O
Catolicismo é monoteísta ?
Imagino,
com convicção, que bastou este cabeçalho para “inflamar”
muitos espíritos. Que só pela sua apresentação constitui uma
blasfémia, de tal magnitude que se o tribunal da Santa Inquisição
(melhor seria SANTÍSSIMA) estivesse com poder vigente, eu, nesta
mesma hora, estaria não só a ferros como pendurado na polé
aguardando o dia em que deveria participar, como artista, numa
cremação na praça pública.
Outros
leitores, mais tranquilos, devem-se inquirir porque motivo, um
descrente, ateu convicto, passa tanto tempo entretido com estes
assuntos. A única resposta plausível que eu mesmo encontro é que,
queiramos ou não, a inércia da religião no nosso modo de vida, no
ambiente onde convivemos, é tão forte e influenciável do que gostaríamos. Ou mereceria, para alguns como eu.
Para
dar algum seguimento à pergunta inicial é pertinente fazer um
esforço para imaginar um recuo até os primórdios da sociedade dos
humanos. TODOS reconhecemos que os primeiros bípedes pensantes,
merecedores, por mérito próprio, de serem considerados como humanos,
não podiam ficar como simples objectos, impávidos, perante os
fenómenos atmosféricos, climatológicos, temporais e repetitivos
com as estações, que ainda hoje e apesar de tanto (?) conhecimento
acumulado, nos podem fazer sentir como simples e indefesos
espectadores, sem a mínima capacidade de interagir com a natureza
violenta e indomável.
Não
é possível negar que, ainda hoje, o homem procure justificações,
a ser possível segundo o in completo conhecimento científico ao
alcance do cidadão nos tenta ajudar na interpretação do
desconhecido. E sempre surgiu a mesma possível resposta: alguma
entidade, indefinida, invisível, com a qual não é possível
dialogar, mas que, como defesa, se imaginou que era pertinente
respeitar e tentar agradar. Estas múltiplas entidades foram
adquirindo o estatuto de deuses. Que de imediato se procurou
materializar, fosse numa montanha, num rochedo especial, numa
nascente, num animal perigoso, ou até um vento dominante, entre
outras muitas possibilidades. Foi a génese do animismo. Esta
tentativa de encontrar respostas a perguntas impossíveis de obter
uma resposta na fase mais primária da cultura humana, deve ser vista
como a proto-religião.
A
mente humana, que sempre complicou a sua vida tentando descobrir o
desconhecido, se encarregou de ampliar e humanizar o modo de tentar
invocar e respeitar as forças ocultas. Ultrapassar a veneração de
uma montanha ou outro símbolo de visão imediata, não deve ter
tardado a ser complementado com a invenção de figuras, fossem
humanas ou compostas, ao estilo das famosas esfinges, sereias, centauros, e a hiper quimera. E não se pode deixar de referir a sua
conexão com o culto de espíritos, sejam de humanos já falecidos ou
de entidades totalmente míticas. Daí ao idolatria.
Passar
para o Politeísmo, é uma simples evolução, mas que sempre
surgiu acompanhada da estruturação de uma hierarquia à que os muitos deuses “menores” deviam sujeitar-se. Todas as religiões
antigas, já estruturadas, seleccionaram uma entidade suprema. Assim
aconteceu com o politeísmo egípcio, onde Ra, ou Amon, era o ente
magno. A partir destas figuras míticas sempre se criou uma corte
celestial com graus mais ou menos bem definidos. Uma hierarquia
semelhante à dos exércitos que se criaram com a aglomeração de
povos anteriormente isolados e independentes entre si, e que
actualmente persiste na cúria católica.
Como
a evolução não se consegue parar, do Politeísmo teve que se
voltar ao Monoteísmo inicial. Que levado ao extremo rigor
implicaria a degradação e esquecimento de todos os deuses menores,
o que só é possível se lhes forem retirados todos os seus
imaginados poderes, que o homem gosta e teima em invocar pedindo
ajuda incorpórea.
No
mundo ocidental em que nos movemos, os grupos de crentes que, de
facto, são adeptos do monoteísmo, são o Judaísmo e o Islão, que
sendo primos entre si, como certos números, se guerreiam para se
auto-justificar como herdeiros e seguidores fieis das Sagradas
Escrituras, concretamente do Antigo Testamento. Ambas religiões são
fieis dos profetas e outros homens merecedores de serem recordados,
mas o poder total, absoluto, está no seu Jeová ou Alá, que
obviamente são ambas a mesma entidade.(1)
Dentro
da evolução das teologias temos o Cristianismo, com uma
doutrina e umas regras que todos os ocidentais “cristãos”
seguimos, uns mais rigorosamente e outros só quando lhes calha a
jeito. E dentro deste grande grupo de gentes surgiu o Protestantismo
de Martinho Lutero, cuja principal diferença com os Católico
Apostólico Romanos é a de não obedecer o Papa de Roma como
autoridade gestora e orientadora. Noutro patamar está o de reduzirem
o número de entes merecedores de ser referentes.
O
protestantismo abdicou de uma longa série de personagens de
referência, muitas vezes totalmente míticas, mas que os fieis
invocam tal como os romanos faziam com os seus deuses, num
politeísmo fundamentalmente idêntico, até porque a muitos Santos,
Santas e Santinhos, Beatos, Anjos, Arcanjos, e outros em ininterrupta incorporação, a todos eles lhes são atribuídas capacidades de nos
favorecer, seja directamente (?) ou como intermediários (?) para
outras entidades em degraus mais elevados no poder celestial.
E
assim chegamos ao ponto em que cada um, se teve a paciência de ler o
que já sabia, pode, com a mão sobre onde se aloja o coração,
opinar se somos, apreciados em conjunto, monoteístas, politeístas
ou mesmo idolatras.
Porque
insisto em meditar sobre este assunto, que para mim não passa de ser
como a famosa lana caprina? Sinceramente não sei, parece uma
obsessão. Mas não há dia em que, seja em livros, jornais ou
programas da TV não me surja uma incitação para remoer numa coisa
que não vale a pena perder tempo e menos de aquecer a mioleira. E a
forma de descarregar é escrevendo...
(1)
Friamente, neste
século XXI, não nos parece absurdo, inconcebível, inaceitável,
que duas concepções de religião com os mesmo alicerces sejam a
base de uma incompatibilidade a nível factual, universal?