Existe
uma diferença abissal entre as duas opções possíveis, entre
outras mais que se podem tomar perante temas que nos incomoden. Uma
corresponde ao comportamento, que imitando o involuntário autismo, é
a de assobiar para o lado, ou seja de um alheamento voluntário a
tudo o que possa levar a ficar enlameado. A outra opção,
diametralmente oposta, é a de, instintivamente, meter-se em temas
que não lhe interessam, ou além de que não lhe deviam interessar
estão inquinados pela simples razão de que aquela lama onde vai
meter o nariz está recheada não só de porcaria fedorenta, mas
também de agentes patogénicos pouco saudáveis.
Dando
crédito ao nosso rifoneiro encontro um que se adapta muito bem ao
que escrevi no parágrafo anterior. Diz assim: Meter-se em camisa
de onze varas. A interpretação
literal, que nos leva a recuar para épocas pretéritas, nos diz que
corresponde à acção de um clérigo que decidiu adoptar como se
fosse filho próprio (em
geral era mesmo, mas por vias travessas, por assim dizer)
um neófito qualificado como sendo de “pai incógnito”. O clérigo
pretendia deixar os bens que fora acumulando ao longo da sua vida de
árduo trabalho (?), a alguém que passaria a ser aceite como se, de
facto tivesse o seu sangue (?) e por consequência ser seu legítimo
herdeiro.
Então,
seguindo os costumes, o dito clérigo vestia uma sotaina muito
largueirona e agarrava a criança por uma das mãos e. a conduzia,
sob a capa da tal camisa de onze varas, até a abertura da gola. Com
a outra mão sacava a criança e este gesto corresponde a uma
metáfora de parto, de uma gestação impossível mas aceite pelas
conveniências sociais da época.
Hoje
a interpretação mais actualizada é mais crua e realista. Refere
que uma pessoa mete-se em assuntos ou problemas que não conhece em
profundidade, além de que não são da sua competência e que não
lhe proporcionarão proveito algum.
A
outra situação, oposta à anterior, e pode não corresponder a uma
opção pessoal, consequência de uma meditação pragmática, pode
ser o reflexo de sentir pressões exteriores que o inibam de tomar
atitudes, que instintivamente desejaria poder ter. A pessoa que se
encontra nesta situação, que podemos qualificar de condicionamento
anímico vindo do exterior, sente-se como que metido num colete
de forças.
Nem
que seja através de filmes devem ser bastantes aqueles que tem uma
visão, mais ou menos certa, do que é um colete de forças. Mas
terão visto, à frente dos seus olhos, ao vivo, como é subjugada,
humilhada e manietada uma pessoa a quem lhe é colocado, este método
de contenção tão violento, ou mais, do que umas algemas?
Pois
eu já. Por uma sequência de circunstâncias vi-me envolvido numa
triste cena familiar, com pessoas que mal conhecia, e onde a certa
altura um respeitável cidadão, já com um historial de crises de
depressão e alguma violência, entrou “em parafuso” e desatou a
destruir mobiliário, incluídas as loiças da casa de banho, perante
o olhar impávido, mas assustado e inactivo, dos familiares presentes.
E do meu espanto, como “convidado”. A cena, que sentí não ser
inédita, deu azo a que um dos familiares pedisse o auxílio da
polícia e dos bombeiros.
Eu
não via fogo por lado nenhum, mas os hábitos da população
preconizam que bombeiros são úteis em qualquer situação
inesperada (neste
caso já era aguardada, e por isso me tinham chamado para que os
visitasse, como soube mais tarde, debido a que me atribuíam a imagem
de ser um “bom samaritano”).
Os dois corpos de ajuda vi que estavam habituados a cenas “canalhas”
daquela índole e de coisas piores.
Depressa
foram buscar um colete de forças, vestiram-no ao exaltado e
anunciaram que o levariam a um hospital psiquiátrico habilitado para
estes casos. Mas necessitavam que um familiar os acompanhasse.
Olharam uns para os outros e nenhum se prontificou. Tal como fizeram
a Jesus, os dedos me apontavam unanimemente, e eu, olhando para o
manietado, além de saber estar fora daquela guerra, que não tinha
mesmo nada com aquele assunto, não resistí à pressão dos olhares
dos polícias e bombeiros, além da imagem humilhada do “artista”.
E lá fui, com a sirene gritando o seu ni-nai ni-nai.
A
história continuou, mas para mim já chega.
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