domingo, 30 de setembro de 2018

IN ILLO TEMPORE - 1



Introdução

Depois de tanto ler e atingir o risco de ficar com a mioleira saturada, ou feita em papas de aveia, como aconteceu a Alfonso Quijano, também conhecido como Don Quijote, ainda cheguei a tempo de deduzir que, no fim de contas, cada um de nós, passamos por uma série de capítulos, viscisitudes ou experiências, que davam pano para escrever um destes romances de aeroporto que, para conseguir um volume e peso que justifique o preço que está na capa, enchem à volta de 500 páginas. Das quais habitualmente um 10 %, pelo menos, estão em branco e o resto quase que só mostram palha, palavreado sem préstimo, que se poderia dispensar, riscar, e assim deixar o texto em cerca de cem paginas, se tanto.

A minha vaidade pessoal, ou aquilo que se chama de ego, não atinge um nível tão elevado que me incite para avançar direitamente ao suicídio, já que entendo que não poderia sobreviver a uma tentativa de escrever uma obra prima-segunda ou ainda mais afastada. Mesmo assim recolhí, mentalmente alguns acontecimentos, vividos pessoalmente ou apanhados de fontes merecedoras de crédito e respeito, que colocados numa sequência intemporal são capazes de constituir um passatempo sofrível.

sábado, 29 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES – 20


QUEM APOSTA ?

Dada a evolução recente nos quadros superiores da Justiça em Portugal, e dando fé ao pouco que conheço pessoalmente deste tema, embora o suficiênte para verificar que não bastam sentenças favoráveis ao demandante, uma vez que as possibilidades de colocar paus nas rodas são muitas e permitem protelar o cumprimento do estipulado pelos juízes até uma data indefinida, que julgo pode estar perto de coincidir com o aparecimento de dentes nas galinhas, não me atrevo a prever como marcharão os processos mais mediáticos após estas mudanças. Mais correctamente: imagino o pior.

Já vi opiniões, identificadas, que nada de bom prenunciam. E outros que não escondem a satisfacção, prevendo que raros serão os indiciados para comparecer a julgamento, que muitos capítulos serão considerados prontos para arquivamento, e que o cidadão normal, o inerme, o que não atingiu o estatuto de intocável, ficará com um desânimo total, após de ter criado uma ilusão, pelos vistos totalmente utópica, de que desta vez as coisas não ficariam penduradas, como tem sido habitual.

Não me admiraria que aqueles, poucos, que já tiveram periodos de prisão efectiva venham a receber chorudas indemnizações do Estado (pagas por todos os já citados cidadãos comuns). Outros, para disfarçar esta prevista lavagem de culpas, podem ser “castigados” com multas simbólicas e penas suspensas in eternum.

Reconheço que as minhas tentativas de criar um diálogo, escrito, com algum leitor já mostraram, fartamente pela ausência de respostas (um fartar que se assemelha mais a uma greve de fome) prenuncia que também desta feita, não terei seguidores. Já estou habituado.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - 19


AS MUDANÇAS SÃO INEVITÁVEIS

Cada dia que chega é mais uma pedra que se solta da calçada. Ou, se preferirem, o que encontramos à nossa volta, seja no mundo restrito em que nos movemos, fingindo que tudo está na mesma desde os dias em que começamos a reparar, e esquecer, criando uma falsa noção da sociedade actual para assim tentar convencer-nos de que, pouco mais ou menos, a vida segue os mesmos padrões, não corresponde a uma estrutura sólida, duradoira.

Recordo, sem saudade, o dia em que estando de plantão num barraco de Feira, procurando comercializar as bagatelas que ia criando e fabricando, após a reviravolta que dei ao meu percurso profissional em função do desencontro entre a minha forma de ser, de imaginar que as camadas sociais deviam conviver num ambiente essêncialmente humanista -seja qual for a forma como se entender este termo- em oposição à conduta cínica, desrespeitadora dos outros e em essência exploradora que os que estão no topo, mesmo que originários de um patamar socialmente já afastado, adoptam sem pejo e com propósitos de ataque-defesa.

De improviso vi à frente, mas do lado oposto do balcão, um antigo colega de curso. Este, que sempre foi pessoa faladora e interessante, em vez de fingir que não me reconhecia, entrou numa conversa aparentemente despretensiosa -a minha experiência me alertava para o sempre existente sentimento de repúdio e desprezo; como se eu fosse um padre que abandonasse o sacerdócio em opção para uma vida civil sem restricções. Dado que a minha situação era evidente, perguntei pelo seu percurso.

Respondeu-me, muito ufano, dizendo que estava integrado na equipa de uma Multinacional americana, produtora de uma larga gama de artigos de consumo. Ele, concretamente, estava dedicado a comprar pequenas fábricas de artigos concorrentes, em condições atractivas, pelo menos no programa de absorção. Iriam manter a produção, o pessoal empregado e até as marcas dos produtos. Muito bonito. Mas o programa oculto implicava que esta fase de”casamento inter pares” durasse pouco tempo. A estrategia era a de fazer perder os clientes da casa recém integrada, e seguidamente, num processo que normalmente não chegava a doze meses, a velha competidora e os seus funcionários eram dispensados. Desaparecia do mapa. E, neste processo já conseguira bons resultados. Estava satisfeito.

