quarta-feira, 31 de maio de 2017

NÃO ENTENDO



Pergunto a mim mesmo e não sei responder, admitindo logo de entrada que não tenho bagagem de conhecimentos sobre a economia que move os países, e concretamente sobre a que afecta Portugal se, de facto, existe neste jardim alguém que, com sinceridade e convicção, considere a situação que nos é apresentada como um sucesso, quase que milagroso.

Para toda a equipa que está instalada na governação, incluído o PR, Portugal está marchando, em passo de corrida, para o melhor dos mundos. Vejam-se os efeitos dos FFF e os índices positivos que ofuscam, escondendo aqueles que não se ajustam à mítica visão que se impõe para levantar o moral da população. Acusar todos pode ser um exagero, pois que além de alguns teimosos, que são vistos como Velhos do Restelo, há os que preferem estar mudos e quedos nestes temas.

Também é pertinente reconhecer a existência dos sócios refilões, pouco citados e só ouvidos pelos seus adeptos fieis. Este alheamento perante as denuncias do que se esconde pode atribuir-se ao facto de que a malta conhece, sem ser consciente deste capítulo na sua bagagem cultural, a história do Pedro e o lobo. Os meios de comunicação social colaboram com ardor nesta selecção, que se anuncia como caminhando, resolutamente, para a vitória. Um ardor que pode estar localizado nos estômagos dos que tem o seu salário dependente do seu comportamento, que, sem subtilezas, os obriga a seguir as linhas de opinião que agradam aos proprietários.

Aquilo que continua a me preocupar é que tanto a balança de pagamentos como a dívida nacional e privada continuam aumentando, sem sintomas de que às cacarejadas exportações lhes correspondam uma diminuição no peso das importações (a crédito!!)

Referem que a evolução positiva deve-se, principalmente ao aumento da confiança da cidadania, e também ao dinheiro que nos deixa o turismo de massas.

Quando referem esta “confiança” devemos traduzir pelo aumento do consumo, mantido em alta pelo crédito que se abriu na banca depois de recapitalizada, e que depois vai, quase todo, dirigido a bens importados, sejam de consumo imediato e de curta duração ou de viaturas, cujo tempo de vida também é progressivamente encurtado por interesse dos fabricantes. Sem números à minha frente, e que sei devem existir, atrevo-me a dizer que esta confiança tem pés de barro, cru.

A segunda parcela favorável veio dirigir uma parte da cidadania, cada vez em maior percentagem, especialmente a muitos dos que vivem ou trabalham nas grandes urbes, a ficar dependentes do sector serviços. É melhor do que nada. Mas degrada a muitas pessoas na sua auto-estima. Hoje, na capa de um jornal generalista, vinha a declaração de uma insigne profissional afirmando, pouco mais ou menos, que as famílias deviam sentir orgulho em ter filhos cozinheiros ou empregados de mesa. Da minha lavra juntaria condutores de tuc-tuc, e não refiro os carteiristas porque as notícias referem que muitos destes profissionais não são, de facto portugueses. Longe vão os tempos em que a nação produzia profissionais neste ramo sem concorrência vinda de fora, excepto nas datas com maiores ajuntamentos de pessoal.

O turismo de massas, que é um fenómeno relativamente recente, depende em parte da oferta de viagens com baixo custo. Já lhes sai mais barato, e cómodo, subir a um avião, apertados, do que tentar boleias com a mochila às costas. Venham hotéis, de preferência com bastantes estrelas, casas que aluguem quartos, mais ou menos legalmente. Atraquem, por umas horas, grandes paquetes de cruzeiro, que são hotéis flutuantes e só deixam algum dinheiro nas lojas da baixa e nas empresas que os passeiam em grupo, em circuitos curtos ou extensos, consoante o tempo que dispõem. Qualquer dia Lisboa e Porto vão tornar-se a versão lusitana do execrável Marraqueshe, onde os ambulantes são tantos e tão persistentes como as moscas em Óbidos .


O que vemos de facto é um progresso nacional? Ou é uma ilusão que teremos que pagar com língua de palmo, como cães sedentos.

terça-feira, 30 de maio de 2017

TEIMOSO MESMO DORMINDO


Quando sonhamos, e uso o plural com a convicção de não ser um caso único, é frequente acordar repentinamente recordando as últimas cenas do sonho que estava em curso. E não são raras as ocasiões em que os factos que “vejo” nitidamente enquanto a mente devaneia não se encaixam no histórico que, quando em vigília, constam do meu arquivo. Apesar de usufruir destas liberdades fantasistas o mais habitual é que no sonho apareçam misturadas personagens, em geral familiares, e situações que não tiveram aquele desenvolvimento que a mente se encarrega de encenar.

Hoje, porém, quando despertei, com algum sobressalto, mantinha fresca a situação que o vídeo imaginário desenvolvera. E mentalmente o repeti, não uma mas duas vezes, para tentar evitar o seu desvanecimento irrecuperável, como acontece quase sempre.

A história era complexa e a memória foi pescar factos não acontecidos e os misturou com preconceitos que trago enraizados profundamente. Estava o casal Virella num passeio por Portugal na companhia de um outro casal, com quem partilhávamos uma intensa amizade, apesar de serem uns anos mais velhos e não frequentarmos os mesmos ambientes, a não ser quando nos juntávamos. Hoje, faleceram ambos e ficamos mais órfãos do que antes.

Os quilómetros de estrada nos levaram até Penafiel -onde jamais estive- Surgiu a proposta de visitarmos uma mansão rural, certamente das que construíram saudosos emigrantes no Brasil, desejosos de deixar uma marca na sua terra de origem. O cartaz na portada da área ajardinada, que separava a estrada do edifício, anunciava que estava preparado para Turismo Rural, ou coisa no género. Tenho uma relutância grave para visitar casas habitadas ou dispostas a ser utilizadas esporadicamente, quando o único motivo se resume a dar uma olhadela. Daí que, como noutras ocasiões, optei por ficar à porta, sem que o trio estranhasse dado que estavam habituados ás minhas manias.

A cena mudou, como num filme, para a decisão de procurar um local idóneo onde poder tomar uma refeição agradável. Uma vez dentro sei que o cozinheiro em activo, muito provavelmente habilitado por um curso actualizado de culinária, estava preparando, à frente de um outro cliente, totalmente desconhecido para mim, uma iguaria com a qual, supostamente, o cliente deveria ficar extasiado. Olhando com o ar mais dissimulado que fui capaz, vi que o cheff colocou no centro do prato uma forma, do tamanho de uma caixa de creme, mas com pouca altura, que encheu, a rasar, com um picado que foi procurar na cozinha. Retirou a forma e ficou uma porção, ridiculamente pequena, de alimento. A seguir colocou uma minúscula batata cozida; um pequeno rabanete, cortado em pétalas de rosa; do outro lado um também minúsculo ramo de salsa francesa, da de folhas engelhadas; a seguir uns fios de haste de alho recém nascido; uma folha de hortelã e mais um par de adereços. Completou a manufactura com aqueles riscos com que supõem os clientes ficam em êxtase. E deu o trabalho por terminado.

Dirigiu-se à nossa mesa a fim de tomar nota do que teriam escolhido. Mas eu, que sou embirrante e gosto pouco de ser gozado (como sucede com todos os gozões), neguei-me a comer aquelas obras de arte. Enquanto me documentava tinha dado uma olhadela a outra sala, situada ao fundo as sala nobre, por assim dizer, e ali vi como estavam abancados clientes, instalados em mesas de madeira e toalhas aos quadrados, que se debatiam com ar satisfeito com travessas de comidas tradicionais. É ali que vou almoçar! Desta feita os outros elementos da expedição seguiram o meu conselho e eu acordei.

Suponho, conhecendo o grupo com anos de convívio, que ficaram agradecidos e satisfeitos por lhes dar a dica para fugir daquela esnovice que se instalou no nosso País. Onde temos tantas coisas boas para comer na cozinha tradicional.


domingo, 28 de maio de 2017

ISTO JÁ NÃO É VIDA


Não nos basta a alegria que nos quer inculcar o Primeiro Ministro, não eleito mas legitimamente empossado, um bocado a martelo, como dizem que eram os vinhos que se engarrafonavam (em garrafões empalhados com vime e depois com plástico) no Poço do Bispo. Com estes anúncios, os três F e mais a hipótese do sempre sorridente, com o piano completo à mostra, conhecido por Centeno ser seleccionado para se juntar a outros PS's que já se instalaram em Bruxelas, deveríamos, como diz um cronista, citando o PR, sentir que estávamos mais altos, pelo menos uns 20 cm suplementares.

