa e parte do exterior. A dúvida, pequena mas importante, é que já não sabemos o que mais se pode vender aos chineses.

A solução que nos é apresentada baseia-se em promessas para não se cumprirem, e nas “cativações” que cortam, de facto, os orçamentos prometidos. Mas o País ainda anda, manquejando, mas anda, devagar. O sintoma mais geral é aquele que a população manifesta quando se lhe pergunta “como vai?” e, invariavelmente responde “vou andando”. Um País de andarilhos! Mas sabem para onde andam?

Aproximam-se novas eleições e, como é habitual, surgem propostas e desejos que se devem cumprir graças à colaboração dos cidadãos eleitores, ou, sendo pragmático, se cumprirão como decidirem os que forem eleitos, sem contar com as vontades, mal expressas, do eleitorado. Nunca se viu um pastor perguntando, em assembleia magna, às ovelhas que traz a seu cuidado, para onde preferem ir pastar... E o Homem, comporta-se atávicamente como um animal. Afirmação que pode custar a digerir ou nem sequer se atenda a esta verdade.

Temos um PS que já está farto de ter que aturar uns sócios que, apesar de não terem nenhuma carteira ministerial, os incomodam da madrugada até a noite cerrada, pela insistência em provocar reclamações, greves e outras inconveniências que implicam mais promessas a não cumprir e, no fundo, umas despesas que o dentolas não autoriza. Por isso o actual Primeiro ministro clama e deu a palavra de ordem aos seus vozeiros, para que insistam em dar como indiscutível o chegar a uma maioria absoluta.

Ou, que se aceite, por trás da cortina, uma possível conexão com o partido mais próximo, embora com cheiro a direita. Isso sem se libertar dos compromissos factuais que o PS sempre tomou com a realidade económica. Já que, pragmaticamente, nunca se pode escapar da alçada do capital, direitista por génese.

Mas aquilo que sinto, desde o meu canto de eremita, é que existe um distanciamento notório no que se refere ao contacto directo das individualidades que orientam a opinião pública no sector Norte do País e os que cumprem a mesma missão junto da capital. Estes últimos, que estão na primeira linha em lugares cativos, circulam em meios muito restritos, practicamente só consentem em aparecer nos programas televisivos. Hoje a sua presença é mais recatada do que jamais foi, no seio da casa de cada um, pois já deixaram de aparecer nos, já esquecidos, filmes de actualidades que antes passavam nos cinemas. Pelo contrário, deduzo, com forte probabilidade de errar, que no Norte a presença física, cara-a-cara, das pessoas notáveis em cada burgo é mais habitual, e que (se isso assim for) possibilita diálogos sem registo magnético nem selfies para distribuir, ou cabazadas de beijinhos e abraços, estilo chi-coração, que o Presidente se encarrega de espalhar para dar uma imagem de proximidade inoperante.

Por se esta diferença de comportamento político-social não for suficiente para emperrar as pretensões do PS, temos que aceitar, por tanto se ter batido neste ferro frio, que existe uma incompatibilidade entre os dois cabeças de política partidária Norte-Sul. Isso nota-se mais pelos reflexos do que pelas manifestações directas dois dois indivíduos, que nos querem fazer crer que ambos desejam, ardentemente, entrar numa de beijos na boca, com línguas penetrantes, como se mostravam no tempo da Guerra Fria entre os chefões do Soviete Supremo.

Mas estes sonhos do PS podem não se concretizar caso os actuais sócios, sem comando ministerial mas activistas q.b., se sentirem mal tratados e daí decidirem aquecer, mais um pouco, a guerra surda das reivindicações, que inevitavelmente condicionariam muitos votos no sentido contrário aos desejos de António Costa.

Não tem sido anormal que, ao longo da história nacional e internacional, a ambiguidade conduza a resultados indesejados. As recomendações de Maquiavel -não confundam com Marcelo, apesar de ser este um decalque- podem não dar o resultado desejado ao PS.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Lavagem cerebral


Convencer de impossíveis não é difícil

Quando era rapaz e já seguia os noticiários e as revistas de informação o mundo “livre” estava pendente do que acontecia na Coreia, onde em teoria existia uma luta entre a população do norte desta península -que poucos anos antes esteve sob o domínio imperial do Japão- e que enquanto durou esta guerra, e ainda hoje, era uma zona satélite da China comunista e também da Rússia Soviética. Na zona a sul, ao pretender travar a expansão do comunismo, os Estados Unidos, o indiscutível paladino do “mundo livre” prontificou-se a dar uma assistência militar, practicamente a todo vapor, com forças militares e material de guerra. Mas tentando que não fosse vista a sua participação como um novo colonialismo. Para tratar de aliviar a real noção de que ali se confrontavam os EUA versus a China, mais a URSS, montou-se uma com-participação de alguns países comprometidos com os EUA e assim dar a entender, sem o conseguir totalmente, que quem apoiava o governo do Sul da Coreia era a ONU.

Esta longa introdução foi pensada para poder comentar o que a imprensa do mundo livre magnificou até o extremo de ser excessivo. O serviço de propaganda da Coreia do Norte, apresentava, em filmes, os depoimentos de militares americanos, normalmente pilotos de aviões abatidos, que de “livre vontade” declaravam o seu desgosto, ou repúdio, sobre as missões de agressão que lhes foram mandadas sobre populações civis indefesas no Norte.

Por sua vez os serviços de inteligência e contra-informação dos USA, em nome do tal mundo livre, afirmavam que aqueles testemunhos eram, nitidamente, conseguidos após serem aplicadas aos prisioneiros, técnicas sofisticadas de medo e convicção. Entre ameaças, promessas e lições de moral, ou fosse como fosse, afirmava-se que os coreanos do norte faziam intensas lavagens ao cérebro daqueles bons rapazes, americanos, que expunham a sua vida para salvação do referido mundo livre.

Pode ser que estas técnicas, já bem estruturadas. para conseguir as confissões desejadas nem sequer fossem originais. O mais provável é que fosse bem antiga, e que sempre se procurou tirar partido propagandista através dos “arrependidos” que se mudaram de bando. Sempre os houve. Para uns eram traidores e para outros uns patriotas que viram a luz da verdade. Mas para mim foi a primeira vez que a encontrei repetida vezes sem fim, e daí que entrasse no léxico de muitos que estavam na minha geração.

E, em consequência desta memória de juventude, perguntei-me sobre o que se faz (sem ser a cruel e atroz tortura física) para conseguir dar a volta ao miolo de uma pessoa e o levar não só a militar num bando que não era o seu, mas que até o faça com ardor, e se torne mais convencido do que o seu mentor, que em geral não deve acreditar muito na propaganda que transmite. Aquilo que se diz Ser mais papista que o Papa.

Cheguei à conclusão de que o medo é uma força poderosa para nos levar a comportamentos que, em estado de liberdade natural, rejeitaríamos sem excitar Mas o medo por si só não chega para conseguir uma colaboração plena. Ó processo implica oferecer, além do medo a represálias, uma recompensa difícil de conseguir fora daquela área de colaboração. E quanto mais misteriosa e indefinida for esta recompensa, que só se alcançará após uma colaboração total, mais desejada e indispensável se torna.

