quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

INTERPRETAR (SILENCIO)



Aquilo que a nossa mente deduz após receber os impulsos vindos do exterior, sejam visuais, sonoros, olfactivos e outros, todos eles genericamente sensoriais, colaboram para compor uma interpretação pessoal, -excepto quando sofre uma pressão inductiva que não dependeu da sua livre iniciativa- que não se pode garantir ser imutável. A mesma pessoa e sob os mesmos impulsos pode atingir uma interpretação bem diferente, mas igualmente válida, consoante o seu estado de ânimo, a hora do dia ou da noite, e inclusive quando os factores ambientais e climatológicos são diferentes.

Daí que não nos podemos fiar excessivamente nas nossas opiniões e interpretações. Estão muito longe de serem inabaláveis. E tampouco podemos esperar que exista uma unanimidade nos pareceres que outros manifestem, sobre qualquer tema. Quando um assunto é potencialmente controverso mas nos aparece com comentários muito semelhantes, sem divergências bem argumentadas é pertinente desconfiar de tanta fartura.

Um caso que me alertou sobre a falta de isenção, ou pior, da pressão para aderir aos preceitos do política e socialmente correcto foi a visão do recente filme

SILÊNCIO

Lendo as críticas e comentários, que suponho terem sido escritos por pessoas que viram o filme em questão, senti que todos eles estavam pré-dispostos a ver aquilo que desejavam ver, deixando de lado as pistas bem evidentes que o escritor deixou no seu livro, e que no filme são apresentadas por boca do Inquisidor e do seu ajudante.

A meu ver, o filme, admitindo que segue as ideias da obra literária de um autor japonês, identificado, mostra uma situação social nitidamente ligada à política interna daquele Japão em início de abertura ao ocidente.

O que se denuncia, com veemência, é o temor e a reacção brutal que se gerou quando viram a sua estabilidade feudal ser minada por uns estrangeiros. Por muito que pese aos simples crente cá do sítio, a temática religiosa é secundária, como bem diz o Inquisidor em diversas ocasiões. A religião de estado era mais filosófica e contemplativa do que programática.

Para entender o filme temos que tentar captar a sociedade nipónica que uns forasteiros pretendiam alterar, mudar, com efeitos indesejados pela autoridade vigente. Os representantes do poder viam, e com muita razão, que aqueles missionários eram a testa de ponte dos interesses europeus.A personagem do Inquisidor inclusive os identifica como sendo o que mais tarde se denominou como quinta coluna das potências interessadas: Portugal, Espanha, França e Países baixos. Uns missionários beneméritos portadores de uma fé divina que, subtilmente e sem querer (?) de facto colaboravam no abrir dos portos japoneses para que os seus conterrâneos pudessem tirar proveito comercial, bem mais terreno do que espiritual..

Eles, os chefes do Japão, preferiam manter-se isolados e, tal como sempre se fez no ocidente com as camadas mais inferiores dos seus respectivos países, ter os seus súbditos sossegados, pobres e bem carregados com impostos. Impostos que só serviam para manter a estrutura do poder. Os representantes do poder viram, com o natural alarmismo, que subitamente, e com uma invasão clandestina, chegaram uns forasteiros que doutrinavam o seu povo com promessas de uma vida eterna, recheada de felicidade sem fim, e, subtilmente, os incitavam à desobediência.

Chegados a este ponto temos o devem de nos perguntar: e por cá, na excelente Europa, como funcionava a sociedade, especialmente para as camadas inferiores, equivalentes a daqueles míseros pescadores e agricultores?

É muito curioso que os ocidentais de hoje não sintam, ou não o queiram aceitar, que está em crescendo um paralelismo com a proliferação de gentes, igualmente forasteiras, que professam outra religião. Que no centro da Europa já existe uma adversão às mesquitas e aos seus chamamentos à oração com recurso a amplificadores de som, aos seus hábitos de vestuário e à insistência que mostram em desejar ser diferentes dos habitantes locais.

Uma faceta de rejeição à que se juntam os custos económicos que estão ligados a manter estas gentes. Propositadamente se esquece que muitos destes “molestos muçulmanos ou até animistas” são os que aceitam fazer os trabalhos que os naturais não querem; e quando é possível, pagando menos e com menores garantias. Esta e outras situação são desqualificadas como sendo "pormenores sem importância".

Os ultra conservadores brancos de lei não necessitam de assistir, bem sentados, á projecção deste filme (mas que para ficarem bem no retrato são capazes de o premiar com vários Óscar) Os Trumps e Le Pens, com a ajuda de outros extremistas, se encarregarão de perseguir e tentar expulsar aos que não apostatarem do maometanismo, em "silencio".

FINAL: Não encontrei, até agora, nem um comentário que foque, nem ao de leve, pontos semelhantes ao que eu vi e sentí.


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