Quando olharmos para a nossa imagem no espelho é pertinente sentir o nosso ego elevar-se como um suflé, ou em opção tal como um pudim Molotoffe, dos que não perdem altura repentinamente, como já vi acontecer.

Tudo isto é maravilhoso. São coisas que excedem tudo aquilo a que estávamos habituados, no penar quotidiano de muitos cidadãos deste jardim. O que nos ensinaram ao longo de décadas limitava-se a insistir em que tudo isto é triste, tudo isto é fado! Agora, por artes mágicas, ou truques de contabilidade criativa, já somos novamente ricos. Muito mais do que se imaginou (na cabeça de muita gentinha) quando nos deram entrada no clube da moeda única. É só equiparável ao que nos caiu da cornucópia dos bens terreais, quando começou a chegar oiro e diamantes do Brasil.

Só os mais cépticos, aqueles que não merecem ser respeitados, nem ouvidos, é que duvidam de tanta fartura. Não devem entender que é pertinente, sem discutir, o atender à norma do magister dixit.

Desta feita não vou tentar rebater este panorama oficial. O meu problema é outro, mais grave e que cada dia que passa se acentua, como sucede com aquelas doenças más, cuja existência nos orienta no sentido de aceitar da existência de doenças boas, algo que, em princípio nos parece uma incongruência, a não ser que neste apartado se coloquem as bexigas doidas, as constipações e os entorses causados pelas irregularidades da calçada à portuguesa. De que tanto nos orgulhamos e agradecem os endireitas e massagistas diplomados.

O meu problema, que me traz angustiado, é a possibilidade, remota mas não desprezível, de que o nosso actual Presidente da República, aproveitando que a nossa humilde morada ficava-lhe no caminho para algures, se lembre de tocar à campainha e tenha que lhe dar accesso a este domicílio.

Como devo estar preparado, arreado, para o receber condignamente? Já vimos que faz gala de conviver com as gentes que militam nos ranchos folclóricos. O problema é que não disponho de vestimenta adequada. Será que devo procurar adquirir uma fardeta de pauliteiro de Miranda? Ou de membro de um rancho de cantares alentejanos, com chapéu, lenço ao pescoço, colete, cajado e uma lancheira de cortiça, além de treinar o bambalear a sós? Claro que há mais opções, tais como vestir segundo as regras dos antigos pescadores da Nazaré. Ou de um pastor das terras transmontanas. Ou de multador da EMEL. Existem muitas opções, mas todas elas implicam ter que conseguir uma máscara credível. Qual a melhor?

Sendo já um citadino, mesmo que morando num município da dita Grande Lisboa, será pertinente estar todo o santo dia envergando um fato completo, aquilo que no Brasil se chama terno e que aqui agora se deve confundir com um acontecimento? Pode ser uma opção. Mas que colide com a minha tentação, quase que diária, de jardinar usando roupa já veterana, com a qual não me posso apresentar perante o Professor Marcelo (ainda bem que não caí na tentação de escrever martelo!).

Gostaria que os meus caros leitores (os três ou quatro que, a falta de melhor, entram neste espaço) me enviassem umas dicas, das boas, -dispenso as foleiras- para poder estar preparado para a situação que pende sobre mim como a espada de Dâmócles.


Já agora, que estou com a mão na argamassa, aproveito o ensejo (esta é daquelas palavras que tinha na reserva especial para ser usada numa ocasião que a merecesse) para os cumprimentar, de coração aberto. Mas atenção, isto não quer dizer que o ofereça ao tal rapaz da cantiga vencedora! Com as coroas que ganhou pode comprar um órgão destes, de boa qualidade e com garantia, num enorme país do Oriente, -que cautelosamente não identifico- mas que nos vende tudo e compra os nossos anéis.

DEBATES NAS REDES


Só ”bisbilhoto” numa rede, o tal de fb, entre as várias que tenho noticia que existem. Admitindo que me ajuda a matar alguns minutos. Valorizo a maior parte dos assuntos que ali se apresentam como banalidades; alarmistas; provocadores; falsidades; referências desmedidas dos egos; exposição exagerada de pormenores pessoais, etc. E pouco de positivo encontro. Pelo menos para poder considerar que este meio constitui um progresso social.

Entre outras entradas que me causam desconforto são, concretamente, as que partem ou são dirigidas a pessoas conhecidas, e mais me desgostam se tenho uma ligação afectiva a estes participantes. Mesmo que não constituam agressões. Basta ver colocadas em público situações que, antes de existir este avanço tecnológico, guardavam-se, com estima e zelo, no seio dos familiares e uns poucos de amigos, se valorizados como merecedores de tal.

Dizem-me, alguns dos poucos a quem pessoalmente lhes faço sabedores da minha desqualificação deste desejo de comunicar, que só tem accesso a estas mensagens um reduzido número de eleitos. Previamente seleccionados pelo emissor. Céptico por natureza e consequente das contínuas notícias em que nos referem que os mais habilitados no manejo da internet, e na sua manipulação com fins que podemos considerar de violação de intimidade, não há nada que se coloque nestes pontos de contacto, os tais sites, que seja, de facto, inviolável, hermético.

Inclusive se referiu, com alarmes gritantes, como poucos dias atrás uns invasores, difíceis de identificar, entraram, sem ser convidados, em sistemas informáticos oficiais, estatais, militares, hospitalares, etc, sem que as trancas na porta que se tinham colocado conseguissem assegurar a sua reserva.

Sem nos colocar num patamar de que os temas que colocam no referido FB tenham a importância que justifique aos piratas informáticos que se dediquem a interferir nestas baboseiras, o mínimo que posso dizer é que discutir, como peixeiras usando um teclado, é impróprio de pessoas que devem tentar ser vistas como “respeitáveis pessoas de bem”. Mesmo que se identifiquem como nome e inclusive fotografia, tal não equivale a digladiarem-se, cara-a-cara, verbalmente caso não queiram usar as bengalas como no século XIX, num local minimamente recatado.

Podem inclusive ter razão nos seus argumentos. Mas este lavar roupa suja em público é indigno. Quase equivalente às acusações anónimas, pois além de dar entrada a quem gosta de molhar pão no prato de outra pessoa, fica resguardado de receber um bom murro no nariz, como, sem dúvida, poderia merecer.


Reconhecendo que nem tudo o que ali se edita é ofensivo ou agressivo, tal não justifica, a meu entender, a maior parte das entradas pessoais. Que qualifico muitas delas como motivadas, nitidamente, no propósito de dar satisfacção ao seu anseio de ser notícia. Nem sequer seleccionam factos relevantes; na imensa maioria das vezes só estão ao nível da banalidade sem importância. Em suma, a meu entender e, usando a irreverência, digo: vontade de mostrar o cu à janela.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A TARTARUGA E O IMBONDEIRO



Ainda o Presidente do Conselho de Ministros -que era a designação do agrado de António Salazar- estava em plena posse das suas faculdades mentais e ditatoriais contavam uma história, apócrifa como é hábito serem, na qual se relatava da visita de um grupo de escuteiros ou alunos de uma escola, tanto faz, que conseguiram ser recebidos pelo Professor. Provavelmente eram alunas do Instituto de Odivelas, naquele convento que, nos tempos da monarquia, ganhou merecida fama de ser antro de encontros de terceiro grau.

Os minutos disponíveis eram poucos, dadas as múltiplas tarefas e ocupações do P.M., daí que aquele menino, ou menina, que fora escolhida para se dirigir à respeitável personalidade desse um passo em frente para lhe oferecer uma prenda, numa caixa embrulhada em papel dourado e com um fita encimada com um formoso laçarote. Salazar agradeceu e, como pessoa bem educada, quis desembrulhar para ver de que oferta se tratava.

De imediato o Professor disse, que sem desprezar nem ofender as crianças, não podia aceitar aquela prenda. Uma bonita tartaruga de terra, das que antigamente povoavam a zona meridional da península. A garotada ficou terrivelmente triste. Alguns ainda derramaram uma lágrimas que não conseguiram reter. Foi tanta a ilusão com que juntaram as suas economias para poder comprar esta prenda!

Vendo o desconsolo do grupo, Salazar sentiu a necessidade de se justificar dizendo: Tenho que confessar que me afeiçoo muito aos animais de companhia, e quando morrem de velhice sofro um pesado desgosto. Por esta razão nunca quis ter cães, gatos, papagaios ou nenhum animal ao qual me possa habituar.