Neste momento quem leu e pensou -mesmo que pouco- já vislumbra por onde vão os tiros. Obviamente, todas as religiões, em todas as épocas, -pois que nascem espontâneamente na mente humana- usaram e usam a táctica do pau e a cenoura, A cenoura, para os inocentes (aqueles que mal não pensam) é, e sempre foi, algo de intangível; uma promessa para depois da morte. E como esta, seja natural ou matada, é inevitável, o prometer uma indescritível nova vida é normal que provoque no catequizado uma vontade louca, extrema, de agarrar esta possibilidade. E quanto mais penosa tiver sido a sua vida neste mundo, mais procurará cumprir as exigências que lhe forem apresentadas.


quinta-feira, 27 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Formatar a população



A formatação de um povo

Quando se refere a população em geral com o cognome de “povo”, já se sabe que aqueles que se consideram letrados q.b., quando lêem que este termo entendem que não se lhes aplica. Em consequência o termo “povo” ficou restrito à plebe mais abjecta, os desprezíveis, aqueles que estão ao nível da ralé. Todavia aqueles que “orientam” -ou pretendem orientar-, o pensamento da população em geral não se descaem a usar os termos desrespeitadores que eu coloquei propositadamente.

A experiência vivida obriga-me a não aceitar separações com base em preconceitos, capacidades económicas e menos o considerar que se nasce com um estigma, que se pode carregar até o fim dos dias, e até dar de herança aos descendentes. Felizmente a evolução rápida da sociedade nestas derradeiras décadas mostrou que é factível subir ou descer na escala social. Mesmo assim, o facto de que a educação se tenha distribuído quase que equitativamente, e surgissem novas oportunidades para singrar na vida sem cair no trabalho braçal e desgastante, é pertinente reconhecer que estamos bastante longe da igualdade.

Os acontecimentos da política no Reino Unido, que ainda não estão definitivamente concretizados, podem ser um caso de estudo para aqueles que pertencem, por nascimento e modelação, a países que tiveram uma fase de expansão e poder que, vistas de longe, se imagina ter sido melhor e mais proveitosa para a população do que foi de facto.

Muitos dos que se dedicaram a relatar o passado, glorioso, caem na tentação de esconder, ou não referir, as páginas negras, sumamente desagradáveis e desprestigiantes que, SEMPRE existiram ao longo de todas as colonizações. Sendo esta técnica quase que geral cabe ao cidadão que deseja ser devidamente sabedor, do bom e do mau, tentar e conseguir fugir da catequização que, desde os patamares mais conservadores (infelizmente os que assim se comportam, arrastados pela publicidade oficial e oficiosa, nem seque são conscientes de que colaboram na grande fraude)

Atrevo-me a supor que aquilo que se valoriza como ser o Amor à Pátria, corresponde a esconder para debaixo do tapete, e de um modo tácito, tudo aquilo que contrarie a beleza apregoada. Admito que aqueles que constituem a reduzida minoria de seguidores, sabem das tácticas usadas -até uma centena de anos atrás- pelas pessoas com posses económicas que lhes permitissem emular a realeza, para procurar esconder o mau cheiro corporal, fruto de uma quase geral falta de higiene, por meio de perfumes intensos.





sábado, 22 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Uma dica



UMA DICA PATERNA

Mais de seis décadas já passaram desde que o meu pai me disse, com a seriedade que lhe era habitual -mas nem por isso abdicava de gracejar de vez em quando- que na vida social (que não quer dizer em ambiente reservado), era sempre arriscado emitir opiniões, em especial quando estas opiniões podiam ser interpretadas como avaliar factos ou comportamentos que, com evidência, se podiam atribuir a alguém identificado. Habitualmente este género der ditos ou comentários, são vistos como criticas, e estas opiniões eram por sua vez qualificadas como sendo construtivas ou destrutivas.

A partir desta qualificação, sumária e aparentemente pouco explícita, deu-me a sua valorização pessoal acerca das duas hipóteses de comentários. Também quis ser extremista na valorização dos comentários, pois que são sempre as opiniões mais agudas aquelas que devemos ter em conta,

Dito de outra forma, as críticas construtivas, não passam de uma tentativa de não se comprometer, ou pior até, de aplaudir o visado no intuito de se colocar numa posição favorável para o que possa vir.

O seu conselho era de não ligar a esta forma de “dar graxa”, pois se naquilo que mereceu ser criticado erramos, -o que como se diz errar é humano- pode induzir-nos a cometer novamente o mesmo erro, e obviamente nada avançamos no sentido positivo. A não ser um incremento do nosso descrédito. E o motivador, através de oferecer aplausos imerecidos, fica na sombra.

Pelo contrário, o meu pai salientou, e insistiu em muitas ocasiões na sua vida, em que as únicas críticas válidas, efectivamente positivas, eram as eram as negativas, sempre que, de uma forma idónea e razoada, além de apontar o erro ou defeito, também especifica as razões que levaram a emitir aquele juízo de cariz destrutivo. Ou seja, quando o comentador, além de discordar, ao justificar a sua posição, ou mais correctamente a sua oposição, está colaborando num sentido positivo. Sem dúvida, o que aponta defeitos mostra ter uma ética mais merecedora de atenção.


Esta espécie de introdução surge, a frio -como arrancar um dente sem anestesia- após a semana passada ter apagado uns comentários que poucas horas antes tinha colocado sobre a minha avaliação, pessoal, de artigos ou colunas de opinião em dois periódicos nacionais. Posteriormente a serem editados considerei que não estou qualificado -vendo a carência de seguidores torna-se óbvio- nem remunerado para dar opiniões. Daí se deduz serem dispensáveis.

Seja como for, o que aconteceu hoje, sábado, é que continuei a comprar os dois periódicos em questão, admitindo, sem rebuço, a motivação de ler comentaristas “azedos”, duros de roer, cujos autores, sempre identificados, não se importam de criar anticorpos quando assinalam atitudes e decisões que afectam a generalidade da cidadania. E que nitidamente não se encaixam no organigrama de acções que seriam mais convenientes para o bem da maioria “silenciosa”, e sofredora.

Estou convicto de que o meu pai, -também ele bastante solitário- tinha toda a razão ao me avisar do valor nulo das críticas positivas, em especial quando “cheiram” a pretender um retorno, e que os únicos vectores que nos podem ajudar na toma de decisões válidas, está nos comentários azedos. E desta vez não darei pistas concretas acerca de quem aprecio ler.

Infelizmente, esta ponderação dos sinais da agulha de marear não são atendidos da mesma forma pelos leitores, que consentem em desviar os olhos da realidade para seguir os seus compromissos, em geral de índole egoísta e compensadores. Cada um é livre de abdicar de uma característica que, internamente considere correcta, mas que a descarta por não lhe ser agradável, nem não prevê lhe traga benefícios.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

UM APONTAMENTO

Com o qual não quero apontar nada nem a ninguém

Sem nenhum motivo "croqueto" decidi interromper por uns dias, ou semanas, os meus escritos neste espaço, de facto  uni-pessoal porque não há uma alma que se decida a juntar umas palavras, nem que seja para desancar.

A novela das CRÓNICAS DO VALE, mesmo que aceite poder esticar mais uns tempos, já perdeu o brio, se é que alguma vez  o teve.

As MEDITAÇÕES tinham por objectivo conseguir um eco que permitisse uma certa polémica, pois sou dos que entende que falar para o boneco é sumamente desmotivador. Falhei redondamente, apesar de que o contador de visitas mostra que teve umas dezenas, poucas, e possivelmente pouco mais de cinco unidades, de leitores.

Como podem imaginar eu continuo escrevendo, intercalando com leituras e jardinagem, que é uma das vantagens que tenho ao residir numa zona com moradias uni-familiares. Num quarto-esquerdo, a estas horas já teria saltado pela varanda.