E estás mesmo contente com o teu proceder? De ser o carrasco por conta de uns capitalstas que nem sequer conheces? Ainda bem que levas o progresso com tanta convicção e que a desgraça alheia não te afecta. Eu continuo como ceramista e artesão. E durmo descansado, sem pesos na consciência. E sinto que tu também nada te afecta. Felizes os dois.

Agarrando esta vivência pessoal e fazendo uma conexão com o que vemos nas ruas por donde circulamos, sentimos que não nos admira tanto quanto deveria o ver como, constantemente, encerram estabelecimentos com porta para a rua, onde adquiriamos artigos de uso corrente e eramos atendidos por pessoas que já eram nossos conhecidos, que cumprimentavamos se coincidissemos num outro local. Na sequência dos factos muitos destes estabelecimentos permanecem fechados, com taipais, ou mudaram de ramo. A maior parte das vezes foram incluídos no sector da restauração e bebidas, ou de agênccias funerárias! Aquilo que não sentimos é que na fase anterior ali existia o sustento de uma família e também a convivência biunívoca entre clientes e lojistas. Estes inclusive podia ser inquiridos a fim de orientarem sobre outro estabelecimento, até concorrente. E sempre se era atendido com bons modos. Hoje a maioria dos empregados das lojas de cadeias não chegam a estar no serviço o tempo necessário para criar um abiente de confiança e diálogo com o cliente. Tudo está num processo acelerado de despersonalização e sem garantias de seriedade tanto para o cliente como para o empregado, habitualmente com contratos a prazo e mal pagos.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES .- 18


Caí da cama
MAS NÃO PERDI O FIO DO SONHO

Estava imerso num sonho que misturava recordações com a colheta do dia e, repentinamente, lembro que devido a uma brusquidão no eléctrico em que viajava, dei de caras no chão. O chão era, precisamente, o espaço que exsite entre “o meu lado no tálamo conjugal” e a parede (não aquela Parede que linda com o empreendimento urbanístico de Carcavelos e que “servirá de apoio” residencial aos docentes e discentes, e até pode ser que de alguns membros da equipa técnica, que estiverem igados à Universidade da Linha, em estado muito adiantado de instalação).

Ao que íamos: Estava eu viajando no eléctrico da Carris e comigo se encontrava, o já defunto estimado colega E.Q. Também recordo outro passajeiro que nos interpelou apontando um letreiro que recomendava que não deixassem o lugar sentado e fossem para a coxia antes do veículo estar parado. Devem ter copiado este aviso das lenga-lengas habituais dos tripulantes dos aviões comerciais. Este cidadão, exemplar, era um rapazinho, bastante encorpado, digamos redondinho, que aparecia em diversas cenas deste sonho, mas que não sei qual era o seu papel nem quem o tinha contratado.

Aquilo que me incitou (segundo creio) a que recordasse diferentes “quadros” deste sonho deve ter sido o lembrar, com saudade, (o que nem sempre acontece) o convívio com E.Q., enquanto e depois do periodo académico. A sua imagem, que permaneceu até hoje, era muito diferente da que a restante equipa de colegas deixava. Uma equipa em mutação periódica, na que entravam novas caras e desapareciam outras.

E.Q. Tinha em si características incomuns naquele grupo. Para já era mais velho, muito mais experiente na vida real, no mundo do trabalho remunerado, uma altura que destacava e a capacidade de esconder um espírito alegre e jocoso atrás de uma cara-de-pau. Não sei explicar as razões que me levaram a pender para ser seu amigo, e até sentir alguma reciprocidade. Ou, sendo mais correcto, não quero deixar aqui alguns detalhes que podem justificar esta aproximação. Deixarei como factor importante que era a sua personalidade, fora das regras existentes naquele grupo, que a meu entender o elevava.

Como certamente acontece com todos os humanos, e humanas (caso existisse esta denominação para as nossas queridas companheiras do planeta) tampouco E.Q., escapou incólume das múltiplas ratoeiras que a vida nos apresenta. Teve os seus momentos, bons, maus e assim-assim. Eram dele, e de quem conviveu com ele nas ocasiões concretas. O facto de conhecer alguns items da sua vida pessoal só me pode orgulhar pela sua confiança, mas não me autoriza a os tornar públicos.

Só um breve recordatório, de uma das últimas conversas que mantivemos. Ao comentar que estava mais do que reformado, dada a idade que devia constar no seu B.I., ou agora do C.C., perguntei-lhe como distribuia o seu tempo e afezeres, caso os tivesse, nesta fase de não trabalhar. Respondeu-me que eu estava, mais uma vez, errado. Ele tinha emprego. Depois de acordar, arranjar-se, incluído o calçado, dirigia-se directamente para o seu local de trabalho. Onde? Perguntei. No centro de idosos da freguesia. Ali convivo com os que ainda falam e dizem coisas coerentes, leio o jornal, almoço e, se encontrar um parceiro idóneo, fazer umas partidas de damas, xadrez ou de cartas, sem dinheiro nem feijões. Era este o seu emprego depois de fora de serviço.

Como as composições de comboio vergonhosamente arrumadas nas linhas mortas entre Oeiras e Carcavelos, aguardando o serem enviadas para a sucata.


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - 17

CALIMERO ou
A LUSA GUERRA DE TRONOS

De entrada garanto que jamais vi nem sequer um episódio desta série, que me dizem ter tido um sucesso enorme. Aliás, esta e outras séries que afirmam ser de excelente feitura só se conseguem visionar com um contrato suplementar. E as pesoas, cujo dinheiro transborda dos bolsos, aceitam ser exploradas continua e insistentemente. Seraá que algu~em pode negar o ter uma sociedade vítima do consumismo?

