Aquilo
que a nossa mente deduz após receber os impulsos vindos do exterior,
sejam visuais, sonoros, olfactivos e outros, todos eles genericamente sensoriais, colaboram para compor uma interpretação pessoal,
-excepto quando sofre uma pressão inductiva que não dependeu da
sua livre iniciativa- que não se pode garantir ser imutável. A
mesma pessoa e sob os mesmos impulsos pode atingir uma interpretação
bem diferente, mas igualmente válida, consoante o seu estado de
ânimo, a hora do dia ou da noite, e inclusive quando os factores
ambientais e climatológicos são diferentes.
Daí
que não nos podemos fiar excessivamente nas nossas opiniões e
interpretações. Estão muito longe de serem inabaláveis. E
tampouco podemos esperar que exista uma unanimidade nos pareceres
que outros manifestem, sobre qualquer tema. Quando um assunto é
potencialmente controverso mas
nos aparece com comentários muito semelhantes, sem divergências bem
argumentadas é pertinente desconfiar
de tanta fartura.
Um
caso que me alertou sobre a falta de isenção, ou pior, da pressão
para aderir aos preceitos
do política e socialmente correcto foi
a visão do recente filme
SILÊNCIO
Lendo as críticas e comentários, que suponho terem sido escritos por pessoas que viram o filme em questão, senti que todos eles estavam pré-dispostos a ver aquilo que desejavam ver, deixando de lado as pistas bem evidentes que o escritor deixou no seu livro, e que no filme são apresentadas por boca do Inquisidor e do seu ajudante.
A
meu ver, o filme, admitindo que segue as ideias da obra literária de
um autor japonês, identificado, mostra uma situação social nitidamente ligada à política
interna daquele Japão em início de abertura ao ocidente.
O
que se denuncia, com veemência, é o temor e a reacção brutal que
se gerou quando viram a sua estabilidade feudal ser minada por uns
estrangeiros. Por muito que pese aos simples crente cá do sítio, a
temática religiosa é secundária, como bem diz o Inquisidor
em diversas ocasiões. A religião de estado era mais filosófica e
contemplativa do que programática.
Para
entender o filme temos que tentar captar a sociedade nipónica que
uns forasteiros pretendiam alterar, mudar, com efeitos indesejados
pela autoridade vigente. Os representantes do poder viam, e com muita
razão, que aqueles missionários
eram a testa de ponte dos interesses europeus.A personagem do
Inquisidor inclusive os identifica como sendo o que mais tarde se
denominou como quinta coluna das potências interessadas:
Portugal, Espanha, França e Países baixos. Uns missionários
beneméritos portadores de uma fé divina que, subtilmente e sem
querer (?) de facto colaboravam no abrir dos portos japoneses para
que os seus conterrâneos pudessem tirar proveito comercial, bem mais
terreno do que espiritual..
Eles,
os chefes do Japão, preferiam manter-se isolados e, tal como sempre
se fez no ocidente com as camadas mais inferiores dos seus
respectivos países, ter os seus súbditos sossegados, pobres
e bem carregados com impostos. Impostos que só serviam para manter a
estrutura do poder. Os representantes do poder viram, com o natural
alarmismo, que subitamente, e com uma invasão clandestina, chegaram
uns forasteiros que doutrinavam o seu povo com promessas de uma vida
eterna, recheada de felicidade sem fim, e, subtilmente, os incitavam
à desobediência.
Chegados
a este ponto temos o devem de nos perguntar: e por cá, na excelente
Europa, como funcionava a sociedade, especialmente para as camadas
inferiores, equivalentes a daqueles míseros pescadores e
agricultores?
É
muito curioso que os ocidentais de hoje não sintam, ou não o
queiram aceitar, que está em crescendo um paralelismo com a
proliferação de gentes, igualmente forasteiras, que professam outra
religião. Que no centro da Europa já existe uma adversão às
mesquitas e aos seus chamamentos à oração com recurso a
amplificadores de som, aos seus hábitos de vestuário e à
insistência que mostram em desejar ser diferentes dos habitantes
locais.
Uma
faceta de rejeição à que se juntam os custos económicos que estão
ligados a manter estas gentes. Propositadamente se esquece que muitos
destes “molestos muçulmanos ou até animistas” são os que
aceitam fazer os trabalhos que os naturais não querem; e quando é
possível, pagando menos e com menores garantias. Esta e outras
situação são desqualificadas como sendo "pormenores sem
importância".
Os
ultra conservadores brancos de lei
não necessitam de assistir, bem sentados, á projecção deste filme
(mas que para ficarem bem no retrato são capazes de o
premiar com vários Óscar) Os Trumps e Le Pens, com a ajuda de
outros extremistas, se encarregarão de perseguir e tentar expulsar
aos que não apostatarem do maometanismo, em "silencio".
FINAL:
Não encontrei, até agora, nem um comentário que foque, nem ao de
leve, pontos semelhantes ao que eu vi e sentí.
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