Resumindo: Não declaro fecho total do meu espaço nem tampouco posso anunciar uma reabertura e em que moldes. Gostaria, e afirmo sem vergonha, de entrar em sintonia com um núcleo de seguidores, e para o conseguir sinto a falta de reacção, de conhecer os interesses, das pessoas que ainda abrem este espaço.

BOA NOITE A PASSEM BEM

quarta-feira, 12 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Votar? E em qual?




De um dilema passamos a um poliema

Inventei agora mesmo um neologismo. Mas não sabia como definir, de um  modo pseudo académico, a situação bicuda que coloquei como cabeçalho.

De entrada a pretensa solução de não votar de nem sequer estar presente no “magno direito democrático”, dado que a abstenção, além de poder envergonhar os que estão nas listas -coisa difícil de conseguir com os políticos profissionais- as regras que se estipularam para ponderar os resultados só afectam os considerados votos válidos. Nem sequer os votos nulos pesam no que se vai decidir após finalizar o escrutínio. E é correcto que assim seja. (1) Quanto aos votos que se candidataram a nulos, propositadamente, mesmo que com esta atitude se queira demonstrar descontentamento, ou até pensar serem insultantes, de facto não passam de um detalhe gratuito, sem significado. E analisando com frieza são um insulto à democracia, precisamente a mesma estrutura social que lhe permite insultar anonimamente.

Admitindo de que todos os assuntos podem ser apreciados com, pelo menos, dois pontos de vista bastante diferentes e razoáveis, mas opostos,  também a questão de votar ou não votar, ou abster-se, pode justificar-se pelo facto de que, com a expansão da informação, o acumular de notícias onde os abusos de muitos indivíduos com poder, ou ligados ao poder, tem feito sobre a cidadania em geral, e portanto sobre o País, deu como reflexo a descrença e até a repulsa para participar no que entendem ser uma distribuição exclusiva de gavetas para saquear. 

As pessoas, muitas ou poucas, mas bastantes a julgar pela soma de abstenções e votos nulos, estão descrentes dos benefícios que se poderiam usufruir de uma democracia, pelo menos comparativamente com uma ditadura, não encontram outra forma de manifestar o seu desencanto, ou desagrado, do que pela abstenção. O que, em realidade, dado que estes valores não os afectam, ainda se lhes dá mais campo aberto para abusar.

Mas se do já dito chegamos à conclusão de que, para tentar que o rumo da governação se ajuste à nossa concepção de conveniente para o País, sendo nós, os cidadãos o que constituímos o Pais e não simplesmente o território, entramos directamente naquilo que pode ser um problema, pelo menos pensando nas pessoas que não estão anímica ou económicamente comprometidas com uma candidatura determinada. Estes votantes, quase certos, não “flutuantes” são os que garantem uma base de partida para os partidos já tradicionais. A deslocação do voto individual de um partido para outro, possivelmente do mesmo grupo, podemos admitir que raramente será entregue a uma formação que se encontre no extremo oposto do arco da governação.

Nos últimos anos, fruto das denuncias e críticas que os meios de comunicação social e principalmente a força de penetração da televisão, emergiram novos corpúsculos com pretensões de conseguir um número mínimo de aderentes que lhes garantisse um lugar nos boletins dos comícios seguintes. Alguns destes novos partidos, por assim os qualificar, eram, de facto, de carácter uni-pessoal, e dada a fraca penetração no computo global da cidadania, tiveram pouca importância.

Mas, de facto, abriram a porta para romper o círculo dos já instalados, e em consequência nos dar a ideia de ter uma maior diversidade de opções. O facto mais notável é que com este maior número de opções, a abstenção ainda subiu. Permaneceram os votos mais fixos de cada partido, mas a degradação do interesse pela democracia foi notória.


(1) Entre muitos escolho este: Quem não aparece, esquece

MEDITAÇÕES - Tanto fedor !



Quando Shakespeare escreveu a peça de Hamlet (que não foi o inventor da omelete!) é possível que não adivinhasse que ali ficaria, como frase lapidar HÁ ALGO PODRE NO REINO DA DINAMARCA.

Uma citação que me veio à cabeça pensando no muito que se sabe acerca da podridão que nos comanda. Ou mais concretamente, nunca na história a população em geral teve accesso a tanta informação, e, curiosamente, a reacção não aparece. Nem sequer deve ser difícil de explicar o porque da apatia geral e aceitar que as coisas nos passem pela cara, ou pelo nariz, que chega primeiro, sem que o fedor nos moleste.

Dizem que as pessoas habituam-se aos cheiros dominantes, assim como a certos ruídos, e, em consequência só reage se um aroma, neste caso um fedor, for novo, desconhecido. Por saberem isso é que não se molestam em esconder as mal-feitorias, desvios, trapalhadas e desfalques que, sempre, mas sempre, sem falhar, caem nas costas dos mesmos. E, curiosamente estes “carregadores” involuntários, mas resignados e , por ventura, até contentes, de ser uma espécie de pagadores de promessas, continuam a pertencer a estratos sociais bem definidos, embora já ultrapassem o nível das camadas mais desfavorecidas e tenha invadido parte da considerada classe média.

Historicamente sempre as classes mais poderosas, fossem da nobreza=poder militar, ou possuidores de importante capital, souberam como manter a população distraída. Todos citamos a frase latina panem et circenses (proferida por Juvenal criticando a passividade do povo perante o declínio do império, em troca de pão e circo) Fossem ajustiçamentos na praça pública, autos de fé com queima de heréticos, procissões, casamentos, desfiles militares, festejos por motivos fúteis, romarias, expôs, concertos, desafios de futebol, etc., em cada época houve tretas criadas para entreter. Daí que convêm admitir que sempre o poder teve nas suas mãos as formas de distrair o povo e assim o levar a esquecer as agruras da sua vida.

É de pasmar o facto de que estando à disposição de qualquer pessoa o saber aquilo que, anteriormente só se sabia nos corredores de palácio, tudo se aceite sem reacção. O segredo absoluto já não existe. Foi sabiamente substituído pela saturação controlada. Quanta mais porcaria se ponha junto do ventilador e se distribua sem recato (Mas sempre guardando o Filet mignon,que a maralha nem sabe apreciar!?) menos dão por ela, já nem o cheiro incomoda.

Vejamos, assim ao passar sem aprofundar: submarinos, projectos não acabadas, nem saídos do papel, contratos ruinosos, desfalques, vendas de activos nacionais ao desbarato, dívida pública a subir sem recuperar os empréstimos nem os desvios evidentes. Seria uma lista longa que não nos levaria a outra conclusão de que a população deste País -que todos amamos- não sabe defender os seus interesses, nem mesmo punir aqueles que internamente abusam.

Consta que muitos habitantes de Portugal estão viciados com ansiolíticos, que dormem pouco por estarem agarrados a mais do que um emprego ou ao seu computador, brincando nas tais redes sociais. Mas será que somos conscientes de que, com a nossa atitude de “deixa andar...”, também somos culpados das nossas agruras?

terça-feira, 11 de junho de 2019

MEDITAÇÕES - Farto de ser arrastado


MEDITAÇÕES – Farto de ser arrastado

É um bocado tarde, mesmo muito tarde para mim, com 81 primaveras às costas. O sentir-me revoltado, com a atitude “rebelde”, mas totalmente de âmbito interno, de consumo caseiro, não me consola.