Ontem encontrei-me perante uma situação potencialmente parecida. Ofereceram-me, com amizade e por saber que nesta derradeira fase da vida terrena dedico tempo e esmero, dentro das minhas fracas capacidades, na plantação de viveiros e canteiros, sem ideia de vir a concorrer ao certame dos mais cuidados pequenos jardins caseiros. No intuito de acompanhar o meu hobby, deram-me um projecto de árvore, que pode crescer num exemplar exótico de grande porte. Agradeci comovido e ainda hoje plantei aquele vegetal em estado vegetativo, atendendo às recomendações e indicações que a acompanhavam, numa longa série de idiomas: Francês; Inglês; Holandês; Espanhol; Alemão; Italiano; Russo; Coreano; Japonês e Árabe (por esta ordem) Tudo bem explicadinho.

Casualmente, ou não, a árvore em questão é um imbondeiro, o nome mais corrente em Portugal, mas que no folheto que a acompanhava é identificada como um boabab, também se conhece como árvore garrafa, e do qual é possível encontrar alguns exemplares em jardins públicos e colecções botânicas.

Até aqui tudo bem. O alarme disparou nas orientações de como devia ser tratada esta árvore, terminando com a recomendação de que dando-lhe os cuidados indicados pode transitar de geração em geração sucessivamente pois que pode viver até uns 2000 anos. Por esta razão o boabab é conhecido como a árvore da longevidade.

Só de pensar nas responsabilidades que irei transferir aos meus descendentes, caso a árvore não medre -que é uma hipótese plausível- sinto um enorme peso sobre mim.

OS TERCEIROS SEXOS



Desde tempos imemoriais e até entre os animais, sabe-se que existem variantes, não negligenciáveis, quanto à imaginária separação dos indivíduos em dois sexos, pretensamente bem identificáveis. Conhecemos a capacidade de certas espécies de peixes para ao longo da sua vida, deixarem de ser machos para passar a ser fêmeas, ou vice-versa. Também vimos como está em evolução uma alteração semelhante entre leoas, que, entre outros caracteres, lhes crescem fartas jubas, como se fossem leões.

A evolução social das últimas décadas abriu a aceitação, entre os humanos, não só à homossexualidade clássica como a outras variantes que eram mantidas no armário escuro, e ainda as que só recentemente vieram ao conhecimento geral graças à evolução de técnicas cirúrgicas.


Daí que o termo “terceiro sexo” deixou de ter o significado que, pretensamente se lhe vinha atribuindo. Respeitando a realidade, seria mais correcto referir os terceiros sexos, dado que se incorporaram os transexuais, que antes de se colocaram nas mãos de algum cirurgião dedicado a alterar certas partes morfológicas dos corpos. Limitavam-se a mostrar maneirismos que consideramos próprios de um sexo determinado, digamos que clássico. Os mais atrevidos ou desinibidos vestirem-se com roupagens e acessórios que confundissem quem os observasse. Eram os travestidos. Muitos vestiam esta pele só entre as quatro paredes da casa, e outros aproveitam a liberdade dos dias carnavalescos para soltar aquilo que escondem nos dias normais.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

COM BARBAS OU DE CARA RAPADA



Ontem decidi mudar de ramo. Entenda-se de ramo pseudo artístico. Opção que tomo periodicamente quando me farto de fazer inutilidades num capítulo das manualidades e passo para outro. Desta feita retomei à talha em madeira, que não se deve confundir com ir talar árvores para o reino do Alberto João.

Sempre tenho alguns troncos na reserva para estes momentos de crise existencial, em que necessito descarregar problemas sérios que não posso escrever para editar. Bastantes dores cranianas tenho sem me atirar para o teclado. A principal, nesta altura, é conhecida por muitos e não carece de ser referida. Sentir-se enganado e jamais ser recompensado é duro de roer.

A brincadeira vai avançada, com um espalhafato de aparas e serradura que enerva à “minha senhora”, com há quem denomine a companheira que, sendo a dona da casa é, por indução e por direito social inerente, dona disto tudo.

Reconhecendo que quando me oriento para representar a figura humana não consigo dominar a minha tendência para retratar monstruosidades, optei para tentar vogar para as praias do não figurativo. Veremos. Caso alguém tiver a oportunidade e o interesse em ver o que sairá quando decidir que chegou ao ponto de não retorno.

Enquanto lutava com formões, goivas e maceta lembrei uma anedota que referia um sujeito, desempregado mas ansioso para conseguir trabalho remunerado, que ao passar pelo portão de um barracão de onde emanava um aroma de madeira recêm cortada e o barulho de ferramentas, pediu para entrar e tentar que o contratassem. O dono, cuja especialidade era a de ser santeiro (como o famoso Roque) perguntou-lhe:

- ajeita-se bem com as ferramentas de carpintaria?
    - óptimamente, como se formassem parte das minhas mãos.
    - e tem algum problema com a figura de santos?
    - é a minha especialidade!
    - aceita fazer um trabalho a prova?
    - com certeza. É só vestir uma roupa de trabalho e cá estou para o que vier.
    - Então tome este bocado de madeira e tire-me daí um Santo António. Tem aí um banco e ferramenta para trabalhar.

Passadas duas horas o ínclito artista tinha à sua volta um monte de aparas e serradura. Do tronco só restava um pedaço com menos de um palmo.

    - Então, e o Santo António?
    - O senhor disse-me que o tirasse daí, mas ele está escondido. Mas garanto que não se safa, tanto farei até que o encontre! Tem que sair!

    Outra história de cariz semelhante é a que aconteceu a um canteiro quando estava iniciando um trabalho de imaginaria. O desbaste estava na fase inicial, e um curioso perguntou: mestre, o que vai sair deste bloco, depois de aplicar a sua arte?

Pois a verdade é que ainda não estou decidido. Se vier com barbas será Santo Antão, e se não, a Puríssima Conceição.

Eu não direi que estou na mesma do santeiro escultor, mas a falta de melhor orientação aplicarei a sentença de que até o lavar dos cestos é vindima e assim dou-me uma margem de manobra para ir alterando a orientação do trabalho consoante a madeira reagir e as ferramentas obedecerem à mente pretensamente criativa. O que posso garantir é que, seja o que for, não terá um acabamento a folha de ouro, nem sequer de purpurina pretensiosa.


terça-feira, 23 de maio de 2017

A CGD



A minha capacidade financeira, mais concretamente os montantes de moeda corrente que tive à minha disposição sempre foram mais do nível do pescador de costa, com cana e carreto, saltando de um pesqueiro para outro, imaginando que ali não mordiam, mas que uns metros mais à direita ou à esquerda havia uns robalos e uns sargos com dentes de fumador, ansiosos de engolir o dueto isco e anzol. Dito de outra forma, nada me impelia a tentar a pesca de alto bordo, fosse para as costas do Canadá ou da Mauritânia usando uma simbologia geográfica para fugir de nomear entidades bancárias concretas.

Apesar desta situação pessoal, a experiência vivida, primeiro como estudante e depois como profissional, elucidaram-me sobre o como agiam os bancos, e como só os muito poderosos ou, o que é quase equivalente, os trafulhas de primeira linha, é que tinham entrada pela porta reservada e conseguir fazer suculentos negócios. Paralelamente fiquei a saber como se conseguia capital nos gabinetes da CGD.

Entre as novidades que a Abrllada nos ofereceu foi dar a possibilidade, mais teórica do que efectiva, de que qualquer cidadão que dispusesse de um excedente de capital pudesse entrar no jogo das aplicações de risco, sem se capacitar de que, por desconhecer o que se manobrava por trás dos reposteiros, ele, o incauto aforrador, seria, sempre o que pagaria as favas.

Outra novidade que nos deram, também envenenada, foi a de nos dar notícia de alguns dos negócios escuros, foram financiados, sem um estudo aprofundado da sua viabilidade ou garantias que os cobrissem, em conluio por banqueiros que deviam ser pessoas respeitáveis, mas que só o eram de facto para os seus pares. Curiosamente, ou não, muitos destes financiamentos entraram nas pastas dos incumprimentos, que, eufemisticamente se denominam como crédito mal parado, ou mais correctamente, dados como incobráveis.

Uma lista que além de incluir muito crédito concedido para adquirir um habitáculo, e que a evolução catastrófica (apara alguns) da economia impediu o devedor de cumprir os pagamentos, podemos estar desconfiados -como deveríamos ser- que ainda devem existir mais dívidas de porte, das de milhares de milhões, nesta lista e por isso não se pode considerar como completa. Estes esquecimentos, a existir, pode ser que se reservam cautelosamente para não alarmar, ainda mais, a população que confiou na banca.