Seja como for o simil que proponho fica-se, aparentemente, por usar a fama de um sucesso comercial para o comparar com o eternamente latente conflito norte-sul, ou sul-norte, pois depende do ponto de observação, que existe em Portugal. Curiosamente se olharmos para o mapa rectangular, os polos dos oponentes estão, pelo menos quanto ao “sul”, bastante descentrados, uma vez que abaixo de Lisboa ainda resta um bom pedaço de nação, que pelos vistos não entra no conflito. Como se de Setúbal para baixo existisse um deserto inhabitado.

Outro esclarecimento que admito ser desnecessário é o de que sou avesso a lutas partidárias, tanto internas como entre polos opostos. Não sou adepto de qualquer “ideologia” e muito menos de facções sócio-políticas. O que, a meu entender não me impede de observar e criticar nos meus adentros, e até de o manifestar, com reservas.

A luta, mais ou menos surda, mas ao mesmo tempo gritante, que existe entre os elementos adictos ao PSD, e similares, contra o actual chefe Rui Rio, eleito por sufrágio livre e directo entre os filiados, e os lisboetas, que se consideram como os únicos defensores válidos do seu campo, é patética. Tudo inventam e deturpam para tentar denegrir o actual chefe, sem deixar transparecer, nem ao de leve, que o seu único e principal defeito -por assim dizer-, é o de ser um “homem do norte”. Para a tribo dos afincados na capital isso é inaceitável, intolerável. FORA! FORA!

O caso mais notório e actual de como “tudo serve” é o que o Calimero nos apresentou. Depois de “jurar sobre o Livro Sagrado” que seria um apoiante fiel e eterno de Rui Rio, poucas semanas decorreram até que se decidisse a abandonar o lugar que aceitara e tentar fundar um novo partido, de cariz totalmente ambíguo e que, caso vingar, só serviria para enfraquecer o PSD uma vez que a sua única função é o tentar oferecer um fogacho de notoriedade ao Calimero. Em simultaneidade, caso esta fantasia pessoal se mantenha em pé até as próximas eleições, só pode conseguir um descenso do peso político-nacional do PSD quando computado nas urnas.

Mesmo que se admita que este novo partido possa atingir um número efectivo de adeptos relativamente pouco importante, quem mais será afectado deverá ser o próprio PSD. Posto isso é de admirar que os PSDs, não apreciadores de ter Rui Rio à fente das tropas, não ataquem com unhas e dentes esta iniciativa, pessoal e intransmissível, do ego de Calimero.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - Lutar pela fama


LUTAR PELO PODIUM

As pessoas, sejam eles ou elas, principiantes, amadores ou federados, o inclusive bolseiros para poder dedicar-se intensivamente à sua preparação, além de praticarem alguma disciplina, entre as muitas que existem, habitualmente muitos desportistas practicam por gosto e dedicação, nem sempre intensiva mas, pelo menos, consoante as suas possibilidades, capacidades e tempo disponível. Mas isso não impede de que raramente rejeitem a possibilidade de participar numa prova onde se pontue, e até seja possível conseguir ficar com classificação.

Dito de outra forma, practicar sem despique pode ser bonito, interessante e até construtivo, mas além da satisfacção de conseguir melhorar as suas prestações, nunca se pode afirmar, convictamente, que o atleta se esforce e despreze a possibilidade de, algum dia, poder subir ao plinto dos três melhores qualificados. Mesmo quando no grupo em que va entrar figure alguma figuradestacada, das que se consideram, por méritos anteriores, como vencedores à partida. Os outros, nem que seja para melhorar a sua marca anterior, não deixarão de lutar com toda a sua vontade e energia.

Numa situação como a que deixei no parágrafo anterior, mesmo que se anseie por arrebatar o ouro ao favorito, não deixa de se esperar conseguir a prata, ou, pelo menos o bronze. Dando como muito provável que alguns dos atletas participantes não se sintam capacitados para conseguir um dos três lugares de destaque, será que algum destes, “perdedores antes da partida” só se esforçou com o fito de conseguir o terceiro lugar? Ou seja, só trabalhou para o bronze?

Uma frase que, logo que começa o bom tempo, apto para se estender na areia da praia, se utiliza com algum, ou mesmo bastante, caracter despectivo. Quando se diz que alguêm só trabalha para o bronze da-se a entender que de trabalho nada, que dedica-se a “cuidar do físico, ou mais propriamente da epiderme”. Pode atingir a forma de um Adonis e ser o mais apreciado pelos elementos femininos, e até de algum “indefinido”. Mais daí a ser um atleta, mesmo que possível é pouco provável.

Não me parece que um atleta, amador ou federado, aceite a noção de que ele só participa para conseguir a medalha de bronze, o terceiro lugar.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - Afinal quem é que manda?



Quando se alcança um lugar de mando, de comandante do navio como exemplo, o cidadão que se encontra esta situação sabe, ou cedo descobre, que mesmo se a sua personalidade o impulse para se tornar um ditador omnipresente omnidecisor, a realidade pode mostrar-lhe que o seu horizonte comporta uma vastidão tão grande de assuntos que não consegue aplicar a mão de ferro em todos os capítulos. Daí que se torna inevitável o ter que escolher pesoas a quem delegar funções, e daí lhes dar alguns vectores de poder, mesmo que limitados.