Dizem-nos que os meios de contacto via electrónica nos permitem criar um grupo de “activistas” ou contestatários, com toda a facilidade. Tenho que acreditar, já que são tantas as vozes, ou os escritos, que apregoam esta prontidão potencial para poder juntar acólitos, ou “almas gémeas” que, com um peso numérico crescente, nos permita reclamar e agir. E como se põe esta bola em andamento? “é ná sei!”

Não chega o ler que desde as mais profundas fossas abissais até os mais altos cumes do Himalaia, passando pelos peixes e outros alimentos que comemos, ou mesmo a água que bebemos, estão todos contaminados de micro-partículas de plásticos, cujos efeitos perniciosos podem causar na saúde humana, e dos seres vivos que nos acompanham neste planeta, ainda não conhecemos, mas não serão positivos, isso certamente. Que sendo o único lar possível para o género humano, nós, que nos auto-consideramos os réis da natureza, teimamos em destruir.

Admito, com vergonha, que não me basta colaborar com a separação e entrega dos resíduos, tanto de materiais plásticos como de papel, vidro ou matéria orgânica. Nem tampouco fico satisfeito pelo meu cuidado em fazer compostagem no meu jardim. Não basta. É mesmo ridículo quando vemos que tartarugas, baleias e aves, entre muitos outros animais, morrem por ter ingerido plásticos não digeríveis.

E pior me sinto ao saber que muito daquilo que separamos, guardamos e entregamos, na convicção de ser reciclado. DE FACTO NÃO É RECICLADO. Muito deste lixo irá a aterros ditos sanitários, que de sanitário não tem nada, pois limitam-se a amontoar e na melhor das hipóteses ser coberto com uma camada de terra. MAS O PLÁSTICO ESTÁ LÁ !

Ou então segue numa de duas alternativas. O é queimado e daí se possa recuperar alguma energia, ou é DEITADO AO MAR OU AOS RIOS, e que siga como Deus Quiser.

Entretanto, sempre que vamos comprar artigos necessários, sejam alimentos ou produtos consumíveis que se tornaram indispensáveis, a embalagem de plástico está sempre presente. Não se nota um eco positivo das campanhas que alertam e propõem terminar com estes artigos indestrutíveis.

E não falo na destruição da atmosfera, tanto por excessos de produtos poluentes gasosos libertos perto da superfície, como a confirmada diminuição da capa de ozono que nos protege das radiações ultravioletas. Cada voo a alta altitude colabora na sua destruição, além dos foguetões que partem rumo ao espaço exterior. Deixam a camada como uma meia esburacada, e quem é que hoje agarra num ovo, até de madeira, e dedica-se a cerzir? Vai para o lixo! E como pode estar feita, a meia, de material sintético ...

Os partidos políticos existentes, sejam eles quais forem, incluídas as filiais pintadas de verde ecológico, nada fazem de positivo. Tudo continua na mesma , ou pior.

Quando se comercializou a baquelite, o celulóide, e depois a viscosa e outras fibras sintéticas, as pessoas sentiram que se abria um mundo novo, belo, recheado de coisas úteis e a baixo custo. A realidade nos leva a recordar a lendária CAIXA DE PANDORA, ou o seu equivalente GÉNIO MALVADO QUE ESTAVA FECHADO NUMA GARRAFA. Um alerta de como depois de libertado o monstro era muito difícil o manter fechado novamente, ou mesmo impossível. Como vai acontecer com os milhões, trilhões e multilhões de micro-partículas que constantemente são lançadas na atmosfera, aos mares, na terra em fim.

Com a energia atómica aconteceu outro tanto. Os desastres ocorridos não surtiram o efeito da prudência total. O átomo depois de reactivo e radioactivo é tal como o tigre numa jaula, estará mais ou menos domesticado até o dia em que decida atacar o domador.

Mas o homem, que há muito tempo que foi definido como o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra, não aprende com os seus fracassos. Antes pelo contrário, procura os varrer sob o tapete, o enterrar como o médico, e partir à procura de outra utopia.

E aqueles que, como eu, se encontram inermes perante o desastre global, que podemos fazer? Chorar como crianças, que voltamos a ser?

COMENTÁRIO RECEBIDO DE PESSOA AMIGA, e colega.

Gostei de ler estas tuas meditações e venho dar o meu contributo, embora muito pequeno, para o que podemos fazer. 
Em 1º lugar temos de nos consciencializar dos problemas, se não estivermos já conscientes deles.
Depois diria como o Akio Morita (suponho que é assim que se escreve): «Os elefantes comem-se às dentadas»

É pouco o que podemos fazer (contribuir para a reutilização e reciclagem, procurar não desperdiçar água e energias não renováveis, usar mais os transportes públicos, mesmo com algum incómodo). No entanto, se formos muitos a fazer isto, os muitos poucos fazem muito, o elefante vai sendo comido, e, com alguma probabilidade irá aumentando o nº de pessoas com preocupações ecológicas que actuam como tal. Na realidade não consigo ter uma visão completamente pessimista da evolução humana e do mundo, e acredito que está nas nossas mãos melhorar um pouco tudo.

OUTRA OPINIÃO DE APOIO, de um amigo veterano

Até podem todos desistir ...que eu vou continuar "a tentar fazer a minha parte"...

Custa-me a acreditar que todo o trabalho a que se devotam os que "se preocupam" com a defesa do Ambiente, seja assim lançado "no monte" do lixo...como se nada "tivesse sido feito..."

Quero acreditar que isso "é desculpa" daqueles que nada querem fazer, sem colocar de lado a hipóteses de haver no circuito alguns irresponsáveis "que gozam" com o nosso esforço...

Vamos acreditar...

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 96


CRÓNICAS DO VALE – Cap. 96

Com Rafael Ortega, e outros temas

- De facto já aqui estivemos, os dois, no princípio do nosso conhecimento. E tenho boas lembranças, tanto do local como do marisco e até da refeição que aqui nos prepararam. A única diferença é que naquele dia o Ortega, por precaução e por não me conhecer directamente -assim pensei eu- veio acompanhado por alguns moços da sua família, que se mantiveram atentos, mas sentados prudentemente afastados da nossa mesa. Expectantes, mas dando nas vistas, dada a pouca clientela que havia no local.
- Boa memória, sim senhor. E se tudo correu bem aquele dia hoje não correrá pior. Para já e dada a hora proponho que tomemos umas leves entradas, digamos uns percebes e uns camarões quase crus, e um vinho leve, fresquinho, que depois pode continuar na mesa para ajudar a passar um robalo, com sangue na guelra e olhos vivos; que eu vi na cozinha quando entrei para lavar as mãos. Pode ser?

- Óptimo. Nada a contrariar. Mas antes de entrar em coisas sérias, sem desmerecer do assunto que pretendia expor, gostaria de saber, por curiosidade mas também por interesse pessoal entre amigos, como terminou aquele problema do casamento negado pela noiva descontente. Recordo que, depois de conversas sérias entre as duas famílias, decidiram afastar o noivo até a Andaluzia, creio que referiu Málaga como lugar de afastamento, e que ali certamente seguiria outro caminho, e não tardaria em se acasalar, a gosto, com uma da mesma etnia, ou não, mas de fala andaluza, que não é exactamente igual à de Castela, apesar de serem da mesma família linguística.

- E assim se fez. Para mal, ou bem, dos meus pecados. Para aliviar o ambiente, quando nos reunimos os representantes das duas famílias acertou-se em viajar uma comitiva bastante representativa, onde se inscreveram, massivamente, as raparigas mais novas. Mas também jovens e adultos. Aquilo parecia uma romaria à Virgem do Rocio, mas exclusiva de familiares dos Ortega, e anexos. Foi uma festa, os malaguenhos se prontificaram a nos dar um espectáculo equivalente, ou quase, ao de um casamento. E se todos se divertiram, os nossos jovens abriram os olhos como pratos de sopa, e absorveram todas as novidades que já estavam fixas entre aqueles parentes calés, mais concretamente espanhóis.