O alarme sou quando nos anunciaram que, dado o estado de carência nas tesourarias de alguns bancos privados, era inevitável que o Estado lhes desse uma ajuda, entregando dinheiro dos contribuintes ou, o que é equivalente, contraindo dívida no exterior com juros e amortização a cargo do sempre cidadão indefeso. Curiosamente esta situação foi debatida em jornais, televisões e profissionais reputados, sem que a população se mostrasse alarmada, como deveria.

Agora, repetindo o filme por enésima vez, calhou ser a Caixa Geral de Depósitos, acompanhada do seu eterno parceiro Montepio, que se destapam com os cofres vazios, ou quase. O pagode, que pelos vistos acreditava que a CGD é NOSSA, tal como se clamava a respeito de Angola numas palavras de ordem da época da outra senhora, mostra que não sabiam ou não avaliavam como sempre funcionou esta entidade bancária tão especial. Com uns estatutos que lhe auferiam um poder absoluto sobre a economia nacional.

Qualquer cidadão adulto, e mais se for empregado do Estado, sabe que a CGD tinha a exclusividade de todas as receitas e pagamentos que se deviam entregar a qualquer entidade estatal. Que os ordenados eram tramitados, geridos e distribuídos pela CGD. Assim geria um imenso volume -à nossa escala- de numerário certo e inquestionável. E o que fazia com este dinheiro “fresco”?

Simplesmente era ali, na CGD, onde os empresários e promotores bem vistos pelo regime se abasteciam sem problemas, e com juros muito acessíveis, dando garantias de imobiliário, civil ou industrial, ainda só em estado de projecto, ou instalações já amortizadas que deviam ser ampliadas ou substituídas. Assim se cresceu, moderadamente, mas cresceu, durante a regência de Salazar e do tio Caetano. O já referido Montepio, que na sua génese era uma casa de penhoras, funcionava do mesmo modo: financiando sem problemas de maior. Os problemas, subjacentes, só agora apareceram à luz do dia.

Tanto a CGD como o Montepio tinham a vantagem adicional de não serem efectivamente controladas pelas entidades que o deviam fazer, principalmente o Banco de Portugal, pelo simples facto de que os lugares de topo nestas três entidades sempre foram atribuídos a membros de um reduzido grupo de eleitos, certamente seleccionados pela sua capacidade, responsabilidade e honradez.


A grande diferença entre ser vítima de um banco privado, e já fechado se for o caso, reside a que neste só entrou quem quis, e na CGD pode sentir-se abusado por ter que contribuir, sem ser voluntariamente, a cobrir os mal-parados, pois para muitos era condição sine qua non manter conta aberta nesta entidade “pública”.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

SEMPRE NOS ACOMPANHA

SEMPE NOS ACOMPANHA


Aquilo que enerva os adultos quando lidam com crianças na fase de entrar no mundo, que desconhecem apesar de terem nascido alguns anos antes, é a constante pergunta que eles, os infantes (1) assediam constantemente o adulto inquirindo os motivos, as razões, os tais porquê repetido sem descanso e com diversos alvos. Muitos dos adultos, quando sujeitos a este exame persistente, chegam a um estado penoso de saturação mental que os induz a respondem com um simples porque sim! ! Uma saída infeliz com a qual pretendem não dar a mão à palmatória seja por já não aguentar mais perguntas ou, mais provável, por ignorar a resposta de uma forma que a criança entenda.
A certa altura a criança encontra outras fontes de consulta, muitas delas erradas e opostas à realidade. Com este recurso, que não tem capacidade cognitiva para contrastar, foge da falta de paciência do adulto que, sem dúvida, tinha a responsabilidade de abrir as primeiras portas do conhecimento.
O mais curioso, ou triste se o pensamento nos levar por aí, é que esta insistência em tentar saber a razão das coisas nos acompanha durante o resto da vida. Presumo, baseado na experiência, que nem todos os humanos especulam sobre os mesmos temas, e que o arquivo de conhecimentos que se foi adquirindo ao longo dos anos se encarrega de responder a dúvidas que, para outros, podem ser vistas como inexplicáveis.

Também neste capítulo de classificar os humanos nos deparamos com a necessidade de os arrumar em prateleiras diferentes. A noção de que todos somos iguais é, além de bela e socialmente positiva, uma das muitas utopias com que sempre nos deparamos e que jamais nos abandonarão. Sendo pragmáticos temos que reconhecer o facto de que nem sequer no momento de nascer existe a tal igualdade, que decretamos pelo facto de nascermos nus, esquecendo, por considerar não ter importância, que os há que nascem com os olhos abertos, outros nascem com cabeleira farta enquanto os há totalmente carecas.

Podemos tentar esquecer a questão do chamado “berço” onde se nasce. Dito de outra forma, do nível económico e cultural onde a natureza nos coloca e que, sem dúvida, pode condicionar a evolução do recém indivíduo. O facto de que existam múltiplos casos, exemplares, de pessoas que foram capazes, pelo seu saber e esforço, de subir os degraus sociais, ou os que perderam ou desprezaram as possibilidades que lhes apresentaram em bandeja, e desceram degraus até níveis de extrema baixeza, não altera a noção de que, estatisticamente, a nudez do nascimento não proporciona a igualdade efectiva para o resto da vida.

Foram bastantes os pensadores, filósofos ou simples desconhecidos, que desde a antiguidade se debateram com a procura de explicações, tanto dos fenómenos físicos, climatológicos, astrais ou matemáticos, entre outros da longa listagem de temas que sempre preocuparam aos mais inquisitivos. Aquilo que podemos dar como certo é que todos os nossos companheiros de viagem no planeta que nos acolhe, melhor ou pior, tem temas que gostariam de ver esclarecidos, sem que o consigam sempre. Muitas dúvidas nos acompanham até o momento em que o coração deixa de bater.

Tinha na ponta da língua enquanto escrevi este texto, a citação pertinente, que depois perdi. Imperdoável! Atendendo a que mais vale tarde do que nunca, aí vai o sãbio pensamento, que não é meu.

já em1637 o filósofo francês RENÉ DESCARTES deixou a frase lapidar Penso, logo existo. Que os latinistas traduzem por Cogito ergo sum.

Uma máxima valiosa que corrabora o que esteve no fim do meu escrito quando afirmei que as dúvidas de cada um só terminam quando morremos. O que não onsta a que outros as façam suas e insistam na procurada resposta.


(1) não confundir com elefantes, pois estes reconhecemos que sabem muitas coisas. Os que vivem em liberdade conhecem o que lhes convém, e os dominados pelo homem, infelizmente, conheceram coisas dispensáveis, que lhes “ensinaram” com castigos cruéis.

domingo, 21 de maio de 2017

INCOMPATIBILIDADE SELECTIVA



Quem me tenha seguido com atenção, coisa difícil e pouco provável, é capaz de encontrar uma animosidade visceral contra as igrejas e credos que “consolam” a humanidade. O culpado desta noção, que certamente existe, só posso ser eu, apesar de que manifestei, por mais de uma vez, que admito, como facto incontestável, que o homem, desde os seus primórdios de erecto e sapiens, e em consequência de que a sua sapiência não era suficiente para o esclarecer sobre muitíssimas coisas e factos que o deixavam perplexo, procurou explicações esotéricas, fabulosas, numa evolução cada vez mais complexa e alambicada, que ao ser estruturadas por cabeças astutas deram origem às múltiplas religiões. Conceito que abrange desde o animismo mais primário, com os seus bruxos, até as estruturas mais complexas.

Considerando que a mente humana, neste aspecto de como enfrentar, mentalmente, o desconhecido, pouco evoluiu desde que os cavernícolas pintalgavam renas e auroques, mãos, caçadores, e outras figuras simbólicas, com o propósito de assim conseguir uma colaboração fantasiosa para a sua sobrevivência, nos pode deixar bastante perplexos. Não vale a pena imaginar impossíveis, somos lá no fundo, estrutura e mentalmente pouco diferentes dos cromagnhon e neandertais, entre outros. Hoje, um grande, enorme, sector da sociedade civil mantêm esta propensão a acreditar em explicações, favores, sucessos e consolos que só existem nas suas mentes. É assim e não há volta a dar.