E aqui podem começar os problemas, inicialmente de pouca monta mas que paulatinamente podem gerar departamentos estanques onde nem ele, o comandante, ou precisamente ele em especial, consegue penetrar. O mais anedótico é que, na maior parte dos casos, o refrido comandante, que mantêm para o exterior a imagem de ser todo-poderoso, o supremo decisor, nem sabe do que se coze nas suas costas. Daí que, no caso bastante vulgar de o grande chefe descobrir que o seu segundo, evoluiu se mostrou ser um ambicioso camuflador, já experiente e sempre cuidando de manter a imagem de ser um leal servidor, sem de facto o ser. O chefe, se lhe resta uma nesga de bom senso, deve decapitar, urgentemente, este que lhe corta a erva debaixo dos seus pés. Tradicionalmente os segundos endem a utilizar todos os meios -em geral pouco éticos- para derrubar o chefe e colocar-se eleno trono.

A história universal está recheada de relatos onde se especifica como até um Rei, de uma coroa absolutista, esteve, de facto, nas mãos de um valido, de um primeiro ministro, dum secretário ou mesmo de um confessor ou um cardeal. Por comodidade e gostando de ter a papinha feita, passou a estar “comodamente” num posto de boneco. Os exemplos críveis referem todos estas possibilidades, e ainda outras, sempre bem identificados. Um dos mandantes por trás do reposteiro mais referido foi o Cardeal Richelieu. Mas houve muitos, mesmo na história moderna.

PATRIARCADO vesus MATRIARCADO

Descendo para o mundo banal, o familiar, podemos dedicar alguma atenção ao que acontece no seio dos casais. É norma, quase que geral, admitir que dentro da casa, abrangendo as decisões mais normais, repetitivas ou não, o comando é delegado à esposa, e mais quando esta atinge o estatuto de mãe, pois que, desde sempre, o início da educação das crianças esteve, por ser práctico e de modo tácito, entregue às mães.

A situação pode tornar-se, progressivamente conflituosa, quando o marido, já sentindo que o estatuto de “cabeça de casal” pedeu muito do seu peso real, decide comentar e pedir a opinião da esposa de uma forma assidua. Uma situação até aqui normal, correcta e socialmente admitida como positiva. Todavia, se o homem, nem que seja por comodidade ou imprevisão, deixa que a esposa se torne a decissora irrevocável de cada vez mais temas, o anteriormente cabeça de casal passa a ser um zero à esquerda. E se ficar revoltado com esta degradação de autoridade inclusive podem atingir um ponto de ruptura. Quase impereptivelmente se passou do esquema de patriarcado ao de matriarcado. E é que o mais difícil neste mundo, mesmo reduzindo a duas pessoas, é o de que tendo visões nem sempre coincidentes, possam atingir um nível de convivência, estilo democrático, sem que um deles aceite ceder mais do que prevalecer.

sábado, 15 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES – Cuidar dos reflexos



Por ser sábado, comprei o semanário Expresso, que é o único periódico que consulto, embora não considere que este “eleito por exclusão de partes” seja merecedor de um fé cega. Mas ao não procurar comparação com outro, limito-me a julgar pelos meus preconceitos.

Iniciei com uma leitura seletiva, como habitualmente faço, a alguns artigos e colunas que figuram na revista que acompanha o referido semanário. Por tratar de uma personagem marcante da história recente li, sem ser na tal diagonal, o artigo que anunciava notícias sensacionais, bombásticas, que certamente poderiam melhorar a visão que o cidadão comum tinha sobre o periodo em que Salazar esteve de baixa após a famosa queda da cadeira. Não encontrei nada de novo neste texto, mesmo contando com as opiniões “isentas” do famoso politólogo Jaime Nogueira Pinto.

Apesar de não ter acrescentado nada de importante ao acervo que tenho em mente, tanto sobre a figura do ditador como do meio social que o rodeava, surgiu-me um julgamento, parcial, concreto, sobre uma das ordens severas que Salazar dava para os encarregados de censurar o que se editava e publicava. Diz-se, e encontrei repetidamente MEDITAÇÕES – Cuidar dos reflexos esta afirmação, que o Presidente do Conselho ordenava que não se referissem nos jornais notícias de suicidios. Não por uma questão de respeito para aqueles que decidiam deixar de viver mas, especialmente porque sabia que esta, e outras notícias de índole social, podiam conduzir a que outros cidadãos decidissem seguir o exemplo. O mimetismo sempre existiu e existirá.

Os opositores, como era de prever, opinavam que esta normativa era mais uma das pressões inaceitáveis que, abusivamente, condicionava a livre expressão que deveria ser respeitada, em vez de ser alvo de repressão.

Saltando para actualidade e dentro da liberdade de expressão e comunicação que, teóricamente, nos é dada actualmente nos países ditos democráticos, nada me impede de ajuizar que o que acontece entre os jóvens estudantes, nomeadamente nos EUA em que a situação alcançou níveis de catástrofe social, com a frequência com que um dos alunos, munido de armas de repetição, ataca indiscriminadamente os seus colegas de escola, causando mortes e feridos sem justificação. O reflexo mais imediato centra-se a culpabilizar o sistema vigente, que permite e até incita a que os cidadãos adquiram e possam utilizar armas de fogo, como defesa pessoal ou, sem poder evitar, também para agressão mortífera.

