Como
no volei de praia
É
penoso meditar sobre a situação social que existe sob o clima de
perfeita normalidade que se instalou na mente das pessoas. Temos que
reconhecer que a ideia de governar em cama compartilhada, numa
espécie de albergue espanhol, onde, para ser correctos, o principal
sócio pelo menos sob o ponto de vista histórico, insiste em
permanecer fora da carroça (e faz muito bem, sob o ponto de vista
meramente táctico) e o PS consegue manter-se à tona de água
consentindo em algumas das exigências do seu sócio mais afoito.
Claro
que só cede a uma gritaria de cada vez, e nem sempre consente em
tudo o que exigem. Antes procura entregar aquilo que não temos, mas
com algumas restricções. Para que não se diga que está de pernas
abertas. O que é espantoso é que, como a aritmética não pode
enganar-se, que contas são contas, aquilo que dá -mesmo com
restricções- tem que se ir buscar a outro lado. E apesar dos
aumentos de taxas e preços, mais ou menos dissimulados, o facto é
que a dívida nacional continua sendo enorme. Os optimistas imaginam
que chegará o dia em que os credores nos perdoarão aquilo que foi
pedido emprestado. Um “sucesso” brilhante que só contecerá, se
for e mesmo neste caso só parcialmente, quando aceitarmos vender
mais algum dedo, pois que os anéis já se foram.
Este
negrume de pensamento apareceu quando a chuva de fim de Agosto, a que
estávamos habituados, não fez acto de presença. Em vez dela temos
uma enorme nube negra com o estado de degradação a que chegou a
estrutura da CP, tanto no material de tracção como no circulante e,
ainda, em muitas linhas que tiveram promessas de recuperação ou de
melhoria mas que, como era de prever dada a falta permanente de
recursos na tesouraria, foram e continuar a ficar na gaveta das
promessas.
Quando
daqui a poucos dias terminar o pino do período de férias e as
pessoas tenham que retomar os transportes, particulares e colectivos,
para acudir ao seu local de trabalho e depois regressarem aos seus
lares, vai ser a hecatombe do costume, mas até ampliada. Brinca-se
com a realidade como se estivessemos num desafio entre amigos num
volei de praia, ninguêm se aleija, e se a bola bate no chão ou sai
fora, é só pontuar e seguir em frente.
Todos
sabem os dois vectores que complicaram a vida dos assalariados e os
empurrou para os subúrbios. Por um lado a dificuldade em conseguir
uma habitação na cidade a um preço compatível com os seus
ingressos, o desemprego entre os membros do aglomerado familiar e a
mais recente pressão para desalojar os habitantes dos bairros
populares mais centrais a fim de promover o aluguer estilo taxímetro.
Como,
em vez de encarar este problema da deslocação da residência longe
do local de trabalho da mesma forma como se fez nos países do centro
da Europa, a rede de transportes colectivos que une os bairros
periféricos às estações de caminho de ferro é insuficiênte e
indutora a que o cidadão se veja empurrado a usar uma viatura
própria, com um custo por hora e quilómetro muito superior ao do
comboio. Sem falar na poluição gerada e nos engarrafamentos de
trãnsito.
Para
complicar ainda mais a situação temos um parque ferroviário
degradado, em que muitas composições já ultrapassaram os tempos de
uso recomendado. Os problemas que possam surgir na via férrea
fatalmente se agravarão. E não se resolvem pela anulação de
composições, antes pelo contrário. Toda uma situação que é
consequência dos compromissos tomados pelos sucessivos governos.
Quando
foi noticiado que, fossem quais fossem as razões invocadas, iriam
fechar as instalações da Sorefame, tanto na Amadora como em Sines,
não se atendeu ao que, fatalmente e como se está a verificar, o não
ter uma base nacional para apoio dos caminhos de ferro,
cumulativamente ao aplicar todos os meios económicos próprios, mais
os vindos da Uniâo Europeia, à rede de auto-estradas, o cidadão
ficou satisfeito com as possibiloidades de adquirir, com o recurso ao
crédito, não só uma residência fora dos limites da grande urbe
como também um automóvel, ou mais do que um em muitos casos, que
lhe desse a ilusão de ter subido na vida.
Mais
uma vez, e tal como aconteceu com os aeroportos, a electricidade, a
saúde e os correios, a solução mágica que propõe os governantes,
sejam eles quais forem, é a de “privatizar” a CP, e assim
conseguir matar dois coelhos de uma só cajadada. Por um lado
safar-se de compromissos que eles mesmo avolumaram, e por outro
garantir bons lugares e algumas gratificações, que estão sempre
agarradas ás privatizações, como as rêmoras que acompanham os
tubarões e outros animais marítimos de porte mediano e grande. A
voz da caserna, que em geral acerta, avisa de que os privados que se
mostram interessados na exploração da rede ferroviária só querem
ficar com as linhas que sabem podem ser rentáveis. Depois de as
maquilharem e subir os preços, que deixarão de ser sociais, como
acontece com os combustíveis e a electricidade.
E
assim se conseguirá amainar o temporal por uns meses. À imagem do
que faziam os heroicos caçadores de baleias do alto mar quando os
seu barcos veleiros enfrentavam terríveis tempestades. Deitavam o
óleo ao mar na tentativa de diminuir a força das vagas. As
tentativas de recurso, por não ser sólidas, preparadas para durar e
resolver problemas, não passam de adesivos e tintura. Não resolvem
nada.