E na viagem de regresso é que se apreciaram os efeitos. Que ultrapassaram bastante ao do tema de um casamento não aceite pela noiva. A influência foi muito mais profundo e rápida. Na época em que nos encontramos, nós que já somos vistos como velhos jarreta. Tudo muda a uma velocidade equivalente à dois novos modelos de telemóveis, que quase já não se usam para falar entre familiares e amigos. Só lhes falta, por enquanto, poder estrelar ovos sobre o seu ecrã. Por isso não me admiro do facto de que o amigo Maragato, e outros da cidadania não calé, verifiquem que ao roupa preta, as barbas cerradas e os chapéus de vampiro, estão desaparecendo. Pelo que me contam os sabedores, nem os decretos dos séculos XVII a XIX conseguiram uma mudança tão notória na nossa imagem pública como a que está em andamento agora. E, sabe? Tudo isso é efeito da educação geral, da inclusão e adaptação à escola oficial. Já temos gente nas universidades, e entre eles uma percentagem notável de raparigas. Muita coisa está a mudar, também entre os calés.

- Não sei se lhe vou dar os parabéns ou os “sentimentos”, mas, de facto, não é só no seio da sociedade dos paios que as mudanças ocorrem. Imaginamos que tendemos a igualar. Mas com a minha idade desconfio que esta igualdade será, como sempre foi, parecida a dos dedos das mãos, são igualmente nomeados como dedos, mas se existe um grupo de quatro mais parecidos entre si, apesar de terem tamanhos diferentes, o quinto dedo, o oposto, é notavelmente diferente. Vistos os homens, e mulheres, em grupo, mantemos em acordo com aquela máxima que alerta: Todos somos iguais, mas uns mais iguais do que outros.
E agora lhe queria dar a palavra para que me esclarecesse o porquê o Ortega sentia que queria falar comigo.

- A sua gentileza em me dar uma entrada de tipo pessoal ao meu discurso foi bem recebida por mim. E até me está a causar um certo retraimento em relação ao assunto que me mantinha em alerta.

Não é credível que nenhum dos que se viram mais ou menos afectados com aquela inesperada “partida” que lhe fizeram, usando os seus terrenos como se fosse um vazadouro clandestino de cadáveres não propriamente mortos mas sim matados.

Alguns dos meus companheiros que colaboraram na vigilância daquela sede da maldade e da sem vergonha, ainda mantiveram o hábito, mesmo que esporádico, de irem dar uma volta por aquela zona, e espreitar o que estava acontecendo depois de uns meses de aparente abandono. E do que viram, perguntaram e ouviram se fez uma nova visão de renascença para aquele casarão. Até agora não consegui organizar de uma forma evidente as diferentes observações que me foram apresentadas. Mas conhecendo como as pessoas são e como se comportam, especialmente sobre o pouco que se muda quando se apanha um vício, não me induz a que se possa antever nada de bom, e muito menos limpo, da evolução que ali se está a preparar.

Primeiro pensei que não era plausível que no futuro se avançasse com as mesmas, ou parecidas, actividades que levaram ao seu encerramento. Tentei imaginar que tivesse sido comprada, a propriedade, por alguma igreja baptista, onde muitos ciganos estão inclusos como fiéis. Sebe que nós, os desta etnia, apesar de pragmáticos e pouco patriotas, ou ligados à sociedade onde nos radicamos, sentimos a necessidade de nos apoiar num credo, quanto mais extravagante melhor.

Mas o que me contaram da divisão do edifício em três blocos totalmente independentes. Sendo um deles o das caves, ou subterrâneo, embora que muito modificado e com pé direito normal e fachada aberta nas traseiras, com instalações sanitárias e ventilação, além de alguma iluminação natural, especialmente pelas traseiras, senti que, mesmo com diferenças notórias, ali também se deveriam albergar pessoas e não somente grades de cerveja e caixas de bebidas espirituosas. Ou as agora desmanteladas salas de castigo e tortura que lhe deram fama.

Por tudo isso e desconhecendo o que virá a seguir, queria alertar o Doutor sobre a reencarnação daquele edifício, de má memória.

- Desculpe amigo Ortega. Tenho que atender uma chamada da minha mulher.

- Estou, o que me traz de novo a querida esposa Isabel?

- Pois que estive esperando que me chamasses, e nada! Já te esqueceste de que existo. E como não te localizei já estou almoçando com as duas encarregadas das lojas. E tu, por onde andas?

- E comigo sucede que encaminhei-me para Aveiro e, inesperadamente, me dei de caras com o Amigo Ortega, que está ao meu lado. Se o visses não o conhecerias. Está com outro look totalmente diferente. Só lhe falta cortar mais um bocado a cabeleira e pintar o cabelo de ruivo ou loiro. Então é que ninguém o identificaria. Até diria que está mais magro, mais elegante. Tinha vontade de o ver, especialmente para saber como evoluiu aquele casamento desfeito. E o Ortega também me disse que estava pensando em me chamar, para contar algumas bisbilhotices. Já te darei pormenores em casa.

Mas pensas continuar até Aveiro e nos encontrarmos na Veneza portuguesa, ou vais direita para o Vale?

- Quase que preferia passar o serão contigo, mas em Aveiro. Procura onde nos acoitar e depois diz-me. Eu tenho previsto estar atarefada até as 19/20 horas, de forma que tens muito tempo livre. Ah! Eu e se calhar tu tampouco, vim precavida com uma bolsa com roupa para o dia seguinte. Claro que havendo lojas abertas e cartão de débito/crédito, tudo isso se resolve facilmente. Uma beijoca, querido. JUÍZO!!
- Desculpe Ortega, mas isto de trazer uma trela, mesmo que nos aqueça os pés na cama, também traz algumas obrigações. Mas, tudo bem. Vamos ao robalo que já está a chegar! E com bom aspecto! BOM APETITE !

No próximo capítulo teremos o reencontro. Falar-se-á com os filhos do José e outras banalidade.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 95


CRÓNICAS DO VALE – Cap 95

Gostaria que este seja um dia normal

Hoje acordei apático, sem energia. Falta-me alguma coisa. Tenho que recuperar o meu anterior ritmo de vida. Estou a descurar os meus assuntos e perdendo tempo em coisas que não me podem levar a lado nenhum. Sei, reconheço, que tudo começou com a descoberta de um morto, inicialmente desconhecido, perto dos limites do terreno da Casa do Vale do Pito, quando, por minha decisão, se estava a proceder à limpeza e desmatagem do pinhal e da mata, onde proliferam diferentes espécies arbustivas e arbóreas. Adiantei-me às normas de cumprimento obrigatório. Publicadas sem se alertarem nem precaverem acerca do que fazer quando se verificasse que estas ordens, para muitos proprietários, normalmente descapitalizados, sem equipamentos adequados, e nem força física disponíveis, seriam de difícil ou mesmo impossível cumprimento.

