sábado, 4 de fevereiro de 2017

DIÁLOGOS 3



. Então, como vais?

. Sem intenção de contrariar, não vou. Fico, como uma lapa.

. Uma chapada? Ou uma galheta?

. Atendendo a um dos significados podemos entender que somos parceiros inseparáveis, como a garrafinha do azeite e a do vinagre.

. É uma possibilidade. Porém tenho a ideia de que estes dois líquidos, apesar de andarem da braço dado, são incompatíveis.

. Incompatível é lucrar, por baixo da mesa, com negócios privados quando a decisão de fazer despesas com fundos privados ou públicos dependem da sua idoneidade moral, mais ilusória do que real.

. Não me venhas com moralidades, estando como estamos nos mínimos no que se refere a honestidade.

. Estes valores difíceis de mensurar, mas que sentimos que podem afectar, perniciosamente, as nossas vidas, mesmo no âmbito geral, já estão tão maculados no quotidiano que não nos causam o impacto que mereciam. Aceitamos toda a sem-vergonha como masoquistas sociais irrecuperáveis. Nem sequer lhes damos importância.

. É precisamente esta apatia geral que fornece a impunidade que, nos momentos de lucidez ou de paroxismo nos leva a praguejar.

. Aceito que estás certo. Totalmente. Mas existe um pequeno pormenor que anula esta vontade indómita de arranjar tudo, possivelmente a mal, pois que a bem nada se consegue.

. Entendi. Referes-te a que este momento de revolta imensa passa mais depressa do que a chama de um fósforo.

. E tudo volta a estar na mesma Como a lesma.

. Precisamente uma noite destas meditava sobre lesmas e caracóis.

. Não me digas que encaras estas duas espécies de gastrópodes com a visão simplista de que são a mesma coisa. Só que um deles saiu da casca e o outro ainda consegue fechar-se na sua casinha.

. Por acaso vi, algures, referências às antigas casinhas que, poucas décadas atrás, permitiam que o “caracol” se fechasse lá dentro a fim de verter águas ou largar o calhau.

. Só os mais velhos recordam esta experiência. Alguém, já falecido, me contava que num destes lugares de recolhimento activo, tinha tido a ocasião de saber factos que ignorava.

. Como assim? Não creio que aquelas guaritas, acanhadas e pouco arejadas, eram fontes de saber, Uma coisa parecida a algumas das Universidades Privadas que por aí proliferaram.

. Sim e não. O conhecimento que lá se podia adquirir era muito mais normal e evidente se tentares situar-te no ambiente, fedorento como um gato, que lá podia encontrar o esforçado estudioso.

. A minha idade não me fornece a necessária experiência para acompanhar o teu enevoado discurso. Explica-te, se não te causa um excessivo esforço.

. Simples e imediato. Habitualmente no interior da cabine das necessidades havia, cravados num prego, pedaços de jornal, bem cortados e com dimensão practicamente homogénea. Era nos momentos de esforços, ou relaxamento se o fedor não incomodasse, que se podiam encontrar partes de notícias que, mesmo com a censura que existia na época, davam pistas para ler nas entrelinhas,

. Entendi. Fica uma dúvida: se as folhas de jornal já vinham cortadas aos quadrados, mais ou menos certos, é possível que o texto que tanto interessava ao leitor secretário, pois que estava sentado na secreta, ficasse interrompido na altura mais dramática. Era assim?

. Era mesmo como dizes. Em vernáculo e em conformidade com o local, estas interrupções dos textos eram uma verdadeira merda. Apesar disso, incitava o interessado a procurar informações complementares, perguntando aqui e ali, sempre com cuidado para não levantar a lebre dado que existiam ouvidos bufos, que eram os machos das bufas. E, graças ao treino que estes interessados tinham adquirido, ficavam a saber bastante mais do que estava escarrapachado no jornal.

. O seja, naquele então o jornal era utilitário em diferentes aspectos, E a sua função social terminava colaborando na limpeza do final do aparelho digestivo.


. Mesmo que não queiras admitir, ao longo destas conversas disparatadas acabas por aprender alguma coisa.

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