quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O FADO QUE SE CANTA HOJE



Desde meados do século passado, quando a importância que o fado adquiriu através da publicidade pró-turismo, e mais adiante para o converter em mais um dos assuntos premiados com a chancela de Patrimônio Mundial este cantar, que sem dúvida teve a sua origem, tal como o tango argentino, nas tabernas populares, castiças, frequentadas inicialmente pelos residentes próximos, entre os quais é sabido que proliferaram chulos, prostitutos, vadios, gatunos e inclusive honrados profissionais, principalmente artesãos e operários de construção civil, marujos e estivadores.

Incitados pelo risco de penetrar nos antros da “má fama” surgiram os atrevidos marialvas, que além de fingir que quebravam os tabus da sua classe também procuravam ganhar galões, como conquistadores e malandrecos, caso a sua lábia e a sua bolsa lhes proporcionassem um convívio carnal, esporádico ou com alguma duração, com alguma das fadistas que estavam no topo das preferências da clientela.

Não vivi os tempos da vadiagem extrema, identificada com o bairro alto e mouraria, embora em alfama e outros pontos da Lisboa antiga, as chamadas casas de fado proliferaram como cogumelos. Mas sou do tempo dos grandes nomes que já pediram meças com o cinema. Recordo não só a Amália Rodrigues, como a Hermínia Silva, a Beatriz da Conceição, Lucília do Carmo, Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, João da Câmara, João Braga, Maria Teresa de Noronha, e bastantes mais que lamento não ter o nome presente.

Já no repertório da insigne Amália, e no intuito de descarregar o ambiente triste e lamentoso do fado castiço, especialmente o considerado fado menor, introduziu números de fado-canção, e inclusive algumas espanholadas, como os famosos caracolitos, e algum texto em francês. A Amália mostrou-se uma mulher capacitada para progredir e exímia poliglota.

Dando um salto para a actualidade não consigo dar atenção à maior parte dos artistas que dizem cantar o fado. Em especial a maior parte das meninas que aparecem na televisão e nos palcos onde as contratam com letras e melodias, ou arpejos, que suponha devem levar a ue os fadistas, sérios, do passado e todos falecidos, deem voltas nos seus caixões.


Isto que se canta hoje, ao meu ouvido, como algo abastardado e que comparado com o fado dos anos '50 é como se colocássemos em pé de igualdade uma tipóia com um tuc-tuc.

Sem comentários:

Enviar um comentário