Ligando o nosso passado à actualidade nada me impede de pensar que esta situação, como também a dos ataques terroristas, é incitada, mesmo que alegando não ser este o propósito, ao noticiar este género de sucessos com excessivo detalhe, com morbidez desnecessária, e com isso provocar outros insensatos, mal doutrinados pela noção de ser pertinente a agressividade, que lhe garante o ser respeitado e considerado “super”.

O ter uma arma de fogo, ou mais do que uma, com capacidade letal, possibilita que o aluado possa vingarse de imaginadas -ou mesmo reais mas de um nível pouco importante- ofensas. Quando este jóvem, obcecado, tem a possibilidade de utilizar armas que estão, em muitas ocasiões, na sua casa e de que até receberam instruções de uso, já está practicamente orientado para ser autor de um massacre.

Tenho a noção de que, pelo menos neste caso, Salazar tinha razão. E que as liberdades, quando consentidas indiscriminadamente, são potencialmente um perigo social, com uma magnitude não desprezível.

E termino com uma referência curiosa, de algo corrente na fase ainda rígida de ditadura. Existia uma emissora, de raio de penetração reduzida à area da cidade de Lisboa, onde era consentido um programa irreverente, que hoje nos pode parecer impossível poder ser enviado para as ondas radiofónicas. Neste programa surgiam anúncios comerciais inusitados, mas patrocinados por casas comerciais idóneas e identificadas. Um deles dizia assim: A Agência Barata (uma das mais importante funerárias de então) enterra o que morre e o que se mata! Ding-Dong!

Um atrevimento, consentido, que infringia o silêncio sobre suicídios !


sexta-feira, 14 de setembro de 2018

CRÓNICAS DO VALE – cap 67



Foi só um alarme, mas forte!

Depois de tomar o segundo comprimido comecei a sentir uma moinha esquisita na barriga. Tive uma noite inquieta, mal dormida ou mais propriamente com uma insónia misurada com pesadelos intantâneos. De madrugada guardei a orina que o Dr. me pediu e, no boião transparente vi uns laivos de sangue. Tomei o terceiro comprimido e o mal-estar se acentuou. Quando me arranjava, com muita dificuldade em coordenar movimentos e um sentimento extranho no meu ínterior, sentí como surgiu um fluxo, mais espesso e até violento, do que o meu normal.

- Bom dia. Sou a Senhora Luísa Maragato e vinha deixar as amostras de orina de ontem ao deitar e de esta manhã ao levantar, atendendo ás indicações do Senhor Doutor. Certamente a enfermeira saberá o destino a dar a estas amostras. E creio que por agora é tudo. Se o Dr. Entender tem o meu telefone na ficha para entrar em contacto.

- Desculpe. Não se va embora já. O dr. Avisou que quando a dona Luísa, chegasse para entregar os dois frascos o informassemos, pois deseja consultar a Senhora quanto antes. Faça o favor de aguardar enquanto eu comunico com o Doutor. O Dr. Deu indicação para que entre no gabinete de consulta. Faça o favor de me seguir.

- Doutor, bom dia. Antes de mais queria dizer que, sejam quais forem as razões terapeuticas, os comprimidos que me entregou foram de efeito rápido. Não quero especular acerca do tratamenteo, mas gostaria que o Doutor me esclarecesse. Não tenho uma explicação plausível que me satisfaça, pois o que sei de medicina e nada é a mesma coisa. Só posso afirmar que agradeço ao Doutor a atenção com que atendeu ao nosso - meu e do meu marido- não digo que problema, pois caso se confirmasse existir uma gravidez inesperada. seria encararada com toda a sensibilidade e bom senso pertinente. Mas, de facto não deixava de ser uma situação extemporânea.

Já discursei e assim descarreguei o nervosismo que me pesava desde a noite passada. Agradeço o silêncio com que me ouviu e, também, em primeiro lugar, o método indolor e rápido com que possibilitou uma solução. Peço que me desculpe. Sempre fui impulsiva quando entro em parafuso, e o conhecer o Doutor de bastantes anos tornou-me indesculpávelmente atrevida.

- Amiga Dona Luísa Maragato. Conheço-a desde muitos anos a esta parte, como paciente de seguimento e por sorte sempre com boa saúde, ou seja, foram visitas rotineiras de precaução. Desta vez as coisas não foram, exactamente, como a Dona Luísa imaginou. Mas esteve muito perto. O que a desconcertou foi que, sem dar por isso, chegaram os primeiros sinais da fase menopausica, que altera practicamente todo o funcionamento do aparelho reprodutivo femenino, e provoca uma sintomatologia que nem sempre é agradável. Os homens também tem a sua cruz neste sector sexual: a andropausa, de que, tal como as senhoras, não gostam de falar porque psicológicamente sentem-se diminuídos. E de facto assim é!

Aguardaremos os resultados das análises a fazer com a sua orina, e depois o mais provável é que lhe tenha que receitar um tratamento hormonal específico para esta fase da vida femenina. É melhor tratar disso enquanto os sintomas não se acentuam. Entretanto, e porque a chegada deste declínio hormonal é causa de efeitos psicológicos, a maioria das mulheres, como já disse, não gostam de referir esta situação aos demais. Não devia ser visto como uma vergonha, mas a reacção habitual é como se fosse.

