quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

SENTEM VERGONHA DE SI MESMO ?



Há bastantes exemplos na literatura e na vida real de pessoas que se afirma terem vendido a alma ao diabo. A personagem mais famosa nesta temática, no âmbito da literatura, é sem dúvida Fausto de Goette. Mas se procurarmos referências de pessoas reais de quem se afirma terem feito tais pactos podemos conseguir uma lista bastante numerosa. Entre elas citam-se Baudelaire e Paganini.

Sendo eu céptico por natureza, estas afirmações as interpreto como tendo origem em perturbações mentais ou na desvergonhada procura de fama, utilizando a crendice do público para os temas esotéricos.

Para neutralizar esta tendência para o ocultismo e o inexplicável , a história recente nos proporcionam as afirmações de um Papa, nosso contemporâneo, que solenemente declarou não se poder continuar a insistir na existência do tão famoso inferno. Creio recordar que disse mais: não existia como tal, em profundas masmorras no interior da Terra. Mas de facto o imaginado inferno nos acompanhava constantemente, fosse qual fosse o local onde nos encontrássemos. Que dávamos pelos seus efeitos mas não podíamos ver os seus activistas, os diabos.

Chegados a este ponto, e por arrastamento lógico, se não existem as labaredas eternas, os panelões (ao estilo dos jacuzzi para vários utentes) onde guisar eternamente os pecadores empedernidos, e outras muitas mais torturas, descritas durante séculos pelos pregadores que atemorizavam os crentes, insistindo em que estes castigos eram infligidas com pertinaz diligência pelos servidores do Averno, então tampouco devem existir os diabos. Também lembro, sem poder fornecer a data -que por outro lado não interessa- nos tinham elucidado de que tanto o limbo como o purgatório eram uma espécie de figuras de estilo.

Claro que os sectores mais conservadores da Igreja, sempre ciosos de nos afastar das tentações -pelo menos dos mais pobres e indefesos. Ao estilo do que se afirma, com razão, que tudo aquilo que sabe bem faz mal ou é pecado- não demoraram em declarar que discordavam. Sempre com argumentos de peso. No mínimo devem ter dito que estas afirmações papais deveram-se a momentos de fraqueza mental de algum pontífice. Dedução compreensível e aceitável sem reservas se lembrarmos as descrições, inclusive pictóricas, nas que se refere como também Santo Antão -o das chouriças e febras assadas. Orago dos animais domésticos- foi insistentemente sujeito a todas as tentações, inclusive as lúbricas, por parte de Satanás (não confundir com Santana, pois este está noutro filme)

Mas o que aqui pretendia era que atendêssemos às tentações para vender o próprio ego, a personalidade mais interior, em troco de bens materiais ou sinecuras. No Antigo Testamento já se denuncia, com uma parábola pouco agressiva, aquel morgado que trocou a sua posição no seio da família por um prato de lentilhas. Propositadamente quem elaborou esta fábula mostrou uma manifesta disparidade de valores, que não justificavam a permuta.

A mensagem, como acontece sempre nas fábulas e anexins, não se limita ao conteúdo explícito, mas a importância está implícita. Por outras palavras, quem aceita abandonar aquilo que sempre sentiu e defendeu, em troca de uma situação económica ou hierárquica mais favorável, pode acontecer que não consiga visualizar o futuro, como aliás é normal, e mais tarde se depare com que caiu numa espécie de tentação diabólica, aquilo que se diz poeticamente como tendo vendido a sua alma ao diabo. Infelizmente só se reconhece a posteriori, e procurar emendar pode ser penoso. 

Por outro lado temos que aceitar, sem possibilidade de emitir juízos em sentido contrário, que cada um de nós pode ter a liberdade de mudar de orientação, de abjurar como o tal jesuíta Ferreira -que dizem ser originário da zona de Torres Vedras-. Ou, mais pragmaticamente embora mais vil, fingir que se muda de parecer e do outro lado da porta retomar as suas anteriores opções. Ao estilo do que os dominicanos da Santa Inquisição atribuíam a muitos cristãos novos.

Não lhes bastava, a estes Santos Homens, ciosos defensores da única fé verdadeira, o inevitável sentimento de rejeição interior que deviam sentir aqueles conversos. A “pureza” do catolicismo “exigia” que estes falsos crentes fossem perseguidos, torturados, presos em cárceres insalubres. E, quando o Inquisidor entendesse que as declarações do relapso o delatavam, sob tormento atroz, merecia a pena capital, com o máximo de dor física. Numa fogueira de lenha verde no meio de uma praça pública, onde se convocavam todas as classes sociais para que sentissem o castigo de quem agia com falsa fé.


Hoje, os brandos costumes, não permitem tais barbaridades. Mas podem, legalmente, despejar do seu alojamento a um cidadão, e sua família, pelo facto de estar desempregado e não poder cumprir as suas obrigações bancárias.

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