Então cabe perguntar: Se reconheço esta necessidade ou o quase inevitável arrastamento por hábitos ancestrais, porque repudiar algo que admito ser quase que instintivo? A resposta está precisamente no “quase”, pois temos que admitir a existência de estruturas, bem montadas e melhor oleadas, com diferentes nomes “comerciais”, que se encarregam de manter agarrados os espíritos mais débeis, mesmo que carreguem, orgulhosamente, com títulos académicos e presumam de intelectualidade. Os convertem em adictos fieis dos protocolos. Neste sector temos que incluir aqueles que, no fundo, se mostram como fieis mas estão movidos por interesses mais terrenos do que celestiais. E são muitos!

Pessoalmente, tenho consideração e respeito pelos membros do chamado baixo clero, (1) apesar de saber que são os peões de brega (termo do léxico tauromáquico) da estrutura da Igreja. Sempre, ou quase sempre, me dei bem com estas pessoas que valorizo como equiparáveis a profissionais de outros sectores necessários para o funcionamento da sociedade. Sem dúvida, são eles que convivem e consolam, dentro das suas possibilidades e capacidades, a quem os procura. São eles os que cumprem a principal função social neste campo das carências mentais. Por esta razão não só mantive longos diálogos com alguns membros do baixo clero como, inclusive, os sentei na nossa mesa para partilhar, irmãmente, refeições descomprometidas.

O mesmo não posso dizer para os elementos que estão integrados na pirâmide estrutural do médio e alto clero. Pois que é neste sector que se promove o fanatismo, o obscurantismo, e se incita a transferência de bens terrenos para seu proveito. Claro que aqui, tal como as rémoras que acompanham os tubarões, desejosos de partilhar os restos do festim; alguns dos que iniciaram o seu percurso no tal de baixo clero, até conseguem subir degraus na hierarquia, o que mostra o afastados que, de facto, se colocaram daquele povo que deveriam servir.


(1) O baixo clero era constituído por sacerdotes e diáconos, que muitas vezes eram oriundos de famílias pobres. (definição retirada da bibliografia)

sábado, 20 de maio de 2017

É DESMORALIZADOR


Ter como opção prioritária a verdade, que tantas e tantas vezes os outros se esforçam por esconder, conduz a regular a nossa bússola, para aquele comportamento que denominamos de pragmatismo mesmo reconhecendo que esta convicção pessoal é propícia a nos afastar dos tão valorizados benefícios sociais, políticos ou económicos

Uma definição, que é dupla, pois que não partiram ambas da mesma fonte, e que recolhi no intuito de não tentar definir-me e assim evitar o risco de me empoleirar numa valorização desmedida, dizem:

Ser partidário do pragmatismo é ser prático, ser pragmático, ser realista. Aquele que não faz rodeio, que tem seus objectivos bem definidos, que considera o valor práctico como critério da verdade.

Ser pragmático é ter seus objectivos bem definidos, é fugir do improviso, é se basear no conceito de que as ideias e actos só são verdadeiros se servirem para a solução imediata de seus problemas.

É pertinente, por ter experiência pessoal, que seguir esta regra de conduta e mais quando nos atrevemos a manifestar as nossas deduções a terceiros, traz mais problemas, rejeições, agruras, abandonos, concretamente repúdio, do que amizades de peito aberto. A sociedade em que vivemos, caso não quisermos alargar ao termo mais correcto “o mundo”, vive e convive satisfactoriamente com a falsidade.

Os membros da sociedade, vistos no seu conjunto impessoal, podem desconfiar, ou mesmo saber de fonte segura, que muitas das afirmações e convicções com que nos querem cativar, sem pausa, e com diversas origens, não passam de mentiras hipocritamente defendidas. Podem mesmo admitir, de boca fechada, que muito do que é base dos fanatismos não passa de uma tramoia que esconde interesses, não só económicos como de manipulação cruel e e abjecta.


Mas, seja qual for o motivo que leva as pessoas a participar ou consentir nestas burdas manipulações, o que sucede é que, cinicamente, a maioria opta por não apresentar aos outros as suas conclusões. FAZEM BEM, se atendermos a que o mostrar-se sincero e pior se, sentir a pretensão de ser educador, dentro das suas limitadas capacidades, os colocaria num gólgota, equivalente ao que levaram a Jesus. Não tão metafórico como levianamente se pode imaginar.

terça-feira, 16 de maio de 2017

APESAR DE EVIDENTE



Periodicamente, quase que quotidianamente, são-me endereçados propostas de amizade, que, caso não tenha entendido mal ou levianamente, bastava clicar no “aceito” para imediatamente entrar nas listas. Simplesmente e por sistema não me inscrevo em listas de nomes que não conheço ou de quem não recordo ter mantido uma conversa, mesmo que curta e incolora, inodora e insípida, que nos garantisse um mínimo de afinidade.

Deduzo, sem esforço, que esta minha atitude, acrescentada às possíveis incompatibilidades que devo ter gerado ao longo dos anos, me proporcionou uma imagem de animal retraído, insocial e até de vaidoso, adepto no menosprezar e até desconsiderar os outros cidadãos. Negando a possibilidade de congeminar e inclusive de atingir um nível de comunicação frutuoso.

Lamento que possa dar esta imagem de mim mesmo, embora, por difícil que possa parecer a quem não me conhece, sou comunicador impulsivo, opinante sem remédio e até com uma veia humorística que nem sempre é bem aceite pelos intrinsecamente sérios (uma seriedade que não implica deixar de ser uns malandros ou vigaristas)

Há anos, muitos, em que me castigo pela minha imaginária barreira. A tal que afasta aqueles que me procuram sem me conhecer, ou mesmo os que me conhecem e detestam. Mas não considero aceitáveis estas propostas “a la minute”, que, em geral, não merecem confiança.

Daí que o caminho que entendo ser pertinente, sem que tenha ilusões de que o seja trilhado por alguém, deve ser mais directo. Por exemplo colocando no espaço de comentários uma curta mensagem que possibilite abrir um contacto, possivelmente por via de correio eletrónico.


O tal facebook não se recomenda. É um ninho de fofoquices e vaidades sem sentido; poucas notícias correctas se podem encontrar, no meio de muito lixo. Desculpem se ofendi ou insultei aos fervorosos adeptos desta rede de comunicação. Mas tenho direito a ter uma opinião pessoal.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

OS FFF

OS FFF

Com Fé, Paciência e Caridade aguardemos que a euforia destes dias passe, e se possa esperar que entre uma dose, mesmo que pequena, de racionalidade nalgumas cabeças que andam por aí dominadas pelo obscurantismo militante. O rifoneiro nos assegura que O TEMPO CORRE E TUDO DESCOBRE, assim como aponta a mira do seu tiro com outra sábia afirmação: O TEMPO ANDA E DESANDA, afirmação que não nos ilusiona muito se a aplicarmos ao comportamento de muitos humanos, que deixam bastante a desejar quanto à sua humanidade.

Felizmente Copérnico, apesar de ter sofrido ignominiosamente por parte do obscurantismo militante, vimos como venceram as suas ideias, fruto do seu persistente estudo científico, venceram, não por graça de uma publicidade enganosa mas porque estavam correctas. E as suas descobertas foram uma das bases de muitos avanços científicos, nomeadamente no conhecimento astronómico, que hoje nem os mais conservadores se atrevem a contestar convictamente. Apesar de que insistam em que o sol pode alterar o seu percurso dançando o vira minhoto.

São coisas com as quais não vale a pena perder tempo. Basta admitir que CADA UM COME DO QUE FOI HABITUADO, até o dia em que descobre que existem a seu dispor manjares muito mais interessantes e apetitosos.

Os tempos mudaram, mesmo neste canto da Europa. Por mal que pese a quem desejaria poder contar com a Santa Inquisição e com as fogueiras no Terreiro de Paço, já nos habituamos a poder pensar e opinar com liberdade, sempre que respeitemos os preceitos que outros preferem.

E, só tememos a reversibilidade desta liberdade de pensamento e expressão quando vemos surgir rebentos daquilo que, os cidadãos evoluídos, consideramos como ervas daninhas, sem nos deixar cativar pela cabeleiras pintalgadas de amarelo. Este disfarce de loiro não nos comove, pois recordamos que tanto Hitler como Mussolini e Franco, ou mesmo o menos extremista Salazar, não optaram por esconder a cor do seu cabelo. De facto Mussolini decidiu, como alguns contemporâneos nossos fazem, exibir a sua careca com orgulho e desfaçatez, era um dos seus adereços para a sua teatralidade mais próprio de um palhaço do que de um líder que se devia valorizar como sério. O que não o impedia de atemorizar as pessoas de bem, incluídos os que militavam no caminho do comunismo, que se mostrou ser tão ditatorial e cruel como aquele que tentavam derrubar.


