terça-feira, 27 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES - VEM AÍ ELEIÇÕES LEGISLATIVAS



E avisos, pedidos, insinuações e temores

O nosso actual primeiro ministro, que conseguiu o lugar através dos acordos com partidos mais esquerdistas do que o seu PS, cujo comportamento identitário é mais de centro do que centro-esquerda, anda nervoso receando que os votos perdidos pela direita -ou centro-direita porque neste campeonato os “sensatos” fogem dos extremos-em vez de se recolherem -a falta de melhor- no seu palácio do Rato, derivem para os outros sócios da actual “geringonça”.

E, curiosamente, o que António Costa teme é que aumente o peso do BE, por isso chega a insinuar, muito claramente, que se não votarem nele votem no PCP, que, segundo lhe parece, já tem poucos dentes. Ou seja, que ladra mas não morde, especialmente porque está em acção um desmembramento da Intersindical.

E tem razão. Disso não há quem possa duvidar. As consecutivas cedências que tem dado para satisfazer -assim assim- os sucessivos grevistas, foram feitas para não se incompatibilizar com os sócios de esquerda, concretamente com o BE. Uma formação contestatária que, sintomáticamente, tem as senhoras como vozes cantantes. E no PCP e AD também quiseram aproveitar a verbe feminina para cabeças de cartaz.

E as feministas ainda não estão satisfeitas! Sempre mandaram nas casas e agora já mandam nos aerópagos.

As consequências económicas para o País são sobejamente conhecidas e podem resumir-se naquela frase lapidar que avisa NÃO SE PODEM FAZER OMELETES SEM OVOS. Traduzida em linguagem de carcanhóis explica como qualquer cedência monetária que se faça, dentro do programa de austeridade que o rejeitado Centeno exige, leva a mais dívida externa, mais deficit e mais impostos, directos e indirectos.

Todos verificamos que o que se da a uns é tirado do bolso de outros. Não existe outra aritmética que não esta; sempre foi assim e sempre será enquanto não subir a produção nacional e as exportações de bens produzidos em empresas realmente nacionais. E este caminho está esburacado desde bastantes anos. Deve ser uma sina que os deuses do Olimpo nos impuseram.

É possível que nos inventários dos governos ainda possam existir alguns bens nacionais para vender a chineses ou a outros investidores que, não nos iludimos, são os novos colonialistas. Todos pretendem amortizar rapidamente o seu investimento -e as gratificações que tiveram que distribuir para conseguir tomar conta das empresas- recorrendo aos salários mais baixos da Europa ocidental. Ou seja: pagar com o pêlo do mesmo cão e depois sangrar enquanto não morre.

Já nem sequer existe o receio de que a direita nacional possa recuperar os seus domínios. O receio entre os políticos actuais é que a falsa estabilidade social possa estoirar, nem que seja por reflexo do que já acontece nos países mais adiantados. Uma reacção social que está travada tanto pela apatia que se apoderou da cidadania como pela habitual decalagem com que os acontecimentos no centro da Europa chegam até este famoso Jardim. E quase sempre já “fora de tempo”.

É curioso que um sintoma importante do que está sucedendo em Portugal nos seja evidenciado pelos migrantes que nos são distribuídos. Mesmo numa década atrás, quando ainda não se tornara um facto noticioso o recolher migrantes no Mediterrâneo, apareceram por cá umas levas de ucranianos. Muitos deles com formatura universitária, ou profissionais reputados. Mas não se negaram a trabalhar nas colheitas de fruta e outros afazeres abaixo das suas capacidades. E, subitamente, passados uns anos, não muitos, desapareceram. Não foram para os EUA ou se ficaram na França ou Alemanha, muitos regressaram ao seu país de origem, pois viram que aqui as condições de salário-habitação e subsistência não lhes eram favoráveis.

Recentemente lemos notícias de que alguns dos actuais migrantes que Portugal aceita acolher, apesar de se lhes darem apoios que não são extensivos aos cidadãos nacionais mais desfavorecidos, não tardam em deixar os andares vazios e rumarem para o centro da Europa. Já que deixaram a sua terra tem que procurar o melhor poiso.

Situação parecida é a que se verifica com muitos operários especializados nacionais, nomeadamente em tarefas hospitalares, e licenciados em cursos superiores que aqui não conseguem ocupação que corresponda ao horizonte que lhes foi sugerido. É uma sangria de profissionais que foram preparados pelo estado, com os impostos pagos por todos, e que depois não são utilizados em tarefas que derem o retorno pertinente.

