terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

MACHO OU FÊMEA



Desde muito novo, ainda criança, tenho bastante dificuldade em determinar o sexo de alguns animais, pois que nem sempre os sinais externos da sua anatomia que indicam o seu sexo estão evidentes, ou dão sinais evidentes através da pele, tamanho e outros pormenores. Penso que não serei único com esta indecisão, e mais se inquirir-mos entre os citadinos.

Recordo uma história que contava um escritor, ganhador do Nobel de literatura, e que era sumamente desrespeitador das normas sociais tanto no seu comportamento, como em todas as facetas possíveis, desde a fala, passando pela a escrita, a política e tudo aquilo que lhe permitisse chocar os seus seguidores. Esta sua característica ajudou a sua promoção, sem que retirasse mérito às suas qualidades de prosador.

Contava ele, como sendo um facto vivido mas que pode ser tão só fruto da sua imaginação, que estando numa sala com o seu avô, ele brincando e o avô dormitando numa agradável sesta, era interrompido sem descanso pelas moscas, muito interessadas em poisar sobre a careca, cara, mãos e braços de quem desejava dormir sem ser molestado. Até que o avô teve uma ideia, digamos que brilhante:

Enrolou o jornal que ainda repousava no seu regaço dando-lhe a forma habitual, quando não há um aparelho próprio, para matar os dípteros. Chamou a criança e lhe disse: a partir deste momento ficas nomeado o caçador de moscas, e terás um prêmio ou remuneração em proporção com a tua capacidade nesta caça. Por cada mosca que me apresentes vou dar-te um tostão.

Quando o avô acordou, feliz por ter dormido uma sesta reparadora, perguntou ao infante sobre o resultado da sua tarefa, e pediu que lhe levasse os cadáveres para verificar e contar. O garoto assim fez, e o avô agarrando uma a uma, apertando o abdômen do cadáver dizia, este é mosco e eu falei em moscas. Este também é mosco, e este outro. E assim todos.

  • Como sabe o avô se são moscas ou moscos?
  • Fácil, quando apertares a barriga do insecto aparece o pirilau, e só os machos tem este pedúnculo. Está entendido?
    O miúdo ficou pasmado e sentiu-se enganado, enquanto o avô ria a bandeiras desfraldadas. Mas contou todos os cadáveres, sem atender ao pretendido sexo, e retribuiu como estava no “contrato”, verbal, mas merecedor de ser cumprido.

A história serve de prólogo ao que me aconteceu num mercado aberto num terreno no baixo Atlas, em Marrocos, nos arredores de Marraquexe, na zona das kasbahs. Estes edifícios, amuralhados e com alturas imponentes no meio de um desert, são dezenas, quase centenas. E não eram só fortalezas mas principalmente armazéns privados de cereais como aqueles silos da EPAC entre nós, e que hoje estão practicamente abandonados.

Circulando tranquilamente pelo tal mercado e sem receio algum, dado o comportamento afável dos naturais, encontrei um rapaz que tinha uma porção de tartarugas do deserto numa caixa. Agachei-me para as ver e agarrar, depois que ele consentiu. E perguntei se podia comprar uma tartaruga macho e outra fêmea, ou seja um casal. Sorriu discretamente como que descnfiando da minha capacidade, e desafiou.me a escolher, à minha vontade, convencido de que só ele sabia distinguir.

Agarrei em várias e vi se tinham as carapaças em bom estado e se estavam vivas. Separei o casal eleito, e o vendedor, depois de as agarrar e fingir que lhes tomava o peso e daí o seu valor, perguntou como é que eu sabia se eram macho ou fêmea. Fácil, tal como tu, da mesma maneira. E como é? Sabes que o macho tem a carapaça ventral côncava e a fêmea convexa. E sabes porque é isso? Então é que ele deu umas boas gargalhadas e insistiu em me apertar calorosamente as duas mãos.

Fizemos negócio, e levei os animais comigo, até Portugal, Era uma época em que as bagagens não eram passadas pelos raios X nos aeroportos e as regras de protecção da natureza eram menos conhecidas e difundidas, além de pouco rígidas para os cidadãos. Hoje podem estragar a natureza e o ambiente as grandes empresas, enquanto que aos cidadãos normais lhes pode cair o peso da lei caso se descuidarem.


Por certo, os dois quelónios marroquinos deram-se bem. Fornicaram como desalmados no seu canto preferido do jardim. Mas faziam uma barulheira escandalosa com o bater das carapaças. Parecia o andar de socas, de sola de madeira, num chão de pedra. E a fêmea, que batizei de Fátima por ser um nome tradicional entre os muçulmanos, pôs dois ovos, que nunca chegaram a eclodir. O macho teve o nome de Hassam, em homenagem ao seu rei.

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