ENTENDE-SE
O QUE ACONTECE, AGORA, NAS ESPANHAS?
Penso
que, para muitos portugueses, mesmo os ilustrados, seja difícil
mergulhar na situação actual da política espanhola (leia-se de
idioma castelhano) porque, a meu
entender, seria necessário recuar mais de uma centena de anos na
história vivida além da raia de Elvas/Badajoz, e das outras
fronteiras terrestres com o território daquele (para mim)
ofensivo dos nuestros
hermanos.
Tentarei
justificar esta referência despectiva que é usada com tanta
frequência pelos escribas dos dois lados, mas com sentimento
totalmente oposto, uns com soberba e senhoria e os outros com
desprezo. Ambos estão errados.. Muito cedo, já com 12 anos,
percebi que o “azar” que qualquer português sente em relação
aos castelhanos, que eles mesmo teimam em procurar confundir com o
genérico españoles, é
de tal magnitude e presente na totalidade da população, que só um
cego, imbuído da sua espanholidade ferrenha, não captaria a primeira vez que ouvisse ou lesse -sempre entre
comas- esta declaração de
irmandade, o quão negativa é vista deste lado.
Para
tentar entender o eterno,
ou pelo menos já histórico, diferendo existente entre catalães a
“espanhois=castelhanos”
temos que recuar séculos e admitir a triste realidade de que os que
são mais quantitativamente e agressivamente são os que procuram
tirar aquilo que os perdedores consideram ser a sua individualidade.
Neste caso concreto é a sua língua e, por arrastamento, o desejo de
ser tratados de modo diferenciado, mas preferente, em relação aos
povos que os rodeiam e “invadem”. Convêm tentar a similitude
entre o sentir-se e ser português de alma e coração como um bem
comum que não se quer perder, e que também existe entre os catalães
de raiz. Que pela sua capacidade industrial e comercial destacam-se
de outras regiões peninsulares em situação económica mais débil.
A
zona de fala castelhana herdou, desde a expulsão dos muçulmanos,
uma distribuição de terras “reconquistadas” muito medieval.
Entregaram-se grandes espaços, mesmo enormes, aos chefes das forças,
practicamente mercenárias, que lutaram contra os ocupantes.
-Em muitas ocasiões tinham-se colocado, depois de ajustar o
pagamento, do lado dos “infiéis” contra as tropas do Rei; mas
isso são pequenos pormenores, com a sua importância relativa- Como
a coroa sempre, lá e cá, estava com os cofres vazios e vivendo com
empréstimos dos banqueiros judeus, para satisfazer os capitães a
coroa lhes entregava a propriedade, em regime perpétuo, dos terrenos
“recuperados”, incluindo a gleba que os devia trabalhar. Daí
surgiram os latifundiários dos dois lados da fronteira.
E
nestes latifúndios proliferaram os sem
terra, os
jornaleiros que eram seleccionados na praça da terra pelo Senhor ou
seu representante. Enquanto persistiu o Império Espanhol nas
Américas, este excedente de população, sem eira nem beira,
embarcava para o novo mundo. Mas quando terminou, com a “libertação”
de Cuba pelos amigos “desinteressados” dos Estados Unidos, o povo
mal alimentado e pobre de pedir, teve que rumar para as zonas da
península onde podia alugar os seus braços a outra espécie de
exploradores.
Dado que a
industrialização da dita Espanha foi muito lenta, comparativamente
com a Europa ocidental, as zonas onde podiam contratar gente quase todos rústicos, mas com vontade de trabalhar, viver e criar família,
estavam no Norte (Astúrias e País Vasco) e Nordeste (Catalunha).
E
aqui se inicia o filme actual:
Carecendo
de mão de obra intensiva em diversos sectores, entre eles a têxtil, mecânica, construção e obras públicas. O fluxo de migrantes internos foi
notável, já desde início do século XIX. E como inicialmente
chegaram mais homens do que mulheres, e os homens da Catalunha tinham
sofrido importante desbastes das guerras de Marrocos e Cuba, havia
excesso de mulheres. E começaram os matrimónios mitos -os
híbridos ou mestiços como agora denominam os da VOX- Esta
integração, lenta mas efectiva e tranquila, continuou até os dias
de hoje. E, curiosamente, os rapazes solteiros catalães ficaram
muito prendados pelas raparigas de raiz castelhana, andaluza,
murciana, ou estremenha, que se mostravam mais desempoeiradas e
vistosas do que as suas vizinhas. Daí que a miscigenação rumou para o outro sentido. Mas
sempre entre os de origem catalã e os outros/as.
Esta
convivência tácita, mesmo que não totalmente geral, foi
contrariada, propositadamente ou impensadamente, pelas autoridades
centralistas quando teimaram em tentar apagar a língua local (a
exemplo do que fez a monarquia francesa obrigando a uma língua
“franca” mas exclusiva, para todas as populações autóctones do
hexágono) Só
que os catalães, que nem por isso são propensos a brigas, mostraram
ter um forte apego aos seus costumes e língua, incluído o direito
civil que estava em vigor naquela área.
O
mais que as sucessivas ditaduras ou governos centrais de índole
monárquica conseguiram foi que a grande maioria
da população
da Catalunha se tornasses bi-lingue.
EXCEPTO a classe dos burgueses endinheirados, que para garantir os
clientes das zonas castelhanas, além das ex-colónias de ultramar, e
criar ou incrementar os conhecimentos e laços com os decisores de
Madrid, socializaram com todos, desde contínuos até ministros, e
optaram por se castelhanizar, inclusive no seio das suas famílias,
nas suas casas e escolas para descendentes.
Como
o ter poder económico implica ser esperto, estes
“castelhanos-novos”, tal como os judeus falsamente convertidos ao
cristianismo ou catolicismo, mantinham, por trás do pano, contacto
com os insubordinados catalanistas. Até hoje. Foram estes os
geradores de uma quinta coluna que incitou a adversão e até ódio,
dos autóctones não só para o poder central e as autoridades,
sempre mais ou menos repressivas, que levaram para esta zona, mas genericamente para todos os “castelhanos”, Ah! Excepto daqueles
seus conhecidos e já, em muitos casos, com laços de sangue. (Quem
conviveu e convive com esta situação de calma efectiva entre
co-cidadãos a qualifica, como mínimo, de curiosa e favorável)
E tão bem os burgueses manobraram e venderam o seu país natal que perduram, por trás do
pano, até hoje. São eles que colocaram o Puigdemont, Torra, e
anteriormente Pujol e Más, na Generalitat para “negociar” os
interesses da Catalunya, misturando propositadamente e com todo o
cinismo, com os seus interesses de grupo, incluídos industriais e
banqueiros.
O povo, como sempre
acontece, foi e continua a ser manipulado por quem sabe e tem os cordéis da comunicação social na mão. Antes eram os jornais e emissoras de radio,
agora são as televisões e as redes sociais, que por se mostrarem
anónimas não tira que sejam manipuladas.
E aqui deixo um
excessivamente longo relato do que acontece em Espanha. Insisto em
que é demasiado longo porque hoje ninguém está disposto a ler mais
de seis linhas de texto sobre um tema sério.
Deixo para trás a
posição ambígua dos socialistas do PSOE, que desde o pacto pós-Franco perderam o rumo histórico.