As
limitações podem ser diversas
Na
minha “epístola” (a um desconhecido)
de ontem deixei no ar, mas não no tinteiro como se afirmava um
século atrás, mas sim na mente deste escriba, a ideia de que as
limitações que cada um mostra, mesmo que sem o pretender, nem
sempre podem ser atribuídas a uma cultura deficiente ou de que,
efectivamente, não se tem unhas para tocar guitarra nem viola, ou
mesmo o cavaquinho, que, se não estou errado, toca-se mais com
palheta do que com a unha. Aliás nos dois instrumentos de corda
antes citados, também se encontram intérpretes adeptos da palheta.
E não refiro, exclusivamente,à sua capacidade de palrar e levar o
ouvinte à certa.
Retomando
o tema, suponho que a maioria dos seguidores, -10-12 quando
muito- sabem que são muito frequentes as situações em
que nos sentimos forçados, com pouca ou nenhuma escapatória, a
travar o nosso discurso, nomeadamente quando desconhecemos até onde
se pode chegar, e se todos os -pouco
prováveis- leitores entenderão que não se pretende
molestar ninguém em concreto.
Resumindo:
muito do que não manifestamos abertamente não se deve a que seja
consequência imediata da ignorância supina. Em muitas situações é
uma questão de respeito que nos trava, dado que em comunicação
falada sempre se conta com a noção de que “as palavras as leva o
vento” ou argumentar que não foi bem entendido. Para este
subterfúgio convêm ter em mente uma boa dose de sinónimos e de
palavras com sonorização semelhante, mas significados diferentes.
Muitos
dos travões que o viver em sociedade nos são tacitamente impostos,
reconhecemos que nos castram a verve. Aquele que admita ser o seu
pensamento o mais correcto, e não aceite abdicar do seu julgamento
pessoal, pode deparar-se, de repente, como se estivesse num beco sem
saída.
Então,
cegado a um ponto crítico, tem duas opções: ou deixa de ser ele
mesmo, por não se sentir livre de expressar o que e como pensa sobre
os assuntos que o incitam, e aceita a auto-censura, ou, como opção
única, que toma com muita tristeza, abdica de escrever ou de
conversar. Enclausura-se ou, mais prosaicamente: fecha-se em
copas.
A
situação mais habitual entre os cidadãos é a de, em público ou
em grupos que não considera ser de pessoas confiáveis, passe a ter
a posição da “voz do dono”. Seja verbalmente ou gestualmente
aceita o parecer dominante. Abdica. Ou, se não gostamos desta
qualificação, até certo ponto ofensiva, por ser verdadeira, optar
por falar ou escrever o menos possível. Uma solução que
corresponde a não ter confiança em si próprio, além de não
confiar de olhos fechados nos possíveis seguidores.
Podemos
deduzir, sem grande receio de errar, que a desconfiança para poder
manifestar as suas ideias e convicções sem apreensão, pode
justificar a génese de sociedades secretas, ou restritas a
companheiros confiáveis, comprometidos por meio de cerimónias mais
ou menos esotéricas e muito reservadas.
Deixei,
propositadamente para o fim, o debater o tema das capacidades de cada
pessoa. Não só porque é, de entrada, um assunto melindroso, mas
porque raramente o próprio se dispõe a admitir que a sua cabeça só
está apta para atingir até um certo patamar de conhecimento. A vida
“vivida” nos mostrou que nem tudo se pode cingir à cultura
escolar ou académica, e descurar liminarmente a importância do
quanto se pode adquirir pela observação e análise de muitas
tarefas que, por vaidade, se foram desprezando nas últimas décadas.
Entramos,
sem nos aperceber, no campo da ”ciência infusa”. Do que se
aprendeu sem ser escolásticamente, da que temos tido exemplos ao
ver como um operário experiente, actua de um modo inesperado. Que
nos pode parecer errado, por não se adaptar aos conceitos que se
encontram nos livros. Mas que, depois, se viu darem um bom resultado.
Nestes casos, mais correntes do que se admite, a tarefa do ilustrado
é a de encontrar a explicação científica para aquele proceder
inesperado.
Mas
aquilo onde queria chegar é muito mais simples e, ao mesmo tempo,
mais penoso. Raros são os indivíduos que, sob um critério u outro,
se auto-qualificam como ineptos, inferiores. Mas, estas mesmas
pessoas, quando entram numa conversa descontraída, aceitam a
realidade de que, mesmo entre aqueles que se criaram ao seu lado, uns
captam as ideias mais rapidamente, e conseguem ligar com aparente
facilidade temas aparentemente opostos. Dirão que fulano chega mais
longe do que os outros, ou que, de facto, é muito esperto. Mas que
tal capacidade individual não implica, sem nuances, que os outros
sejam burros.
Até
porque ao burrico, animal desprestigiado, se lhe admitem capacidades
cognitivas superiores às de um cavalo. Por exemplo: um burro sabe
escolher o melhor caminho a seguir, aquele que tem um piso mais
favorável, mesmo que nunca o tenha palmilhado. E por esta razão
quando se usava uma récua para tracção situava-se um burro ágil à
frente e cavalos ou mulas possantes; além de que com o andar miúdo
e rápido do burro, fazia avançar o conjunto mais depressa do que
sem ele.