Confio na Dona Luísa para que arquitecte um arrazoado, credível, sem entrar em especulações de mau gosto. E até, se já tinha dado vozes de novidade a pessoas suas conhecidas, use a mesma argumentação para dar uma nova versão mais aceitável, esquecendo o alarme, imprevisto mas em princípio aceite, de que iria dar mais um herdeiro ao José Maragato.

E aqui damos a consulta por terminada. Felizmente sem sequelas, segundo desejo. Quero observa-la daqui a um mês. Trate de marcar a consulta com a senhora da recepção, a quem darei já indicações pelo telefone interno. Os dois estamos de parabéns, tendo remediado uma situação que se podia prever visse a ser potencialmente problemática.

- Então Luísa, como decorreu o encontro com a Dra. Diana? O que me antecipaste pelo telefone creio que é suficiênte, mas tens via livre para completar, caso entendar ser pertinente.

- É um assunto que ainda está no início. Não digo no prólogo, porque já se deram novas e rápidas alterações nao organização da filial de Coimbra. Já não é aquilo que coheciamos. E o melhor seria que pudessemos esquecer das circunstâncias que nos conduzirama ter estes contactos.

Mas há outros assuntos que mais nos podem interessar neste momento, além de que a possibilidade de te dar mais um herdeiro ficou pelo caminho. Segundo parecer do meu médico “de senhoras” acontece que entrei na fase menopausica, com a certeza de vir a sofrer dos calores, conhecidos como afrontamentos e indisposições de novo tipo, própirios das matronas. Querido, não te darei um filho -vade retro, Satanás!- mas cá estou para me investir de senhora respeitável sem despesas de pensos higiénicos, pelo menos numa periodicidade regular.

O outro tema, que trazia na mira, ou seja a vontade de instalar uma estufa para plantas junto da hortinha, pode ser que venha a ter algun avanço. Ao passar pela Vila falei com a referida senhora, mãe de um engenheiro “ingrícola”, especializado em floricultura e meninas -a mamá sempre conta, muito vaidosa, da constante mudança de namoradas do seu rebento. E todas elas de parar o trãnsito!- a fim de que lhe pergunte se pode deslocar-se até o Vale para nos poder dar uma ideia de se entende ser possível a instalção da sonhada estufa. E depois poder contar com a sua asistência futura enquanto eu não ganhe experiência.

Uma loucura seródia que, como ves, está tão longe do lavar cabeças, e pintar cabeleiras, como consta do meu currículo “universitário”, como está Marte em relação a Aveiro.

- Eu dei um dos meus passeios diários no terreno e tive uma conversa com o Ernesto acerca da tua ideia de montar uma estufa. Ele sabia disso, porque tu já lho contaste. Vimos os espaços que nos parecem apropriados e qual implicari o abater de muitas árvores. O que ele nos recomenda é que nos precavermos de que a estrutura a instalar seja resistente a ventanias, pois é uma tristeza ver como algumas instalações deste género são derrubadas e desfeitas caso a aragem seja mais forte; ou seja, se surgir um vendaval. Quando souberes da vinda do “técnico” posso estar por perto. Mas a conversa terás que a ter tu. Como na cozinha, duas pessoas a temperar o mesmo esturgido ou assado é muito arriscado.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - Adivinhar o futuro



Mais uma vez não resisto à tentação de entrar no domínio dos sonhos. Mas desta feita tentaria comentar como se teceram muitas teorias com o propósito de tentar explicar as supostas mensagens que a mente nos oferecia. São citados, ao longo da história, e também na actualidade, muitos profetas e adivinhos que se dispuseram a interpretar o significado dos sonhos. Hoje ainda existem estes beneméritos para os crédulos que confiam na suas capacidades esotéricas e não conseguem digerir, calmamente, as fantasias mentais que os preocupam.

Sendo céptico por natureza nunca prestei atenção aos livros que se dizem capazes de interpretar os sonhos. Mesmo assim já comprei algum, que nunca sequer folheei, para atender uma pessoa sumamente crédula. Curiosamente, ou não, estas pessoas que procuram ajuda dos espertos, ou mais propriamente espertalhões, são também crédulos convictos de milagres, pertencem à religião preponderante em Portugal, ou derivaram para alguma seita das muitas que tem proliferado.

A minha perspectiva sobre este assunto implica o admitir que o nosso cerebro, quando com funcionalidade normal, tem uma enorme capacidade de armazenamento de dados, e depois é capaz dos combinar e processar livremente. Para a inteligência natural, que os investigadores pretendem copiar e até ultrapassar artificialmente, quando pode agir sem o seu portador estar em vigilia, e por isso sem que as ordens do utente o procurem orientar para o que deseja, o cérebro encarrega-se de construir uma estrutura, mais ou menos plausível, socorrendo-se dos muitos entradas que recebeu, seja pela vivência do indivíduo portador do crâneo respectivo, como também pelos impulsos que o atingiram por visualização de filmes, de leituras ou de relatos que lhe causaram algum impacto.

As possibilidades de o cerebro criar a partir de elementos recebidos é imensa, e até podemos deduzir com alguma aproximação, aquilo que a experiência nos indicou que pode ter possibilidades de acontecer. Mas tudo isto num processo mental simultâneamente complexo e simples. O que nos é impossível, estando dormidos ou acordados, é antever o futuro. Daí que acreditar que alguêm seja capaz de prever o que há de acontecer através dos sonhos é, além de ser um atrevimento insensato, uma impossibilidade indiscutível. Não há nem nunca houve profetas que mereçam crédito. Muitas profecias que se consideram autênticas foram, certamente, relatadas a posteriori.