Já estamos habituados a que -agora numa fingida democracia, mas tão musculada como na ditadura-, se aplica o receituário: Quem manda, manda, e depois logo se verá. Mas, como dizia um meu amigo, já falecido, numa frase que mantinha na ponta da língua: Esta lebre já está corrida! O que equivale a dizer que não se pensa mais nisso, pois não tardará em que soltem outra atoarda. E, entretanto, aplica-se a receita antiga: Entre mortos e feridos, algum escapará. Normalmente são mais os que escapam, por entre os pingos da chuva, como diz a malta, do que os mortos e feridos de gravidade.

Recuando umas horas. Poucas. Acordei mais tarde do que o habitual. A Isabel já estava pronta e a sair do quarto, mas viu-me com os olhos abertos e disse, peremptoriamente, ou seja sem dar azo a um contraditório ou alguma variante.

- Tal como falamos ontem, depois de jantar, hoje tenho que dedicar o dia, sem falta, a tratar dos meus negócios, e se calhar prolongarei amanhã. Quero ter o dia livre, mas nada será segredo. Se à hora de almoço eu não me tiver comprometido com alguma chefe de loja, que é muito provável, ligarei para combinar almoçarmos os dois. Mas não apostes nisso. Faz de contra que tens uns dias de férias quanto a casamento. Mas espero que tenhas algum juízo! Não todo, por saber que te é difícil. Quase impossível em ti.

Mas procura agir com tacto e medida, tanto na política como na questão de mulheres. Sei que ainda ter sentes com muito sangue na guelra, um galote, mas se olhares para o teu Cartão de Cidadão e leres a data do teu nascimento, podes imaginar o modo como as tuas pretensas conquistas te calibram. Deve ser bastante triste, desmoralizador mesmo, descobrir que se é o cabrito, ou a balzaquiana, a esmifrar.

Já te darei notícias. E tu telefona de vez em quando, sem medo de estares a interromper. Quero ouvir a tua voz sem ser eu a ligar. Percebes, Zé Maragato?
.....
Depois de uma tirada destas, “sem respirar”, sem me deixar uma dica onde me pendurar, saiu pela porta fora, e eu fiquei “sozinho e abandonado”, como um “orfe” de pai e mãe! E mesmo depois do banho matinal, do rapar a barba, escolher a roupa, vestir-me e descer para o mata-bicho, não estava melhor. Comendo qualquer coisa, mesmo sem grande apetite -pois habituei-me a estar sempre acompanhado. Vou tentar organizar o meu dia “livre”.

Prontos”!! meto-me no carro e vou para Aveiro, sem procurar a Isabel e desviar-me dos seus estabelecimentos de “embelezamento”.
..

Mas aquele turista não será o Ortega, mascarado? O Carnaval já passou, assim como também passou a época das máscaras processionais. Vou dar uma apitadela para que este desconhecido se vire. E é mesmo o Rafael Ortega!

- Senhor Ortega!!. Quem o vê e quem o viu não o reconheceria. Eu, pelo menos, fiquei indeciso por lhe faltar o chapéu preto ou o Panamá de palha de verão, mas o andar em camisa, e colorida, com calças de linho brancas, calçado com sandálias modernas... todo este conjunto é um visual totalmente novo, pelo menos para mim. Está muito apressado ou pode subir no meu carro e irmos para um local sossegado onde poder dar à língua e depois, ali ou noutro sitio que me recomende, poder convidar este Amigo para um almoço tranquilo?
- Com certeza, Doutor Maragato, terei sempre tempo, curto ou longo consoante as coisas evoluírem na conversa, para estar consigo. Pode não acreditar, mas neste mesmo instante estava pensando em si. E não sei dizer porque razão, estava preocupado com o Amigo. Deve ser aquilo que dizem de transmissão de pensamento. Siga em frente, em direcção à ria e já lhe irei dando orientação para onde nos sentar. Possivelmente já lá teremos estado meses atrás, se não foi bem mais de um ano. Pois o tempo corre como um foguete dos busca-pés.

Pois. De facto, como diz e usando as palavras das minhas filhas, netas, sobrinhas e afilhadas, que constituem um regimento de comandos muito aguerrido, fui forçado a me modernizar. Elas decidiram, sem possibilidade de as demover, de se vestir e comportar exactamente como as suas, delas, colegas e amigas não ciganas. E em seguimento, rejeitaram que as suas famílias, ou seja nós os velhos caretas, continuássemos a vestir de preto, e as mulheres de idade, algumas mesmo jovens de facto mas lutuosas, largarem as saias compridas, as cores escuras, que as envergonham.

Chegamos e aqui tem um bom lugar à sombra para deixar o carro.


No próximo capítulo, se estivermos vivos, é possível que o Ortega nos diga das suas preocupações.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 94

Cautela e caldos de galinha velha, nunca são demais


Amigo e Doutor Cardoso. Vou lhe pedir que me oiça com atenção profissional -da sua parte evidentemente- pois que eu não tenho uma profissão bem definida. Isto de ser “empresário” serve tanto para um amolador de carrinho e gaita de pífaro como para o Administrador Delegado da PT, ou da EP, por exemplo.

O que quero dizer, com muita sinceridade e interesse, é que entendo ser aconselhável, ou pelo menos prudente, nos deixar de inventos e especulações mais ou menos gratuitas, ou mesmo pouco fundamentadas, sobre o futuro que os actuais donos podem ter previsto para aquele casarão. Por enquanto estão no segredo dos negócios “internacionais”, sejam redes bancárias ou de actividades ilícitas, sempre activas. Tanto faz.

Acontece que aquilo que mais recentemente me foi dado saber -e não é muito- me orienta no sentido de que é provável que ali venham a situasse negócios que estejam fora dos limites das leis vigentes, tanto nacionais como internacionais. E que, continuando a especular, a disposição dos espaços que me relataram dá ideia de que seja plausível a montagem, naquele casarão, da sede ou núcleo de uma rede de prostituição em vários níveis, desde as acompanhantes de luxo -muitas vezes alunas de cursos superiores- até o mais baixo patamar das mulheres traficadas para se prostituírem.

Dizem que é um negócio habitualmente paralelo com o da droga e até o jogo. E isto porque só assim se explica a divisão da propriedade imóvel, em três unidades independentes, com entradas diferentes, balcões de recepção e serviços complementares.

Como lhe disse, eu já fui cliente, e mais do que uma vez, de serviços de organizações deste género. Pelo menos das duas parcelas superiores. E não quero ver-me em riscos de me encontrar ligado, mesmo que tangencialmente, a este assunto.

Posso estar redondamente enganado, e ter interpretado mal as dicas que fui sabendo pelo pessoal que lá trabalha, mas o que dizem que se está a instalar é uma versão mais reservada e sofisticada do que as bacanais multitudinárias onde, segundo se apurou, valia tudo e mais alguma coisa. Do género de meia bola e força e nada de fé em Deus.

Daquilo que me cheira penso que, na PJ. já podem começar, ou continuar, com um arquivo especial para este edifício e o seu futuro quase que imediato. E não só na Judiciária Nacional, mas na Europol e Interpol. E eu não existo! Ou melhor, gostaria e gosto de pensar em poder continuar a ter uma amizade estritamente pessoal; longe do que pode vir a acontecer naquela obra de modernização.

Até poderia bem acontecer que a nossa primeira versão de por ali instalarem uma central, até internacional, de oferecer -a quem pagasse bem para isso- um entreposto para viagem indolor para o outro mundo, seja, de facto o que se prepara. Mas o terem três zonas isoladas entre si, como as classes de turistas num cruzeiro, seria uma novidade que desconheço.

