Em Coimbra
Existiam
temas para tratar nesta cidade, mas a eles se juntaram os que,
inesperadamente, surgiram quando nos encontramos defronte às obras
de restauro? ou de adaptação? daquele casarão que nos afectou
durante semanas e meses. Mas o que me incitou a marcar pousada no
Hotel Avenida foi uma questão pessoal. Além de que os dois temos as
nossas recordações de estadias neste local, queria poder ter alguma
distância física entre o assunto que temos que definir e o próprio
local.
- José, meu querido, estando tão
perto de casa e o dia ainda ter muitas horas de sol pela frente,
como é que te caprichaste para esta escala? É que mais parece um
engate de adultério do que um motivo sério.
- Se o estar na “nossa suite de
canto”, virada para o largo da portagem e com vista para o bazófias, te provoca calafrios de transgressão, fico feliz por
isso. E espero que antes de ir para a rua, e apreciar a circulação
de forasteiros, mais ou menos desorientados, nós podemos ter um
bocado de descanso ao nível da picaresca. Para já, e antes de nos
lançar nas pouca-vergonhas, proponho que baixemos as persianas e
procuremos dormir uma sesta entre irmãos, ou seja, sem dar azo a
aquecimentos. Para já eu vou tomar um duche, reparador, e, depois
de enxuto, vestir estes boxers como prova de que não pretendo
transgredir.
-Pois eu vou a seguir, sem boxers,
mas vestirei umas cuecas de gola alta, especiais para desanimar até
o Senhor Cura mais afoito.
…..
- Mas que agradável soneca! Nem dei
pelas horas passarem, nem por ter tirado a minha peça de roupa. O
que aconteceu? Será que me deu uma crise de sonambulismo e ataquei
a minha companheira de leito sem sequer proferir umas palavras
ternurentas? A rigidez do meu aparelho reprodutor não me esclarece
de ter descarregado minutos atrás. Tu sabes se neste intervalo de
inconsciência fui capaz de alguma mal feitoria?
~ Zé, escusas de estar descansado ou
preocupado. Cumpriste a tua função como um “carvalhelhos”, e
sabendo, como sabes, que és capaz de bisar sem desligar… Mas será
que ainda estás com vontade de festa rija, Maria Botija? O melhor é
deixar alguma coisa para depois de jantar, se bem que pelo que me
diz respeito só queria uma coisa mesmo leve, do estilo de uma
omelete mal passada com uns camarões no interior. Quiçá uma
pequena tigela de caldo verde enquanto se aguarda e depois, se o
estômago ou a gula assim o pedirem uma sobremesa cremosa.
Ontem
disseste, sem usar palavras de cartório notarial, que hoje
pretendias combinar, com tranquilidade e vagar, a forma como iríamos,
em dueto, mas ficando tu mais mudo e sério do que participante
activo, na conversa séria que tinha marcado com o filho da cliente
do salão. Aquele diplomado em couves e cravos que me ilustrou, a seu
gosto, na minha aventura de "estufadora" amadora.
-
De facto eu tinha este propósito. Pensei bastante no tipo de
conversa que devias ter. Mas depois de algumas trocas de impressões
que sobre o tema já tivemos, fiquei convencido de que tu sabes bem
como tens que orientar a mudança de planos. Mostraste estares ciente
de que aquilo que te propunham carecia de um investimento pesado, com
poucas, ou mesmo nenhumas, possibilidades de retorno, e que com muito
menos, com a ajuda do nosso caseiro, e a vontade que mostraram as
senhoras da casa em te ajudar, seria mais do que suficiente para
brincar em floricultora e horticultora mesmo nos meses agressivos.
Ter algumas plantas de flor, mesmo das que carecem de resguardo no
inverno, mais os pais pés de salsa, meia dúzia de alfaces e outros
mimos que gostamos de ter por perto sem ir à loja. Que mais do que
isso não seria compatível com os teus negócios pessoais, dos
quais, tenho que confessar, a minha presença te tem afastado
demasiado. Tens que voltar ao leme antes que seja tarde.
Resumindo,
estarei presente ao teu lado, e com cara séria, e obviamente
apoiarei o que decidires. Em compensação tu poderás retomar a
atenção não só aos teus salões mas retomar o projecto do outro
que já tinhas mais ou menos alinhavado. A lida da casa já
verificaste que com a Idalina, como governanta experiente e eficaz,
funciona sem necessidade de estares permanentemente presente. Eu até
sou apologista de que, apesar de manter um controle atento, devemos
deixar os bons elementos com liberdade para decidir. Com nosso
comando!
E
eu, pelo meu lado, já te contei que o Cardoso me convocou para um
encontro, amanhã ou na terça. Em local e hora que não sei, para
avançar ou rejeitar por inalcançável ou despropositado, um
projecto que nos surgiu defronte do casarão em obras. Veremos se a
ideia se pode centrar naquele local ou noutro ainda mais idóneo. Por
enquanto são só uns sonhos. Não digo que com ou sem fundamento,
mas que sei já se terem concretizado na vizinha Espanha. A
influência dos ianques não se fica nos McDonald e similares já
foram concretizados. Pode ser uma perda de tempo. Fazendo uma intensa
campanha publicitária são capazes de nos imbuir coisas que nunca
nos passaram pela cabeça.
Se
o que nós intuímos ontem tiver pernas para andar, não será
interessante só pelo dinheiro, mas também pode ser o germe dum
negócio quase que garantido, mas preferir que ficasse nas mãos de
nacionais e não de colonizadores capitalistas.
Mudando
de rumo, houve mais uma coisa que se acendeu na minha cabeça. Sinto
que deixei passar demasiado tempo sem ter contacto directo com os
meus filhos, ou nossos depois de legitimar a nossa união no
cartório, de papel passado como dizem os brasileiros, de ficares com
a categoria de madrasta-madrinha-mãe suplente. Tenho que combinar
com eles, juntos ou separados, um encontro, seja em Lisboa ou até
fora de portas. Que te parece se fossemos juntos a Sevilha, Madrid,
Barcelona ou Paris? Sem descartar outro destino considerado
interessante. Os aviões e as marcações pela internet nos colocam
noutra cidade sem problemas.
E
agora vamos cear qualquer coisa. Se virmos que nesta grande aldeia há
alguma fita em cartaz que nos desperte a atenção, entraremos. E em
caso de contrário e se queres regressar a casa, eu faço contas na
recepção e abalamos num táxi até Vale do Pito. Mas antes, como
disse, temos que reabastecer.