Entre uns sintomas e outros, e sem desviar para situações específicas que nos levam a desacreditar totalmente na classe política que se governa às costas do erário público, não é difícil chegar à conclusão de que, tal como no tempo de Júlio César, não somos capazes de nos governar de uma forma correcta, sensata e produtiva para a comunidade.

Não me cabe o papel de insinuar ou até invocar para donde devem colocar o vosso voto. MAS É MUITO IMPORTANTE VOTAR. DESTA VEZ MAIS DO QUE EM NENHUMA CONVOCATÓRIA ANTERIOR. ABSTENÇÃO E VOTOS NULOS EQUIVALEM A ACEITAR O PAPEL DE CARNEIROS EM DIRECÇÃO AO AÇOUGUE. E SEM DAR UMAS BOAS MARRADAS PELO CAMINHO, QUE PARA ISSO OS CARNEIROS TEM CORNOS.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES - Das opções e decisões



Quando vemos que acertamos ou erramos.

Se decidimos do rumo da nossa vida o mais usual é que não só modificamos o nosso percurso pessoal como, por arrastamento a nossa atitude vai condicionar, mesmo que seja durante um período de tempo, a vida de outras pessoas, nomeadamente de algumas com as quais existam ligações familiares.

Este é um tema que, quando a idade nos torna mais meditados e daí propensos a fazer balanços do passado, nos pode ocupar algumas horas mortas, aquelas que a insónia, nos oferece e que, não raramente, nos induz à auto-recriminação, sem necessidade de abrir a boca nem tampouco incitar a nos inculpar desde a janela para a rua, numa espécie de penitência. Mesmo que o orgulho nos trave o impulso de nos flagelar publicamente, o mais normal é que o ego com cariz de penitente não consiga vencer o retraimento soberbo. Ou seja, mesmo nestes momentos de introspecção é difícil que vença a personalidade extra, a descontente, a que não consegue apoiar-nos sem contraditório. Esta luta desigual está magistralmente retratada no grilo que quer corrigir os erros de Pinóquio.

Quem tenha lido, nem que seja por simples curiosidade, algumas biografias de personagens ilustres citadas como exemplo por terem sentido a tal “luz da verdade” e por sua influência passaram a ser o oposto daquilo que foi o seu comportamento anterior, pode acontecer que sinta algum cepticismo perante esta alteração da polaridade e desconfia da autenticidade de tais mudanças. E daí não se sinta com a mesma predisposição para mudar nas suas convicções e comportamento. 

Nem mesmo os vestígios geológicos de que o nosso planeta já mudou de polaridade em mais de uma vez não nos convencem de que as pessoas, em geral, tenham uma propensão frequente para sentir um chamamento súbito que os induza para mudar drasticamente. Imaginamos, de boa fé, que o indivíduo assim converso deve ter passado por uma fase anterior que o empurrasse para a mudança drástica, que a alteração deve ter sido progressiva e não súbita.

Claro que “neste mundo cruel” tudo pode acontecer, e até nos oferecem, gratuitamente, relatos de santificação de indivíduos que, anteriormente, eram uns verdadeiros facínoras, indesejáveis.

Ao longo da minha vida e já com capacidade para decidir, tomei demasiadas decisões e opções, que posteriormente se mostrou terem sido mal ponderadas. Agir impulsivamente, com a mente sob “o sangue quente” como se diz coloquialmente, é muito propício a seguir o caminho errado. Uma situação anímica que, tendo chegado a uma idade provecta, em que já é impossível refazer o caminho, nos pode desmoralizar em grado superlativo.

Quem, neste momento, esteja afiando a faca por pressentir que vou fazer um relato pessoal das decisões que, desde anos atrás, considerei terem sido erradas, pode dormir descansado. Não vou abrir o meu coração, ou a minha alma se preferirem, para gozo dos curiosos. Para me penalizar basta reconhecer alguns dos meus erros. Certamente que não todos, pois habitualmente as pessoas somos adeptas a não se martirizarem agudamente. E se tal sentido de conservação não funcionar, pode-se chegar à decisão final, que pode ser o suicídio.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES – Evolução deficiente



Após 60 anos de casa

Muitos dos actuais habitantes de Portugal não têm uma experiência de vida no rectângulo que se possa comparar à minha. Outros, com uma dose razoável de sorte e boa saúde me acompanham ou mesmo ultrapassam esta fasquia.

