sábado, 18 de fevereiro de 2017

METER-SE EM APERTOS



Existe uma diferença abissal entre as duas opções possíveis, entre outras mais que se podem tomar perante temas que nos incomoden. Uma corresponde ao comportamento, que imitando o involuntário autismo, é a de assobiar para o lado, ou seja de um alheamento voluntário a tudo o que possa levar a ficar enlameado. A outra opção, diametralmente oposta, é a de, instintivamente, meter-se em temas que não lhe interessam, ou além de que não lhe deviam interessar estão inquinados pela simples razão de que aquela lama onde vai meter o nariz está recheada não só de porcaria fedorenta, mas também de agentes patogénicos pouco saudáveis.

Dando crédito ao nosso rifoneiro encontro um que se adapta muito bem ao que escrevi no parágrafo anterior. Diz assim: Meter-se em camisa de onze varas. A interpretação literal, que nos leva a recuar para épocas pretéritas, nos diz que corresponde à acção de um clérigo que decidiu adoptar como se fosse filho próprio (em geral era mesmo, mas por vias travessas, por assim dizer) um neófito qualificado como sendo de “pai incógnito”. O clérigo pretendia deixar os bens que fora acumulando ao longo da sua vida de árduo trabalho (?), a alguém que passaria a ser aceite como se, de facto tivesse o seu sangue (?) e por consequência ser seu legítimo herdeiro.

Então, seguindo os costumes, o dito clérigo vestia uma sotaina muito largueirona e agarrava a criança por uma das mãos e. a conduzia, sob a capa da tal camisa de onze varas, até a abertura da gola. Com a outra mão sacava a criança e este gesto corresponde a uma metáfora de parto, de uma gestação impossível mas aceite pelas conveniências sociais da época.

Hoje a interpretação mais actualizada é mais crua e realista. Refere que uma pessoa mete-se em assuntos ou problemas que não conhece em profundidade, além de que não são da sua competência e que não lhe proporcionarão proveito algum.

A outra situação, oposta à anterior, e pode não corresponder a uma opção pessoal, consequência de uma meditação pragmática, pode ser o reflexo de sentir pressões exteriores que o inibam de tomar atitudes, que instintivamente desejaria poder ter. A pessoa que se encontra nesta situação, que podemos qualificar de condicionamento anímico vindo do exterior, sente-se como que metido num colete de forças.

Nem que seja através de filmes devem ser bastantes aqueles que tem uma visão, mais ou menos certa, do que é um colete de forças. Mas terão visto, à frente dos seus olhos, ao vivo, como é subjugada, humilhada e manietada uma pessoa a quem lhe é colocado, este método de contenção tão violento, ou mais, do que umas algemas?

Pois eu já. Por uma sequência de circunstâncias vi-me envolvido numa triste cena familiar, com pessoas que mal conhecia, e onde a certa altura um respeitável cidadão, já com um historial de crises de depressão e alguma violência, entrou “em parafuso” e desatou a destruir mobiliário, incluídas as loiças da casa de banho, perante o olhar impávido, mas assustado e inactivo, dos familiares presentes. E do meu espanto, como “convidado”. A cena, que sentí não ser inédita, deu azo a que um dos familiares pedisse o auxílio da polícia e dos bombeiros.

Eu não via fogo por lado nenhum, mas os hábitos da população preconizam que bombeiros são úteis em qualquer situação inesperada (neste caso já era aguardada, e por isso me tinham chamado para que os visitasse, como soube mais tarde, debido a que me atribuíam a imagem de ser um “bom samaritano”). Os dois corpos de ajuda vi que estavam habituados a cenas “canalhas” daquela índole e de coisas piores.

Depressa foram buscar um colete de forças, vestiram-no ao exaltado e anunciaram que o levariam a um hospital psiquiátrico habilitado para estes casos. Mas necessitavam que um familiar os acompanhasse. Olharam uns para os outros e nenhum se prontificou. Tal como fizeram a Jesus, os dedos me apontavam unanimemente, e eu, olhando para o manietado, além de saber estar fora daquela guerra, que não tinha mesmo nada com aquele assunto, não resistí à pressão dos olhares dos polícias e bombeiros, além da imagem humilhada do “artista”. E lá fui, com a sirene gritando o seu ni-nai ni-nai.


A história continuou, mas para mim já chega.

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