domingo, 4 de abril de 2021

MEDITAÇÕES – Saudades de poder saciar o apetite

 Devo ser, e sou certamente, um animal estranho, pertinaz da mania de contrariar as modas, tão bacanas e simpáticas, que é forçoso de seguir “religiosamente” se quisermos estar, nem que seja ilusoriamente, na tal “crista da onda”, que, como já vimos milhentas vezes, fica atrás do ponto em que o surfista desafia a natureza.

Pois bem. Indo directamente ao assunto que me excita, afirmo, com convicção plena e sem vergonha, que esta pertinaz publicidade que se está fazendo em favor da “cozinha de autor” é uma fraude contra o que sempre se entendeu ser o prazer da boa mesa. E já não lhes bastava satisfazer os vaidosos que se deliciam com um prato, -em geral de um diâmetro maior do que normalmente consta de um serviço normal de mesa- onde andam perdidos, mas regados com algum!s molho extravagante e uns raminhos de ervas aromáticas, um microscópico pedaço de proteína e uns leves adereços que se assemelham às penas de avestruz das vedetas do musical.

Tem que engolir aquilo aos bocadinhos, para render mais uns minutos, antes de chegar à magnífica conta que, gostosamente e com muita vaidade, é paga com um cartão. Nunca com dinheiro vivo! Que isso é coisa de gente sem classe!

Este disparate de tratar um repasto como se comêssemos um ramo de flores, acompanhado com uma bebida “exótica” já ultrapassou a fronteira da porta da rua destes locais de alta cozinha. Já podemos encomendar em serviço de entrega domiciliar ou, simplesmente, pedir que nos façam um arrumado take away.

Aqueles repastos familiares, onde se acomodavam amigos e parentes à volta de uma mesa grande, ou mais do que uma caso fossem muitos, e onde se aguardava, com intensa expectação, a chegada de fartas travessas, onde cada comensal podia seleccionar os pedaços que mais lhe agradavam, e que se podiam completar com os “acompanhamentos” que eram, de imediato, postos sobre as alvas toalhas, já só se podem deleitar em locais que estão, teimosamente, fora das normas do bom gosto.

Não esqueço de referir que na mesa estão à disposição dos comensais bebidas várias, sejam alcoólicas de vinho ou de cevada, outras de base aquosa, com e sem gás, que amavelmente são aproximadas ao requerente, sedento, seja por ajuda de outro parceiro ou por um atento servidor.

QUE SAUDAEES DAS TRAVESSAS FARTAS!!


sábado, 3 de abril de 2021

MEDITAÇÕES – Mutatis mutandis

 Procurando uma base fidedigna sobre um assunto que trazia em fase de alinhavar, procurei um volume, encadernado em rústica, do semanário O ANTÓNIIO MARIA, que abrange todos os números saídos da pena de Bordalo Pinheiro (texto e desenhos). É confrangedor ver como ali se descrevem as desventuras nacionais, numa época em que estava o regime monárquico e uma reduzida elite de colaboradores, a maior parte mais interessados no seu benefício pessoal do que em melhorar a situação do povo.

Não sendo uma obra histórica, valorizada como tal por um autor de nível académico, é de grande utilidade como documento ponderado.

Apesar de eu não pertencer a uma antiga família lusitana tal não me tem impedido de estudar, ver e raciocinar, sobre a situação social e económica de Portugal e dos portugueses em geral. E sem grande esforço, mas com uma enorme tristeza, verifiquei o desencontro entre a evolução das condições económico-sociais neste belo e afável País, comparativamente com os restantes países do ocidente europeu, mantém-se practicamente na mesma ao longo dos tempos. Uma economia desequilibrada, com uma dívida ao exterior em aumento e sem possibilidades visíveis de poder atingir um equilíbrio. A indigência vai em aumento, constante. Não tenhamos medo nem vergonha da palavra, mas sim, e muito, do que nos acontece.

Numa análise benévola e condescendente, falseamos a realidade alegando que são quedas cíclicas, que por maldade do fado, -ou dos deuses malignos, a escolher- colocam a País na mó de baixo. Mais objectivamente somos induzidos a culpabilizar a pesada influência de uma elite nada patriótica, mesmo que jurem lealdade e abnegação para o bem da Nação e cantem o hino nacional em sentido (figurado...) e com a mão direita sobre o seu coração, ou segurando a sua carteira.

Não serve de nada tentar identificar os culpados, em sucessivas gerações. Do mesmo modo de nada serve, como se verifica facilmente, recordar os avultados bens que se conseguiram dos diferentes territórios que se exploraram. O que aqui chegou foi gasto em luxos e obras supérfluas. Outra parte foi aplicado no pagamento dos empréstimos concedidos pelos banqueiros judeus sediados nos Países Baixos, e o restante gasto sem proveitos de vulto por umas poucas famílias.

O que não se fez foi educar, a população do País e, uma vez sabendo ler, escrever e o equivalente a uma cultura geral básica, incipiente, mas útil, iniciar a industrialização intensiva da metrópole. Mesmo a meritória tentativa do Marquês de Pombal não teve seguimento. E, em abono da verdade, os tratados comerciais de “amizade” com os países europeus sempre trataram, e mormente conseguiram, travar as sucessivas tentativas de iniciar um mercado interno, que além de abastecer as necessidades de alguns bens, tivesse possibilidades de exportar manufacturas de preço compensatório. As poucas indústrias que se instalaram não conseguiram estagnar o débito geral.