A técnica seguida pelos visionários em activo é a de anunciarem um amplio leque de sucessos para o futuro, em geral a médio prazo ou, de preferência, para longo prazo. Depois apostam na voragem do tempo que neutraliza as profecias não cumpridas e ele, o futurólogo, se encarrega de destacar o acontecimento que mais se aproxima do que, de uma forma pouco concreta, distribui às audiências. Ou seja, quanto mais coisas se anunciem para o futuro maior é a possibilidade de acertar numa.

Isso sem referir aqueles que apostam sabendo que irão acertar, por exemplo nos eclipses ou nas cheias de outono. Se não aconteceram as cheias anunciadas não foi por falta de chuva, mas porque as barragens vazias se encarregaram de acumular a água, sem rebentarem. Sempre surgem explicações plausíveis para justificar o fracasso.


NEM TODO O PASSADO É LINDO




Um colega e amigo “pendurou” no fb um recorte de jornal que, visto assim de repente, parece muito interessante, sensato e exemplar. Eu até comentei que não parece plausível que nos dias de hoje se repita esta atitude, tão cívica e respetadora da cidadania em geral.

Copiei o documento e aqui o recoloco para vossa apreciação:



Passadas umas horas e recordando, memorísticamente, o que ao longo dos anos fui lendo acerca do estado das finanças públicas, incluído o periodo da monarquia, tanto absoluta como a parlamentária, chega-se à conclusão de que estas demostrações de bondade e respeito para a população em geral, em pouco alteram a realidade factual.

Sucede que tanto actualmente como nos tempos pretéritos as máquinas gobernamentais tem sido, e continuarão a ser, um redemominho que engole tudo aquilo que lhes cai por perto. A corte de um rei incluía uma extensa série de indivíduos que viviam à expensas do erário publico. As finanças da casa real sempre padeceram de estar deficitárias.

Quando a corte se deslocava para uma cidade determinada, esta mudança implicava não só o núcleo restrito da família real, como se poderia imaginar se fossemos excessivamente simples. Eram centenas de pessoas que constituiam a comitiva, desde conselheiros a criados, nobres a clérigos, soldados e ecrivãos; uma pléiade de gente. E todos tinham que ser alojados e alimentados às custas dos cidadãos residentes. Tal benesse equivalia, de facto, a uma maldição. Era como se sobre a povoação caísse uma praga de gafanhotos.

Manter o fausto da casa-real e da corte em extensão, avaliado pelo que hoje usufruímos, numa média aritmética, nos deve dar a impressão de ser duma pobreza confrangedora. Os bens correntes eram mínimos, discriminados na documentação de heranças com um pormenor que hoje nos espanta. O conforto em que viviam, se o julgarmos pelos quadros e filmes, era muito diferente, até pobre para as exigências actuais.

E, apesar disso, e mesmo que existisse uma máquina fiscal exigente, as arcas do estado estavam quase sempre vazias. Os reis, ou os seus representantes, tinham que estar permanentemente negociando empréstimos. E na maior parte das ocasiões era com os banqueiros judeus que tinham que se comprometer. A dificuldade permanente era a de poder satisfazer as dívidas acumuladas. E esta situação se repetia, em geral, por todos os reinos europeus. Quantas vezes, para se verem livres dos credores, se provocaram perseguições e massacres dos semitas, com a desculpa de que este povo era, passadas tantas gerações, ainda responsável pela morte de Jesus. Obviamente a igreja oficial colaborava, intensamente, nesta farsa crimonosa e macrabra.

Resumindo: a notícia, antiga, onde se faz referência a um gesto humanista do Rei, pode ser curiosa e até simpática. Mas no fundo não dava efeitos palpáveis. Pior do que isso é o autismo dos governantes actuais, num periodo aparentemente democrático, que agem mais por interesses pessoais e corporativos do que para beneficiar a população.

domingo, 9 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES satânicas


OS DIABOS

Desconheço quando foi que se começou a representar os diabos como trazendo um par de cornos na testa. Mas deve ter sido logo no início da comunicação extensiva entre grupos de humanos, e já depois do culto aos fenómenos da natureza,ao receio da morte e todo o cenário de receios que se foram acumulando na mente das pessoas. Do não entender o que acontecia a imaginar que tudo era devido à acção de espíritos malignos, ou benignos, os mitos que se geraram foram a base da gestão de muitas religiões, credose crendices.

O que me causa não extranheza nem admiração, mas pelo menos um certo desconforto, é o facto de verificar que mesmo pessoas cultas, e inclusive que se consideram ateus ou impermeáveis a mitos de índole religioso, caem, seja conscientemente ou não, em reacções de inibição que se podem qualificar, pelo menos, como do campo do esoterismo. Dito de outra forma,o instinto reage, em quase todos os humanos, obedecendo a preceitos inculcados, herdados de muitas gerações anteriores, mesmo aqueles se tentão mostrar-se isentos, descomprometidos, que escapam das pressões históricas, e até afirmem que sentem, convictamente que, de facto, não existem razões plausíveis para seguir presos a preceitos fora do racionalismo, estes dando tantas voltas como um gato que procura ajeitar a sua cama para dormir uma soneca, não conseguem alterar, racionalmente, os seus medos atávicos.