Seja como for que as coisas avancem, estou convencido que de ali há marosca grossa, pois que o local não parece ser o mais indicado para umas férias de repouso “normais” e, além disso, se o núcleo duro de investidores se mantiver coeso -coisa que ainda não sei se foi verificado, porque desconheço- a experiência me diz que quando se provou uma droga, neste caso um negócio de sexo duro, é muito difícil, até quase impossível, escapar dele para todo o sempre.

Tenho que reconhecer que sou curioso e que os acontecimentos anteriores me deixaram não só com a mosca atrás da orelha como com uma atenção excessivamente aguda. Daí que as minhas tentativas de coscuvilhice se mantenham activas, e que, caso venha a saber de algum pormenor que julgue possa ser do seu interesse profissional, digamos concretamente, da PJ, lho transmitirei, sem pedir um retorno, que entendo deve ficar muito reservado. Mas tudo isso em estrito nível pessoal, humano, e não profissional, a bem de ambos.

Ah! E, por uma questão de cautela, muita cautela, da minha parte quero manter a Isabel totalmente fora da carroça. Entre o casal procurarei que nunca seja referida aquela fase de nervosismo que nos veio enviada desde o casarão. O Cardoso não leve a mal a minha “fuga”, que não é tanto assim, pois que já lhe manifestei que tentarei saber novos factos através dos meus contactos.

Nem que seja procurando coincidir, “por casualidade” com o Ortega, Rei dos Ciganos de Aveiro, que admito ficou satisfeito com a nossa pequena ajuda, ou mais correctamente pelo conselho gratuito. Mas, caso fale com ele, terei muito cuidado em não abrir o jogo do meu lado. É um assunto, se for como imagino, potencialmente muito perigoso, e os mortos de então seriam coisa insignificante perante o perigo de entrar nas redes internacionais de tráfego de pessoas, que admito já devem estar actuando em Portugal.

O amigo Doutor Cardoso ficou muito aborrecido com este meu discurso, tão pessimista?Pelo contrário, Amigo Maragato. Continuo a o qualificar como sendo um indivíduo sumamente observador e sensato. Os seus receios de que a nossa amizade, se ultrapassar os limites do convívio estritamente social, pelo menos na aparência, me possa prejudicar profissionalmente, só me confirma o como avaliei a sua personalidade a partir do nosso primeiro encontro.

Mais lhe digo. Agradeço, sinceramente, que a proposta de reserva atenta, que me fez agora, tenha sido de sua iniciativa, pois a documentação que no meu serviço se foi juntando nos derradeiros dias, leva o carimbo de CONFIDENCIAL. E o Amigo José adiantou-se ao que eu sentia ser obrigatório fazer: fechar as portas de comunicação mais passíveis de serem vigiadas. Sei que já imagina que neste campo não há ninguém, a partir do porteiro que faz a triagem dos visitantes, que seja imune a ser controlado. E quanto mais se sobe mais vigiado se está.

Um grande abraço, com a amizade que merece, e ficamos neste pé. Pelo menos enquanto não sentirmos cãibras.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE – Cap 93



Enquanto não chega a convocatória

Estou num momento de sossego. A Isabel foi para a Vila e “aodespois” para Aveiro, a fim de actualizar os seus negócios, pois com a inesperada vocação -mais sonhada do que existente- para andar com avental, luvas de jardinagem, e brincar com flores, mais couves, pés de tomateiro, pimento, malagueta “salerosa”, beringelas e outras verduras, umas mais coloridas do que outras, que qualquer Pingo Amargo tem nas suas prateleiras, e quem faz referência a esta rede de lojas não quer dizer que a veja como destacável, ou melhor do que qualquer outra. Pois bem, eu estou aqui sentado num cómodo cadeirão, quase a dormir, e pensando na morte da bezerra, que é um tema bem histórico e actual para muitos dos meus compatriotas.

E já agora. Como falo uma porção de línguas, sem contar a de vaca, que gosto dela estufada, nem a de gato, que por vezes molho no café da manhã, antes mata-bicho, acontece que, sem ser por vontade definida, ou seja de propósito, verifico que a minha cachola está imersa noutra língua, que não a do Camões e da Augustina recentemente falecida e que, a meu ver, embora reconheça que ninguém se interessa pela minha opinião, devia ter sido enviada, por correio azul, para junto “del Marocas”, por ser uma personalidade de muito destaque no meio da mediocridade e desprezo nacional. O menosprezo que esta interessante senhora gerou -enquanto viveu- foi consequência das invejas que se tornaram venenosas em muitas mentes insignificantes.

Depois desta tirada social no campo das loas, agradeço os aplausos e as mostras de agradecimento dos familiares desta Dama. Bem hajam.

Pois como tinha no pensamento, antes de descarrilar, coisa que “nunca me acontece”, tinha dado por mim a pensar em castelhano, ou espanhol se preferirem adoptar a terminologia dos dominantes do outro lado da fronteira (espero que o bom Deus, que não o mau! os mantenha longe de casa) E já sabem que no clã dos Maragato a língua materna, e até a paterna, foi sempre o espanhol, mesmo que com o tempo de degradasse para o tal portunhol.

E o que me tinha vindo à miolada? Sim, porque nesta altura já devem estar ansiosos por saber das minhas interioridades de dentro. Pois tudo estava circunscrito numa frase espanhola ligada ao tema das obras em curso na mansão dos crimes, que parece criada expressamente para a situação que sugere estar por trás das obras. Diz assim La jodienda no tiene enmienda. Admito que não é necessário tentar uma tradução (1), basta recordar a fábula da serpente e Eva, mais a maçã da sabedoria, e as consequências imediatas que ocasionou. Só direi que entraram numa de fornicação obcecada e que, estupidamente, se envergonhavam desta ânsia, que mais tarde partilharam com as conjunções copulativas. Não só contribuíram, incessantemente, para aumentar a população do Paraíso e arredores, como foram o rastilho para o surgir da moda, dos vestidos, da alta costura e da baixa cultura, mas não da baixa pombalina, que careceu da ajuda do terramoto+maremoto (agora tsunami) e do Sebastião e Melo, mais o Carlos Mardel para se concretizar.
...

Quando o telefone toca

Estou! Quem fala?
Ou ninguém quer falar? Esta linha de vez em quando não responde. Deve estar sob vigilância, por indecente e má figura.

  • Nada disso, amigo Maragato, foi um toque de botões sem intenção.E agora ouve bem?
Optimamente, e sem necessitar de amplificador. Podemos dizer que foi um falso alarme. E então, o Doutor está disponível, onde, quando e como -estive aguardando a oportunidade de fazer esta tripla pergunta, mesmo que a última não encaixe perfeitamente- Mas, não ligue a estes meus dislates . Será que nos podemos encontrar?

Então fica para amanhã ao tempo do mata-bicho, no local que me indicou. E adianto que não se preocupe, ou melhor, que escusa de ficar descansado, pois se tenho indícios de que não acertamos, o que parece estar a ser preparado não é muito melhor.

Até amanhã, e de os meus cumprimentos à sua esposa Diana.


(1) Posso sugerir: O foder não tem nada que saber

quarta-feira, 5 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 92




Toxim !?

- Dr. Cardoso? Sou o José Maragato. Não carrapato!, Maragato! As carrapatas são o mesmo que as carraças: um sinónimo. E o facto de que a Isabel me diga que sou uma carraça, porque quando me agarro a alguém só largo após medidas drásticas não me obriga a aceitar esta feia calúnia. E a segunda pergunta, é se o momento é adequado, ou prefere mais tarde? É que, se recorda, eu prometi que hoje entraria em contacto consigo para relatar se soubera de algum pormenor concreto. E sabe, como que as promessas são de vidro, e é por isso mesmo que tantas são quebradas... temos que as atender com cuidado.

