quinta-feira, 30 de agosto de 2018

MEDITAÇÕES – 16 - Jogar a feijões



Como no volei de praia

É penoso meditar sobre a situação social que existe sob o clima de perfeita normalidade que se instalou na mente das pessoas. Temos que reconhecer que a ideia de governar em cama compartilhada, numa espécie de albergue espanhol, onde, para ser correctos, o principal sócio pelo menos sob o ponto de vista histórico, insiste em permanecer fora da carroça (e faz muito bem, sob o ponto de vista meramente táctico) e o PS consegue manter-se à tona de água consentindo em algumas das exigências do seu sócio mais afoito.

Claro que só cede a uma gritaria de cada vez, e nem sempre consente em tudo o que exigem. Antes procura entregar aquilo que não temos, mas com algumas restricções. Para que não se diga que está de pernas abertas. O que é espantoso é que, como a aritmética não pode enganar-se, que contas são contas, aquilo que dá -mesmo com restricções- tem que se ir buscar a outro lado. E apesar dos aumentos de taxas e preços, mais ou menos dissimulados, o facto é que a dívida nacional continua sendo enorme. Os optimistas imaginam que chegará o dia em que os credores nos perdoarão aquilo que foi pedido emprestado. Um “sucesso” brilhante que só contecerá, se for e mesmo neste caso só parcialmente, quando aceitarmos vender mais algum dedo, pois que os anéis já se foram.

Este negrume de pensamento apareceu quando a chuva de fim de Agosto, a que estávamos habituados, não fez acto de presença. Em vez dela temos uma enorme nube negra com o estado de degradação a que chegou a estrutura da CP, tanto no material de tracção como no circulante e, ainda, em muitas linhas que tiveram promessas de recuperação ou de melhoria mas que, como era de prever dada a falta permanente de recursos na tesouraria, foram e continuar a ficar na gaveta das promessas.

Quando daqui a poucos dias terminar o pino do período de férias e as pessoas tenham que retomar os transportes, particulares e colectivos, para acudir ao seu local de trabalho e depois regressarem aos seus lares, vai ser a hecatombe do costume, mas até ampliada. Brinca-se com a realidade como se estivessemos num desafio entre amigos num volei de praia, ninguêm se aleija, e se a bola bate no chão ou sai fora, é só pontuar e seguir em frente.

Todos sabem os dois vectores que complicaram a vida dos assalariados e os empurrou para os subúrbios. Por um lado a dificuldade em conseguir uma habitação na cidade a um preço compatível com os seus ingressos, o desemprego entre os membros do aglomerado familiar e a mais recente pressão para desalojar os habitantes dos bairros populares mais centrais a fim de promover o aluguer estilo taxímetro.

Como, em vez de encarar este problema da deslocação da residência longe do local de trabalho da mesma forma como se fez nos países do centro da Europa, a rede de transportes colectivos que une os bairros periféricos às estações de caminho de ferro é insuficiênte e indutora a que o cidadão se veja empurrado a usar uma viatura própria, com um custo por hora e quilómetro muito superior ao do comboio. Sem falar na poluição gerada e nos engarrafamentos de trãnsito.

Para complicar ainda mais a situação temos um parque ferroviário degradado, em que muitas composições já ultrapassaram os tempos de uso recomendado. Os problemas que possam surgir na via férrea fatalmente se agravarão. E não se resolvem pela anulação de composições, antes pelo contrário. Toda uma situação que é consequência dos compromissos tomados pelos sucessivos governos.

Quando foi noticiado que, fossem quais fossem as razões invocadas, iriam fechar as instalações da Sorefame, tanto na Amadora como em Sines, não se atendeu ao que, fatalmente e como se está a verificar, o não ter uma base nacional para apoio dos caminhos de ferro, cumulativamente ao aplicar todos os meios económicos próprios, mais os vindos da Uniâo Europeia, à rede de auto-estradas, o cidadão ficou satisfeito com as possibiloidades de adquirir, com o recurso ao crédito, não só uma residência fora dos limites da grande urbe como também um automóvel, ou mais do que um em muitos casos, que lhe desse a ilusão de ter subido na vida.

Mais uma vez, e tal como aconteceu com os aeroportos, a electricidade, a saúde e os correios, a solução mágica que propõe os governantes, sejam eles quais forem, é a de “privatizar” a CP, e assim conseguir matar dois coelhos de uma só cajadada. Por um lado safar-se de compromissos que eles mesmo avolumaram, e por outro garantir bons lugares e algumas gratificações, que estão sempre agarradas ás privatizações, como as rêmoras que acompanham os tubarões e outros animais marítimos de porte mediano e grande. A voz da caserna, que em geral acerta, avisa de que os privados que se mostram interessados na exploração da rede ferroviária só querem ficar com as linhas que sabem podem ser rentáveis. Depois de as maquilharem e subir os preços, que deixarão de ser sociais, como acontece com os combustíveis e a electricidade.

E assim se conseguirá amainar o temporal por uns meses. À imagem do que faziam os heroicos caçadores de baleias do alto mar quando os seu barcos veleiros enfrentavam terríveis tempestades. Deitavam o óleo ao mar na tentativa de diminuir a força das vagas. As tentativas de recurso, por não ser sólidas, preparadas para durar e resolver problemas, não passam de adesivos e tintura. Não resolvem nada.

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