A conjuntura actual em que nos deparamos com uma greve que é tratada de uma forma prepotente e desrespeitadora dos direitos da população em geral, não só pelos sectores directamente atingidos e comprometidos como também pela maioria dos meios de comunicação social, que sempre estão ansiosos de poder referir notícias ao estilo da famosa «homem que mordeu um cão». Em consequência, a população em geral é incitada a se precaver com um exagero que raia na loucura, sem pensarem que esta é uma situação passageira. Uma vez alertados com receios exagerados e já com os nervos à flor da pele, tomam as já clássicas atitudes de açambarcamento injustificado.

Pensando com um propósito de alargar os horizontes para além de saber onde podemos reabastecer, nem que seja limitadamente, a primeira conclusão que nos surge é a de que, podemos apostar sabendo que ganharíamos, muitos dos carros a que atestaram os depósitos, e ainda encheram recipientes para garantir uma reserva, tinham passado longos meses sem ver os seus depósitos cheios até o tubo de entrada. É uma situação clássica após o anuncio de faltar qualquer coisa, especialmente de bens essenciais. O impulso tem mais força do que o frio raciocínio.

Chegando a este ponto, de carácter sociológico, sou levado a meditar acerca da carência de evolução social que a população portuguesa «na que estou incluído, voluntariamente e com gosto». O tempo que já decorreu desde o golpe militar que pretendia, e conseguiu, terminar com o conflito nas colónias africanas, e que por tabela, derrubou uma longa ditadura «menos dura e cruel do que outras suas contemporâneas e posteriores». Depois veio uma fase de perigo em que se ameaçava converter Portugal numa segunda Cuba no extremo da Europa. Com a ajuda dos EUA e do já falecido Mário Soares, a sociedade passou a fase da rubéola, do sarampo e das papeiras e, entrou na idade adulta.«mais ou menos, ou em via estreita»

Avançando: Apesar das tentativas de progresso iniciadas nos últimos governos da Monarquia Constitucional, e depois com a República, a pressão dos poderes fácticos, seja da “nobreza” antiga e recentemente comprada, mais o intenso domínio do sector mais retro da Igreja Católica, a população de Portugal manteve-se excessivamente rural e ignorante, sem conseguir acompanhar a evolução de conhecimentos que, na Europa, se tinha iniciado, com bastante vigor, na Revolução Francesa.

O comportamento da cidadania actual, se visto sem paixão nem animosidade, reflecte um atraso congénito. Não se atingiu, excepto nalgumas zonas da metade norte do País, uma evolução para a burguesia, dependente da indústria e da necessidade imediata de promover a literacia e educação em geral da população. Os nomes que são citados como terem sido destacáveis estudiosos e alguns até difusores das novas ideias de como organizar a sociedade, sempre foram poucos e mal conhecidos pela população em geral.

Se dermos uma olhadela à imprensa menos popular, e até nesta em certas ocasiões, e nos noticiários e páginas culturais e políticas das emissoras de televisão, e tivermos em arquivo mental os nomes das famílias que já na monarquia eram poderosas, podemos ver que a “importância” que se concede a certas pessoas da actualidade já a herdaram junto com os pergaminhos familiares. Por outro lado, tendo, tal como os italianos, uma obsessão em identificar as personagens com um título nobiliário ou académico, este costume leva a que aqueles que conseguem um canudo (por vezes este logro não passa de ser isso mesmo: um logro, uma falsidade) querem passar, de imediato, para o outro lado da rua. Um atavismo nefasto que, muito directamente, conduz a separar a “gentinha” da “gente bem”.

Este atraso social ou melhor sociológico faz com que seja practicamente impossível conseguir uma adesão geral a qualquer movimento de contestação. Nem sequer aqueles que estão directamente prejudicados pela decisão que se pretende neutralizar se decidem a engrossar as colunas de reclamantes. Não admira, pois, que aqui não medrem os movimentos ao estilo dos coletes amarelos. Existe, agarrada na mente de muitíssima gente, um misto de medo e de falta de solidariedade com eles mesmos.

E hoje temos um exemplo vultuoso de como a demagogia e o desprezo pelos prejudicados inocentes, no sentido de que a imensa maioria dos afectados não tem o menos poder para alterar a situação. Nem sequer entendem que as sucessivas cedências que o governo tem feito, pressionado pelos seus “sócios na geringonça” vão afectar, sem compensação, outros sectores também com razões de exigir melhorias económicas.