  • Eu fiquei desorientado quando ouvi a sua entrada em linha. Parecia a personagem de um falso pastor a falar por um telelé, num anúncio já antigo e gasto. Depois entendi que estava bem disposto, se bem que não pude averiguar qual ou quais os motivos que o induziram a descontrair. Respondendo à sua pergunta. Neste momento estou envolvido numa série de assuntos que carecem da minha atenção plena. “Portantos”, -entrando levemente na sua brincadeira- proponho que seja preferível conversar depois das dez da noite, com calma e sossego. Tá-bein?
  • Ouvido e entendido. Corto!
....

já depois de cear.

- Zé deixa-me ser eu a ligar, porque quero ter uma fala com a Diana, com quem fiquei em lhe descrever como correu a reunião com os meus assessores na estufatite.

Diana? Ainda bem que foi a amiga que atendeu, pois se tivesse entrado o José, nem no dia do São João Nepomuceno poderíamos ter o aparelho disponível. Como vai? Animada espero eu. Queria dar uma breve notícia acerca da reunião de fecho, total ou parcial, da colaboração destes profissionais. Eu é que tive o principal papel. O marido Maragato esteve presente, mas ficou sempre atento, com os olhos muito abertos como uma coruja, mas sem largar um pio. A não ser quando dos apertos de mão à porta de saída.

São dois jovens educados e eu expus a convicção de os ter induzido a um projecto que excedia a possível realidade. E era a pura, purinha, purreira, verdade!

Saíram sorridentes, mas com as caras um pouco caídas, por se encontrar num desaire. Mas aceitaram as minhas justificações e, de facto, não tenho motivos de queixa deste duo em início de carreira. Mesmo assim ficamos em que me ajudariam a seleccionar os materiais já adquiridos ou encomendados e adaptar o que for mais correcto à minha actual vontade, mas que até ontem,  era excessivamente indefinida. Para a semana virão com algumas contas e já refeitos da banhada. Assim espero. E quanto a si? Os seus pimpolhos estavam bem dispostos? Portaram-se bem em casa dos avós?

Falei só com a minha mãe, a avó portanto, pois o meu pai teve que comparecer a uma reunião do claustro da faculdade, onde é lente desde quase duas décadas. Já vai para decano! Mas os nossos descendentes são muito “concertadinhos” como dizem na terra da minha mãe. E ela tem-lhes um amor de Perdigão Queiroga. Só lhes dá mimo atrás de mimo e eles, como a Isabel pode imaginar, fazem dela o que querem. Mas ainda não partiram vidros nem jarrões, que eu saiba... pelo menos nenhum acusou o outro. São uma dupla de romance juvenil.

Tenho que largar o aparelho, pois o Sílvio já está nervoso esperando entrar. Até salta sobre um pé e no outro. Já lhe indiquei que devia ir fazer um xixi. Nestas coisas os homens não tem emenda. E depois criticam-nos por irmos aos pares, se não em trios, para a casa de banho que nos é reservada!

- Maragato? E depois queixam-se de que lhes atribuímos a má fama de serem muito faladoras. Desmerecida? Então conseguiu saber algumas coisas que nos coloquem os pesadelos na real? Do meu lado quase nada. Nem sequer da Sé tive resposta ao meu pedido. Disseram que o Sr. Bispo está muito ocupado com uma reunião de emergência, em Fátima, condicionada por uma carta vinda de Roma, mais concretamente escrita pelo Papa Francisco. Pelo que não me disseram, mas insinuaram, ali se espera que se verifique uma refrega de antologia, entre os progressistas e os mais irredutíveis conservadores. Para já estes jogam no seu campo. Daí que se erguesse um silêncio sepulcral nos contactos com os fiéis, especialmente os não comprometidos. Suponho que jesuítas e franciscanos vigiam de perto aos do OPUS DEI.

E o Amigo conseguiu abrir brecha na muralha de silêncio?

Sim e não. Mas o suficiente para meter o nariz e ligar dicas de uns e outros, pois já sabe que as opiniões de terceiros -tal como nós construímos a nossa- tendem a magnificar o que sabem. Temos que juntar as metades de cada um e ver como se encaixam. E a conclusão, que não posso garantir estar certa, daquilo que me contaram é que se não acertamos na mosca, pelo menos os nossos tiros entraram no alvo. Ao lado, mas perto. Mas Cardoso, nos falta conhecer muitos capítulos. Para já o pessoal que está na obra, e são algumas dezenas, de várias especialidades, e cada um só pode ver um interlocutor, tem um horizonte propositadamente reduzido. A empreitada está dada a uma empresa de consultoria que deve ser tão fantasma, ou indefinida, como muitas das que existem no papel. Alguns conseguiram ver visitas de “patrões” mas não de fiscais. Mas estes quase extraterrestres nunca dirigiram palavra directamente a operários ou chefes de equipa. É assim que funciona.

Mesmo assim, como eu já tinha um relacionamento anterior com algum do pessoal intermédio, parece que o interior do edifício está a ser totalmente remodelado; sem quase se aproveitar nada do anteriormente existente. Pela descrição que me foi dada, se bem que não pude consultar plantas nem alçados, aquilo se pretende que funcione como duas unidades bem diferenciadas e sem corredores ou portas de ligação. Tal como acontece nos navios de cruzeiro, onde o mundo do pessoal é muito diferente daquilo que vão ver e usar os passageiros.

Por eu ter andado por aí e entrado em muitos lugares pouco recomendados, pelo menos para casais legalmente estabelecidos, fiz uma ideia do que se está a preparar. Mas, cautela! Não aposto desta vez. Na semana passada foi pura invenção, baseados na experiência concreta dos acontecimentos de que, indirectamente fui vítima no Vale. Levei com um murro nos queixos,  por sorte figuradamente, que me custou muito a suportar. E que ainda surge nos meus sonhos, ou melhor dizendo, pesadelos.

- Oh José! Diga-me mais alguma coisa. Pois fico com a impressão de que está a fazer caixinha. Que guarda o melhor para si. E isto não está certo! Será que lhe tenho que mandar uma contra-fé para que apresente na judiciária a fim de prestar declarações? Ah Ah Ah! 

-Tenha paciência e espere a que possamos falar sossegadamente e sem testemunhas, nomeadamente das esposas, porque aquilo que me parece estar por trás da obra, coincide com o espírito sexual da fase anterior. Mas desta feita modulado mais discretamente, e em conformidade com os hábitos já criados na nossa sociedade, que com o accesso aos conteúdos da internet já sabe coisas de mais, e querem experimentar aquilo que nas suas casas não se atrevem a ter. Os homens, já deve saber, desconhecem muito do que se bule nas cabeças das suas esposas. Em geral sabem muito mais, mas mesmo muito mais, do que aquilo que os seus pretensos malandrecos de maridos imaginam.

Por vezes, mas raramente para meu gosto e curiosidade, a Isabel conta algumas das conversas hiper-picantes que se ouvem nos seus salões. Felizmente a maior parte das esposas mantém estas aventuras ao nível de fantasia mental; Mas, de vez em quando, alguma salta para fora da carroça e o caldo entorna-se. O melhor que um marido pode fazer é manter estes temas bastante longe; só no nível da insinuação, sem confirmar. Vade retro, Satanás.

Quando souber da possibilidade de nos encontrar, mesmo que sem ser em refeição, ou sim, dé uma apitadela, e lá nos juntaremos.