Como seja que o sol nasce para todos, sem distinção, deve-se reconhecer que mesmo admitindo que existem duas opções opostas, uns adeptos aos FFF e outros pelo menos indiferentes, não se confrontam entre si, ao contrário do que praticam as claques obcecadas e incitadas para a violência animal. Nesta atitude de deixar que cada um proceda como entender, enquanto não interferir com os outros, é uma das regras básicas da convivência democrática.

sábado, 13 de maio de 2017

VIDAS PARALELAS



Plutarco foi o filósofo e escritor greco-romano que entre os séculos I e II desta era, colocou este título na literatura universal ao escrever e agrupar biografias de personagens célebres, inclusive de algumas lendárias, estudando-as sempre aos pares. Salientando paralelismos e disparidades. Um esquema que se manteve vigente até os nossos dias, tanto no aspecto estritamente biográfico como para ressaltar comportamentos, nem sempre correctos.

Seja como for surgem, na vida de cada um de nós, situações com disparidades evidentes. Daí que se enfrentem duas, ou mais, opções, paralelas ou divergentes. Assim sendo podemos admitir que temos,tivemos ou teremos, duas vidas paralelas, ou divergentes, à nossa frente. Após ter seleccionado um dos caminhos possíveis considera-se que o aquele menosprezado não desaparece por completo. Continua presente na mente de quem optou por outro caminho. Na especulação comportamental diz-se que entre a opção A e a B, após ter decidido a escolha, fica virtual a presença do que se rejeitou, pelo menos durante um tempo. E até com a possibilidade de reaparecer com uma força mental intensa, sangrenta se aceitarmos a imagem, se as condições se propiciarem.

O pensamento, nem que seja em sonhos, não pode ser comandado pela racionalidade. É dono e senhor da nossa mente, por muito que tal nos incomode.

Uma dualidade mental que, sem ser pertinente, há quem confunda com o termo binário. Confusão que é mais pertinente na língua italiana uma vez que é com este termo que se identificam as linhas do caminho de ferro. Que, essencialmente são duas paralelas que, como tais, jamais se podem encontrar. Apesar de que graças à mecânica aplicada nas agulhas permite desviar o percurso das composições de umas paralelas para outras.

Recordemos a existência de termos linguísticos que, sendo muito parecidos ou mesmo idênticos nas suas grafias, correspondem a conceitos ou objectos muito diferentes entre um idioma e outro. Por esta razão estas palavras com duplicidade interpretativa são chamados de falsos amigos. Pelo facto de que constituem armadilhas difíceis de escapar para os tradutores pouco experientes no domínio da língua que se comprometeram a traduzir correctamente. O leitor que conhece profundamente a língua original da obra não necessita de a consultar para notar que ali se aplicou uma tradução por atrevimento ou desconhecimento; falta que normalmente provoca a gargalhada fácil.

Precisamente a palavra binário tem uma definição na física e na astronomia muito precisa, que difere do que a população em geral admite como certa. Concretamente nada tem a ver com as vias do comboio, pois corresponde a um sistema de forças paralelas, practicamente com a mesma intensidade, mas cujos vectores estão em sentidos opostos. Em mecânica podem estar ligadas a um eixo e girarem conjuntamente, como sucedia no comando automático de turbinas acionadas por vapor ou outro fluido passível de ser utilizado como força motriz. Nas locomotivas a vapor este regulador, de binário, estava alojado numa campânula sita entre a chaminé e a cabine do condutor e carvoeiro.

Em astronomia referem-se muitos pares de corpos celestes, sejam estrelas ou sóis, que giram eternamente ao redor de um eixo, inexistente fisicamente, mas que resulta da conjunção da atracção e repulsão mútua entre os dois astros, e do vector que corresponde ao impulso da velocidade que já auferiam antes de se emparelharem.



Este escrito, por ter sido interrompido em demasiadas ocasiões, e por isso ter-se quebrado o fio condutor do esquema argumental, ficou demasiado atrapalhado, mesmo trapalhão. Merecia ser apagado da memória e jamais ser editado. Teve um indulto por estamos em tempo de crise, mesmo que encoberta, e por isso sentir que é válido o sentimento de aproveitar a energia e interesse aplicado, mesmo que o resultado seja deplorável.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

HÁ DIAS E DIAS



Assim como ainda existem “mulheres a dias”, a horas ou ajudantes técnicas para limpezas em tempo parcial. Isso sem referir as muitas damas, e “carvalhelhos” (?) que prestam os seus corpos para actividades naturais mas, falsamente, mal vistas pelos cidadãos, que se auto-qualificam como normais e cumpridores.

Muitas destas considerações sociais foram alteradas quando se deu o estatuto legal de que existem as variantes, que sempre estiveram presentes e activas, mas tacitamente toleradas enquanto se fingia que não se dava por elas. Hoje saltaram para a ribalta sem inibição, mesmo com descaramento, inclusive provocatório. É uma das frutas do tempo, incluída no rol das grandes bananas da chiquita, incongruência que nos leva a pensar que esta marca devia ser exclusiva das produzidas na Madeira do Ronaldo. E não quero referir a denúncia da má língua, sempre disposta a difamar, acerca do tamanho do pedúnculo do busto. Haja respeito e pudor.

Pois bem, indo ao que íamos.

Tal como deve acontecer a muitos mortais em certos dias, mesmo ao acordar de uma noite que deveria ter sido repousante, sentimos que estamos virados do avesso, o mau humor, a falta de paciência, o rejeitar manter uma atitude onde prevaleça a falsidade do politicamente correcto, e outras atitudes que se encaixam em nos dar uma vida social e comunitária ilusória, dissimulada e mais alguns sinónimos. São dias em que o instinto nos pressiona a partir a loiça, e nem sequer nos oferecemos a possibilidade, posterior, de poder começar de novo. Admito que uma estado anímico deste género deve estar, quase sempre, presente nos que, coerentes, decidem optar pelo suicídio. No que me atange não estou, por enquanto, nesta fase.

Todavia, complementarmente ao que imagino pode passar pela mente do suicida, penso que o cidadão em questão deve ter muita coragem, ter os tomates bem carregados, a transbordar. Não sei qual o órgão equivalente nas mulheres, pois que se fossem os ovários não haveria suicidas depois da menopausa. Portanto esta noção de dar uma importância máxima aos testículos não passa de um sintoma do egoísmo exacerbado dos machos.

De qualquer modo e mesmo sabendo as causas que me conduziram, cumulativamente, à crispação mental que se apoderou do meu espírito, certamente que maligno e detestável, sinto um grande alívio pelo facto de me libertar da necessidade “social” de ter que fingir que não avalio, como de facto avalio, o comportamento de certas e determinadas pessoas. Sentir que a minha vontade para dedicar amizade, com a predisposição de esquecer as incompatibilidades, é arrasada uma e outra vez, numa continuidade difícil de observar e até de desculpar.

Desculpar as ideias de cada um, sempre e tanto que as reservem para si mesmos e se inibam de as vociferar provocatóriamente aos quatro ventos, com uma agressividade intolerável entre pessoas que se admite serem educadas (há educação boa, má e péssima, além da falta absoluta) é uma obrigação que todos temos. Obrigação imposta pelo facto de estar no seio da sociedade onde temos que caber todos. Quem não quiser modular o seu comportamento deveria isolar-se no topo de um monte e tornar-se eremita convicto, e ali moer o seu fígado sem estragar o dos outros.


É evidente que além das circunstâncias pessoais, que nos podem conduzir a um estado de ânimo de quase desespero, podíamos tentar fazer uma compilação de factores, sem ligação imediata entre si, e chegar a uma espécie de relatório, com alíneas e títulos intermédios destacáveis. Não me sinto com capacidade nem vontade para estudar o que outros já destrinçaram anteriormente. Basta-me, com pesar, o declarar que estou virado do avesso.

terça-feira, 9 de maio de 2017

NÃO ERA UM DILEMA



Como se verificou após a contagem dos votos da segunda volta das eleições presidenciais francesas, aquilo que para os menos dispostos a meditar era apresentado como uma escolha entre mau e pior, não tinha cabimento.

Para já o facto de terem ficado como finalistas, após a primeira volta, um partido sem história e personificado por um jovem, considerado como sem experiência de governação, e para mais formado no seio do grande capital, e daí que visto como sendo o representante do capitalismo tão odiado por um importante sector da sociedade francesa, é valorizar as coisas de uma forma excessivamente simplista. Além de que foi a população que, no uso das suas prerrogativas democráticas, dispersaram os votos de uma forma que só poderia beneficiar a tal Frente Nacional, proto-fascista.