Toda uma cobra que morde a cauda, um uroboro, pois que a economia de um País, e também a de Portugal na sua globalidade, reflecte uma variedade de vectores, que não são conseguidos através de greves e exigências salariais. Antes pelo contrário, e como todos os políticos conscientes (que devem ser minoria) sabem a instabilidade impossível de satisfazer não induz ao investimento produtivo. No máximo a abrir o cofre para avançar com projectos públicos que, cada dia que passa, são cobiçados por empresas estrangeiras, mais poderosas económica e tecnicamente do que as nacionais. E, que dada a evolução tecnológica cada vez dão trabalho a menos pessoas.

Finalmente numa sociedade que ainda não recuperou do seu atraso, o pensar que a informática e as novas profissões nos irá colocar na linha da frente é uma miragem sem realismo. Deveríamos ver a listagem de empresas iniciadas por portugueses que, nesta fase em que estamos, já são de multinacionais e que são geridas segundo os seus próprios interesses.


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES – Reacções imediatas




INSTINTOS CONDICIONADOS

O que vou deixar aqui será, em princípio e desejo, da minha própria lavra. Ou seja, opiniões pessoais, que apesar de ter lido e ouvido muita coisa, penso que ficaram condicionadas por preconceitos próprios, sem me fundamentar em documentação de outrem. Não é devido a um excesso de egocentrismo ou por me de me considerar “superior”, (tristemente aceito estar num patamar bastante baixo) mas porque não gosto de me deixar influenciar por outros opinantes, mesmo de reconhecido saber.

Recentemente fui alvo de um comentário, emitido numa janela com pouca credibilidade, no qual me apontavam -levianamente a meu entender- como um racista. Neste fim de semana, no Expresso, li as respostas da actual ministra da justiça, Francisca Van Dunem, que, sem fintas, refere que o racismo ainda existe na nossa sociedade. Eu acrescento que a identificação imediata de uma pessoa pelas suas características corporais existe em todas as sociedades e imaginar que deixará de existir é uma utopia. Podemos esforçar a que os comportamentos sociais deixem de ser agressivos, mas daí a tentar enganar os olhos...

O que pode fazer diferença é a intensidade com que a percepção das diferenças entre humanos pode situar o comportamento de uns e outros entre os dois polos opostos, desde a aceitação e convivência pacífica, até à rejeição violenta e irracional. E os instintos nem sempre são racionais!

Por muito bonzinhos e respeitosos que desejarmos ser e nos comportar, é pertinente aceitar que quando dois indivíduos, que não se conhecem anteriormente, se encontram num mesmo espaço, a nossa visão nos transmite uma mensagem, não meditada, mas de arquivo, que pode condicionar o modo como iremos reagir, no aspecto social, perante aquela presença inesperada.

Adaptar o impacto instintivo a uma visão mais meditada, mesmo que também quase imediata, mas posterior à instintiva, já necessita de uma abordagem sem preconceitos. Coisa mais difícil do que nos pode parecer. Ver alguém com uma cor de pele escura, no meio de um conglomerado maioritariamente claro, “dispara” a atenção e o qualifica, sem que o instinto implique, sempre, um desinteresse ou a vontade de afastamento. É a experiência de vida, mais a educação cívica e social, que se carregam de orientar, por decisão meditada, para um comportamento determinado.

Proponho que ultrapassemos a análise puramente epidérmica da pessoa que temos perto. É mais difícil de explicar o facto de que, sempre com pessoas que vemos pela primeira vez. Algo na sua face, na sua compostura corporal, pode induzir a que nos sentir atraídos, com vontade de conviver, de falar. Digamos que à primeira vista uns nos parecem simpáticos e outros, pelo contrário, o instinto rejeita-os. O que não impede de que, caso se der a possibilidade de ter um trato mais próximo, verbal, o juízo que a visão nos deu seja alterado para o sentido oposto. QUEM VÊ CARAS NÃO VÊ CORAÇÕES.

Portanto, não é pelo facto de que os nossos olhos nos darem a identificação de uma pessoa como preto, chinês ou esquimó, que isso nos pode caracterizar como segregacionista. É o nosso comportamento visceral, sem condicionamento social positivo, que se poderá sobrepor às mensagens automáticas da vista para o cérebro. A partir daí surgem as considerações racionais, e são estas que caracterizam a pessoa. Sem desvalorizar os efeitos do estado de espírito naquele momento, da influência do ambiente e até de alguns preconceitos políticos que se sobrepõem à racionalidade.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

MEDITAÇÕES - Pratos típicos




AS ESTIMADAS SARDINHAS ASSADAS!!!!

Cada povo traz sedimentos na sua mente de uma série de preferências que, em muitos casos, não conseguem manter a sua simpatia ou opção instintiva quando confrontadas com os factos que, as mesmas opções pessoais, possam ser “desqualificadas” por quem apresenta argumentos que as conduzem a ser rejeitadas.

Neste apontamento de hoje sofre dos condicionamentos que hoje me afectaram, circunstâncias que não interessa especificar. O tema fica circunscrito à culinária tradicional, que por ser característica da população de uma determinada área e influenciada, desde muitos anos atrás, pela acessibilidade de certos alimentos, e das técnicas de cozinha que estavam disponíveis. Tentar fazer um apanhado extensivo sobre os pratos regionais mais afamados seria uma tarefa gigantesca. E quando se pretendesse valorizar, segundo os critérios da cozinha normal entre nós, sem subir aos píncaros da alta cozinha e cozinha “de autor”, nos depararíamos com a necessidade que os nossos antepassados, mesmo recentes, tinham para se abastecer e conseguir que na cozinha se preparassem alimentos que hoje quase ficaram esquecidos.

Parece óbvio que não citaremos extremos tais como o prazer que certos povos tem comendo larvas de insectos, ou mastigando alguns no estado adulto mas após serem assados ou cozinhados segundo as suas técnicas. Se rejeitarmos a sugestão de comer escaravelhos, baratas ou gafanhotos, devíamos recordar que estes animais são parentes próximos dos camarões que apreciamos, sejam cozidos ou crus, para acompanhar uma bebida alcoólica fresca.

De modo semelhante temos a noção de que, caso sejamos carnívoros, é recomendável cozinhar e comer a carne quanto mais recentemente morta. Fugir das carnes em processo de decomposição. Mas quem viveu no ambiente rural recorda, e sabe por ter visto, que também se recomenda deixar a carne repousar algumas horas, ou mesmo um dia inteiro, após a matança e antes de a desmembrar. Hoje creio que não se liga muito a este preceito. Mas... se fizer uma leitura atenta a certas reportagens de culinária “de topo”, pode encontrar referências a comercialização, a preços altos, de carne de animais abatidos até 30 dias antes! E vinda de origens bem longínquas, como pode ser o Japão.

Regressando ao rectângulo, os urbanitas actuais dificilmente aceitariam como petisco a magra refeição que muitos ganhões e pastores, longe da sua casa, comiam no seu descanso da jorna. Não raramente dispunham de um naco de pão, raramente da véspera, e um bocado de toucinho salgado. E já em casa, como lanche. Poder untar o pão da semana com unto de porco temperado com pimentão, como se fosse manteiga fresca, era um petisco que muitos velhos recordarão com saudade.

Do que antecede podemos concluir que são os hábitos recentes que condicionam o nosso paladar e as preferências. E não deixamos de lado os limites de opção que nos são marcados pelos custos monetários. Nem tudo o que sonhamos poder ter no prato nos é dado conseguir.

Mesmo assim há “iguarias” que estão tão fixas no ideário gastronómico nacional que não resistem a uma analise de prós e contras. E a mais penosa e generalizada é o impulso de comer sardinhas assadas. Poucos alimentos dos humanos devem possuir um nível de incómodo como o fedor do assar peixe, e mais se forem sardinhas. E se ao comer este peixe seja grelhado ou frito, nos sentíssemos com a boca aguada de prazer, extasiados até, então já nos devemos considerar uns sibaritas.

É sintomático, e mostra não respeitar as adversões dos não tradicionalistas extremos, que nesta época ainda se chamem parentes e amigos para uma “sardinhada”. Esta situação social é um dos atavismos que insistimos em valorizar, sem que tenha outro mérito do que o juntar pessoas num fingido agradável convívio. Nunca fui convidado para partilhar uma almoçarada de açorda de bacalhau! Felizmente.

E para que conste. Não sinto um ódio extremo em relação às sardinhas. Só ao  cheiro, intenso e agressivo. Quando devidamente enlatadas são agradáveis!