Aqueles cidadãos que, como mal menor, optaram pelo voto em branco ou nulo, por rejeitar a abstenção, mas que não se viam como adeptos a nenhum dos finalistas, pertencem ao universo geral dos seguidores do consumismo -que igualmente criticam da boca para fora- se bem que procuram justificar a sua atitude de adesão pelo facto de não existir uma opção válida. Complementarmente deveriam meditar no facto de que, seja qual for o governo que se forme após as eleições parlamentares, fatalmente terão que se apoiar com as entidades que dispõem dos meios económicos de que carecem. Ou seja, queiram ou não, o capitalismo estará presente e decidirá.

Sabem, ou deveriam saber, que a opção da Frente Nacional, criada e orientada pela família Le Pen, assumidamente vocacionada para os extremismos que foram a base dos fascismos europeus do século passado, não teria capacidade para alterar, positivamente, os factores que atualmente condicionam a vida económica e de trabalho de uma fracção considerável da população.

A hipótese que a FN apresentou reiteradamente de sair da Comunidade Europeia, da Globalização e da moeda única, implicaria dificuldades de tal magnitude que só seria factível após um cataclismo, uma guerra destrutiva que afectasse não só as pessoas como os bens imóveis e de produção. É o sonho destes regimes: poder começar de novo. Hipótese que não se pode considerar como interessante depois das décadas de paz que gozou o Ocidente.

Com problemas sociais semelhantes aos da actualidade é que os demagogos dos partidos de extrema direita conseguiram convencer as populações, em situação de desespero, não só a aderir ás suas doutrinas como a lhes darem todos os poderes para preparar conflitos bélicos, entrarem neles com convicção de sarem vencedores, e destruir o que existia para instalar a sua nova ordem. Só que, como recordamos, apesar de estarem apoiados pelo grande capital, estes mesmos “sócios” eram, igualmente, a base económica dos opositores. Podemos dizer que o capitalismo ganhou nos dois lados do tabuleiro. Quem perdeu foi a maioria da população,os que se viram imersos nos conflitos sem hipóteses de agir.


O que se decidia nas eleições francesas é simples. Entregar o poder a representantes do capitalismo, sempre presente, ou optar pelo partido que pertencia, ideologicamente, aos que destruíram a Europa a partir dos anos '30. A escolha, quase que inevitável, tem a vantagem de que, passado o período de vigência do eleito, sempre seria possível, pelo recurso a novo processo eleitoral, não só mudar as caras como, mais importante, conseguir uma modulação positiva das políticas. Pelo contrário, entregar o poder a um partido da extrema direita, ou esquerda pois que neste aspecto são iguais, tem o perigo de ambos estarem vocacionados, e fatalmente activos, no sentido de alterar toda a legislação democrática a fim de perpetuarem o seu poder.

domingo, 7 de maio de 2017

SOMOS SEMELHANTES



Antes que se façam as contagens, e escrevo quando já estão activas as assembleias de voto francesas, aproveitei o período de vigília pré-matutino para tentar colocar em ordem as impressões que, ao longo de semanas, e especialmente depois da primeira volta, fui ouvindo e lendo. Arquivei mentalmente, sem tomar notas escritas, e tentei fazer extrapolações com a nossa sociedade.

É evidente que existem facetas próprias nas que diferimos com maior ou menor distância. Isso não impede que se sinta uma notável distância social entre os citadinos e os residentes nos meios rurais. O distanciamento social entre estes dois grandes grupos sociais não fica restrito às capitais nacionais, mas também se foi instalando nas cidades de província, onde na maioria delas se verificou um crescimento demográfico inusitado. Consequência da sedução das urbes, por nelas existirem possibilidades de trabalho ou negócio, principalmente no sector terciário, que deixaram de ser interessantes nos pequenos núcleos urbanos.

São elucidativos e merecedores de reflexão, os mapas onde se apresentam a distribuição dos votos, não só pelos partidos que escolhem mas, também e com uma importância a não descurar, os quadros que mostram estas escolhas agrupando os votantes em faixas etárias, nível de estudos alcançado ou, com a ligação evidente, com as remunerações conseguidas.

São todos estes elementos estatísticos, complementares às estatísticas gerais sobre a população, que fornecem dados muito importantes para entender as razões que separam as crenças, preferências e comportamento entre citadinos e provincianos. Dois sectores francamente em posições diametralmente opostas. Parece que não andam no mesmo mundo.

Lá, como cá, o comportamento das pessoas ligadas ao campo, é notoriamente menos actualizado para a época em que nos encontramos. Numa visão simplista podemos considerar que é menos racional. Afirmação errada, ou defeituosa por não sentir as justificações próprias que os comandam.

Numa tentativa de simplificar pode-se abordar esta disparidade social com a distância que existe entre proprietários e assalariados, ou a velha classificação de uns estarem no sector primário e os outros no terciário. Cada um destes sectores abrange estatutos diferentes, mas o que os une é que uns consomem, na mesa de refeição, produtos que vieram do outro sector, incluídos aqueles que sofreram processos industrias antes de chegar ao consumidor final.

A luta histórica entre os latifundiários e os mini-proprietários foi-se esbatendo quando por um lado se iniciou o êxodo dos familiares que excediam a capacidade de subsistir “condignamente” nas pequenas parcelas de terreno de que dispunham, pressionados pelo nível de ilustração que as novas gerações foram conseguindo. E também porque algumas grandes propriedades foram sendo retalhadas por motivações diversas. Mas existem pontos, importantes, em que grandes e pequenos estão sintonizados.

A xenofobia que é explorada pelos representantes da direita mais extrema tem como base fundamental, nunca referenciada, a atávica noção de que só querem ter accesso a uma bolsa de mão de obra quando seja estritamente imprescindível. No seu foro íntimo continuam a ver estas pessoas como ganhões, servos sem ligação certa e sempre afastados do seu núcleo familiar.

Podem aceitar forasteiros, residentes, quando estes se encarregam de tarefas manuais que deixaram de ser interessantes para os naturais. Estes, enquanto cumprirem o seu trabalho de modo satisfatório para quem lhes paga, podem ir ganhando o estatuto de assimilados. Mas, os da velha guarda, os proprietários “de toda a vida” continuam a ser muito ciosos da sua importância. Daí que sempre votam para os conservadores, e, como sucederá hoje e se verificou na primeira volta, desejarão colocar no topo da hierarquia aquele que lhes prometa, ou insinue, que não acolherá forasteiros “ás nossas custas”, e que expulsará os faltosos, sem delongas.

Os citadinos, habituados a conviver, nem que seja só visualmente e nas ruas, com gentes originárias de todo o globo, ou quase, aceitam a presença de estranhos. A sua luta diária está restrita ás capacidades e possibilidades de progredir economicamente e socialmente no meio em que se movem. As suas opções partidárias são mais dispersas, pelo menos quando se lhe apresenta um amplo leque onde poder escolher. Mesmo aqueles que, não sendo anímicamente uns obcecados pelas doutrinas extremistas, concretamente da direita xenófoba e agressiva, podem estar descontentes pela presença de estrangeiros incómodos ou mesmo potencialmente perigosos.

Resumindo: nas zonas eminentemente rurais as doutrinas socialistas tem pouca receptabilidade, excepto quando ali se instalou um núcleo industrial que dé trabalho a um número considerável de cidadãos.


Outro factor de peso que contribui ao conservadorismo provinciano, e no qual propositadamente não vou entrar, é o da religiosidade convicta, ou de hábito, versus a tendência ao ateísmo ou a uma menor dependência das normas da Igreja. Situação que se notou estar em aumento entre a população das cidades. A invasão de muçulmanos pode ocasionar uma modificação desta evolução “libertária”.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

OLHAMOS E NÃO VEMOS


Mais vergonhoso até, pois olhamos, ouvimos, sabemos e desviamos a atenção enquanto assobiamos, nem que seja metafóricamente. Com estas atitudes, desprezando os reiterados avisos que nos são dados acerca da destruição do ambiente em que no sentimos tão agradados, mesmo satisfeitos, com as benesses envenenadas que nos proporciona, obviamente pagando, a brilhante sociedade de consumo.

Hoje apareceu noticiado nalguns dos jornais diários, com uma unanimidade pouco habitual dada a seriedade da denúncia, a notícia, de agência, que diz em resumo: Foram analisadas várias amostras de sal de cozinha com o propósito de verificar se as inevitáveis impurezas detectadas eram, potencialmente, prejudiciais para a nossa saúde. Viram que em quase todas as havia partículas de matérias plásticas.