Muito mais se podia escrever sobre alguns dos pratos que se consideram como 
 sendo o identificador culinário de uma zona determinada, atribuindo-lhe uma identidade reconhecível, na maior parte das vezes  partilhada sem saber.



urbanita  - pessoa que habita numa grande cidade
sibarita  - pessoa dada ao luxo e aos prazeres da vida








quinta-feira, 1 de agosto de 2019

VIVÊNCIAS DE VIRELLA


TOUPEIROS

Alguns anos atrás estive radicado em Óbidos, acompanhado pela minha esposa, nascida precisamente a pouca distância da casa onde ficamos. em casa própria sita dentro da cidadela, ou seja intramuros. E devido a um excesso de credulidade, ou vaidade injustificada, decidi dedicar-me a uma ilusão de criador e replicante de artes plásticas, inicialmente de cariz histórico, imaginando que aquele burgo levasse os visitantes a aderir a um ambiente de outros tempos. Foi uma fase experimental que não levou a nada de valor, a não ser o ter mantido uma actividade manual e mental sem pressões externas, por decisão própria, e respeitando à história.

Em simultaneidade houve diversas iniciativas e “inventos” sob a égide do município e seus colaboradores. Entre outras ideias de propósito promocional fiquei a saber, através de grupos de adolescentes correndo de um lado para outro, agarrados a um papel, que devia ser um roteiro, no qual os incitava a seguirem um percurso previamente fixado e “descobrirem” as respostas pertinentes. Situação que os levava a importunar os residentes da Vila com perguntas mais ou menos descabidas., o que me levava a pensar que não foram previamente elucidados acerca do que iriam ver ou que, caso algum professor acompanhante, tivesse tido esta iniciativa os elementos da “viagem de estudo” não prestaram grande atenção.

Uma das perguntas que constavam do percurso era o descobrir a razão porque, os habitantes tinham a alcunha geral de toupeiros. Se, aqueles inocentes e visivelmente ignorantes se atreviam a me perguntar acerca desta alcunha, sem saberem previamente e de utilidade para a sua vida futura, que em geral não há quem aprecie o ser visto e identificado por uma alcunha, a minha resposta era, sempre, qual de vocês sabe o que é uma toupeira e quais são os seus hábitos?.

Nunca algum destes passeantes sabia a resposta, e muito menos que estes pequenos mamíferos habitavam debaixo da camada superficial dos terrenos de lavoura, e que se ficava a saber que estavam minando pelos montículos de terra que deixavam espaçadamente ao longo das suas galerias. Que estas toupeiras, quando empurravam a terra para fora da galeria, era muito raro que as pessoas as vissem, pois ao ouvirem a vibração provocada no chão pela pessoa ao andar, desciam para a galeria, seu habitáculo, e só pelos tais montinhos de terra remexida (como também fazem as formigas) é que se sabia quem estragava as suas hortaliças.

Como seja que nas horas de trabalho nas casas da vila só restassem idosos, e que muitos se distraiam vendo quem passava pelas ruas, mas sem vontade de serem vistas ou inquiridas por estranhos, diz-se que habitualmente espreitavam por uma nesga das janelas, e que se alguém se aproximava demasiado a pessoa fechava a abertura e deixava de ser visível. Como uma toupeira. Daí a alcunha.

Sempre me pareceu uma curiosidade, mas que devia ser vista quase ao nível do ditado que preconiza Jamais falar em cordas numa casa de enforcado. E por esta visão de respeito não concordava com que se utilizasse esta alcunha, nada simpática, com os habitantes do burgo, precisamente num roteiro preparado e distribuído por um serviço da Câmara Municipal, a jovens em estado de formação de personalidade.

Só numa ocasião (e possivelmente não deve ter sido única. Assim desejaria) vi que o grupo de adolescentes, escolares, em vez de correrem desalmadamente como numa gincana desportiva, estavam acompanhados por um adulto que lhes explicava o que estava indicado no roteiro, e assim tirar algum proveito da visita.

Mas ouvi tantas idiotices e mostras de falta de raciocínio entre os jovens, e muitos adultos!, ao longo de anos, que deixei de ter paciência para lhes explicar alguma coisa. Já vinham com falsas ideias na cabeça. Cheguei à conclusão de que aquele ambiente histórico era exclusivamente aproveitado para negócio. Até o dia em que desisti e fechamos a porta.