Ou seja, não nos basta saber que os animais confundem os plásticos que invadem o seu ambiente, e os ingerem, com consequências fatais. E que inclusive aquelas embalagens que nos anunciam ser biodegradáveis nunca ultrapassam de ficar reduzidos a partículas mais ou menos grosseiras, sem que a estrutura sintética desapareça totalmente.

Até aqui podem ter lido como mais um aviso de um lunático que teima em prever o futuro tenebroso, o maremoto, a subida do nível das águas do mar, o aquecimento global, o degelo das calotes polares, etc. Já ouvimos tantas vezes estes alarmes que, tal como sucede na história do Pedro e o Lobo, não ligamos nada.

PIOR DO QUE NÃO LIGAR É O COLABORAR.

Na nossa casa, onde residimos dois velhos, sem grandes necessidades nem excessiva vocação para cair no consumismo, que confesso ser muito difícil resistir, encarrego-me de separar as embalagens de plástico, num grande saco que, semanalmente, vou descarregar no contentor existente num espaço escolhido pela entidade que decide e que implica percorrer uns 500 metros com três sacas: uma com as embalagens, outra com papel e cartão e ainda outra com frascos e garrafas de vidro. É notável o volume e peso que dois velhos conseguem acumular em poucos dias!

Pensar que com esta recolha e entrega estamos livres de responsabilidades é uma ilusão sem fundamento. Induzida pelos que comandam o consumo. Sabe-se que, as centrais de tratamento de lixo, não conseguem seleccionar e empacotar todo o material que lhes chega. O excedente vai, sem problemas de consciência ecológica, com destino a ser incinerado, a um dos chamados aterros sanitários (que equivale a esconder o lixo para debaixo do tapete), ser enviado para países onde, pagando, aceitam acolher o lixo dos outros, ou outra não solução de deitar tudo para o mar, como se a água salgada fosse o esgoto onde tudo pode ser lançado. Também existe a solução, pessoal e incívica de largar as embalagens em qualquer lado, seja na cidade ou no campo e praia.

Dar uma volta num super ou hiper nos dá a ideia de como somos manipulados, não só para consumir como para aderir, satisfeitos, à distribuição de tudo aquilo que, anteriormente, se comprava a granel agora “devidamente embalado” em recipientes estudados por desenhadores, sempre tentando ser originais com o que eu chamo de “variações à guitarra”. Já não existem taras a devolver, reutilizáveis. Mesmo os produtos vegetais, hortícolas ou frutícolas, quando não estão previamente doseados e marcados com o seu preço, nos são entregues em sacos de plástico, que quase sempre irão para para o lixo doméstico.

A solução, mais aparente do que efectiva, de nos venderem umas modernas alcofas, de plástico, a fim de evitar os sacos, sempre com a publicidade da casa, onde se reuniam as peças depois de passar pela caixa, não resolve minimamente o problema. E os cidadãos estão tão viciados no esquema imposto que nem sequer pensam numa possível alternativa.

Apesar de saber que o comprador final: nós todos, é quem paga as embalagens que deitamos fora, os governantes, caso tenham um mínimo de consciência ambiental, deveriam penalizar, fortemente, as vendas com embalagens não recuperáveis, logo no produtor, armazenista ou embalador. Cada embalagem deveria ser fortemente taxada em origem. O cliente final, que sempre pagaria este aumento de custos, clamaria aos céus, e exigiria aumentos de salários para poder continuar no seu ritmo de compras. Mas poderia repercutir num decréscimo do consumismo. Nesta altura não parece ser factível, a não ser indirectamente, ao estilo do “poluidor pagador”.


As únicas embalagens, não aceites na devolução, que admito ter um reciclado importante são as garrafas de vidro e as latas de alumínio, porque ambas são novas matérias primas valorizáveis. Mas, por exemplo, aqueles simpáticos pacotes de leite, que destino podem ter, além de serem triturados, queimados ou enterrados?

quarta-feira, 3 de maio de 2017

A INFANCIA NOS MARCA



Damos como certo que as primeiras impressões que recebemos, depois de nascer, mesmo que hoje também se admita que muito se fixa enquanto permanecemos no ventre materno, atribuímos as memórias de infância a factos que damos como vividos pessoalmente. É muito provável que uma parcela importante destas memórias foram moldadas pelo que, ao longo da convivência com os familiares, fomos ouvindo e acrescentando.

No que me respeita as memórias da infância cada vez surgem com mais intensidade. Deve ser coisa clássica nos que chegam à velhice e ainda conseguem comunicar sem se babar e ter a cabeça de lado. FIGAS CANHOTO.

Uma das situações que recordo, com suma tristeza e congoxa, é a longa fase que a população vencida passou, depois da vitória das forças multi-mixtas sob a bandeira da cruzada contra o comunismo. A população desprotegida, entendendo como tal as pessoas que não constavam nas listas dos aceites como partidários do governo que se impôs pela força das armas enquanto durou a contenda e depois com a repressão despiedada. Faltava a água nas torneiras. As horas com que se podia usar a energia eléctrica eram poucas e incertas. Socorrer-se de velas era um problema,pois o que estava à venda não tinham estearina e muito menos cera; eram de um sebo que deitava fumo e mau cheiro. Era preferível a luz de chama de carbureto, libertava gás acetileno com chama viva e fortemente luminosa. Recordo, ou imagino recordar, o seu cheiro adocicado, para mim agradável

À falta de liberdade sobrepuseram a escassez de bens essenciais, principalmente na alimentação mais básica. Organizaram um racionamento, sumamente escasso e que proporcionava, sem uma possível previsão e muito menos a garantia de servir os mínimos, alimentos de ínfima categoria. Grassaram todas as doenças derivadas da carência alimentar e higiénica, principalmente a tuberculose, a sarna e outras doenças da pele.

Poucos anos atrás uma escritora, por acaso da Catalunha, escreveu um romance-denúncia do negro passado, com o título, bem explícito Molta roba i poc sabó (muita roupa e pouco sabão). Quem viveu aquele período sendo adulto, e principalmente se dona de casa, recorda que havia escassez de sabão e quando surgia a possibilidade de o adquirir com a caderneta na mão, era, pelo que ouvia da minha mãe, uma coisa pastosa escura, quase negra, que mais sujava do que lavava. Feita com uma gordura desconhecida, possivelmente sebos que nunca se utilizaram na indústria de sabão, e sem o álcali que garantisse a saponificação.

Toda a lista de produtos que se punham à venda, em quantidades estipuladas e inamovíveis, seguiam o mesmo critério: o pão, quando havia, era negro, como se feito com barreduras e farinha de alfarrobas ou cereais inhabituais; o azeite era também um líquido negro, infecto. Arroz e legumes, nomeadamente grão de bico, implicava uma tarefa de escolha que dava trabalho a todos os que estavam na casa; as pedras e grãos a rejeitar deixavam a porção que entregavam reduzida a quase a metade.

Em compensação não era raro que incluíssem proteínas animais, caso não se importassem de comer os gorgulhos. Feijão era coisa rara e só uma importação de uns feijões pequenos, amarelos enviados da Argentina, podiam dar um ar de comer leguminosas.

Apesar deste panorama “oficial” existia o sistema “oficioso” onde não faltava nada. Aquilo que por cá se chamou de candonga, ou mercado paralelo e escondido, ali era conhecido por estraperlo, e muitos dos fornecedores “clandestinos” eram familiares dos guardas que se encarregavam de confiscar os bens que os transportavam desde o ponto de origem até a zona que se propunham abastecer.

Uma situação penosa que não afligia a quem tinha poder e dinheiro. Estes não tinham falta de nada. Como assim?

O cerne do problema não estava na agricultura, pois os camponeses, com esforço e seus braços ou algum animal que tivesse escapado com vida, produziam aquilo que poderia ser suficiente para abastecer a população espanhola de então. Mas... o vencedor tinha uma enorme dívida de guerra com a Alemanha e Itália, e logo que as tropas franquistas iam conquistando terreno requisitavam a produção agrícola para a enviar aos que estavam metidos na segunda guerra mundial; possivelmente dando melhor e maior atenção às necessidades do exército alemão. De onde se entende que aquilo que restava para a população, culpada de perder a guerra, nem sequer era próprio para alimentar animais.


Detalhes sem importância, mas que ressurgem com nitidez na memória de um velho.