Este arrazoado surge a propósito de que eu, incluído no meu relativamente extenso campo de actividades pseudo-artisticas, fiz algumas talhas de madeira representando, imaginativamente, diabos com cornos. Também moldei caraças “decorativas” seguindo a mesma tónica. Nada original se recordarmos que nos caretos de Trás-os-montes estes diabos chifrudos são a tónica habitual, e que alguns dos artesãos que as talham vendem-nas aos visitantes. Nem sequer conseguem servir a todos os interessados.

O que fazem, este clientes entusiasmados no momento, depois, quando chegam aos seus lares, com as ditas caraças cornúpetas? Será que as colocam expostas numa parede ou as mantêm escondidas, resguardadas dos olhares timoratos? Receosos de que alguém os qualifique de serem adeptos de cultos satânicos?

Da minha parte, e com a colaboração dos meus filhos, que as trazem das suas viagens a países “eróticos” (leiam, exóticos), tenho uma basta colecção destas máscaras, de origens diversas. E algumas arvoram uns chifres bem evidentes, sem que nunca alguém que ao ve-las me tenha manifestado o seu desagrado, uma tenebrosa adversão, com esta presença parietal. As minhas netas, ainda de colo e mal falando, foram treinadas, por mim, com a visão das figuras “repulsivas”.

Se tentarmos ligar esta animosidade “instintiva” aos ensinamentos das religiões, sentimos que será conveniente admitir que para existirem anjos é necessário existir o oposto, ou seja, os diabos. E que tanto uns como outros não passam de figuras de retórica, de pensamentos tão mastigados e repetidos que já não nos devem emocionar. O procurar que só exista o bem é impossível. O bem só se pode avaliar por comparação com o mal. Isto é uma verdade digna do La Palisse, por ser indiscutível. A luminosidade é o posto da oscuridão. E assim sucede com muitos outros conceitos.

Resumindo e concluíndo: Não me parece normal, ou quiçá melhor racional, que adultos já educados se sintam fortemente adversos a terem, em suas casas, peças “artísticas” que tentem representar as imagens latentes, não confrontadas com a realidade, de pretensas entidades que se insinua correspondem ao mal. Sei que reagem assim, mas não me parece digno de quem for ilustrado.

CRÓNICAS DO VALE - cap. 66




Luísa vai ao ginecologista

Boa tarde Doutor. Agradeço que me tenha atendido sem ter pedido uma marcação prévia. Mas carecia da sua opinião profissional.

E de que se queixa a Senhora Luísa Maragato, que como seja que a sigo, profissionalmente, durante bastantes anos e sei que, felizmente, é uma paciente sem grandes problemas, merece ser atendida quanto antes. Não é uma questão de passar à frente, mas sim de desejar poder fazer um diagnóstico rápido e tranquilizador. Diga pois da sua preocupação.

Tenho a impressão e os tests de compra livre confirmam, que estou de esperanças, ou mais claramente que engravidei, sem ser por obra e graça do Espírito Santo.

Faça o favor de se deitar. Pode ficar com a roupa de baixo, se assim desejar. Pois só pretendo apalpar este abdómen. Está um pouco dilatado. Quanto tempo pensa que está com falta do periodo?

Umas seis semanas a partir do último fluxo. E habitualmente sou muito certa, com os antigos relógios suíços.

O melhor é fazer uma ecografia simples, daquelas que nos mostram se é menino ou menina. A minha enfermeira a acompanhará. Ora, vejamos o que o bisbilhoteiro interno nos diz. Para já, não está de facto grávida de verdade, mas o meu diagnóstico é que deve ter uma falsa gravidez, uns sintomas provocados por uma tensão psíquica intensa ou algum problema fisiológico que teremos que pesquisar. Pode descer e vestir-se, se faz favor.

Doutor, tem a certeza do que me disse. Posso estar tranquila acerca desta gravidez, que não vinha muito a calhar, mas que teriamos que assumir por uma questão de respeito à vida indefesa?

Para já terei que lhe tirar sangue e pedir que nos facilite a urina agora e outra de manhâ em jejum. Só para despistar e poder identificar, caso ecxista, o problema que devemos tratar. Por hoje, além da amostra de sangue, lhe darei uns comprimidos. Estes três, para que tome um logo hoje ao deitar, outro ao pequeno almoço e o terceiro novamente à hora da deita.

A enfermeira vai tirar o sangue. É uma artista nisso; e, não esqueça de nos trazer a urina da noite. E, recomendo, amigávelmente, que fique tranquila. Verá que isto fica novamente regularizado.


Não me sinto descansada. Desta história das gravidezes imaginadas já ouvi falar, mas pensei que era moléstia de freiras e outras pessoas atreitas a ficar histéricas. Tenho que procurar o que dizem na Internet sobre as falsas gravidezes. Mas tampouco me parece que tudo o que escrevem ali seja merecedor de crédito às cegas.

No noticiário da rádio do carro dizem que já escolheram o novo presidente do Sporting. Não faço ideia de quem é esta personagem; mas este clube, desportivo (?), tem andado numa rebaldaria excessíva. Não sou adepta de nenhum clube, mas dos nomes que se apresentaram havia um que, de imediato, eu riscaria. Era aquele do clâ dos Espírito-Santo que carrega um apelido italiano. Não me inspira a mínima confiança. De qualquer modo este mundo da bola é atrito a sujeiras, se acreditarmos nas notícias dos jornais especializados, e dos outros, que também lhes interessa chafurdar neste campo pois sabem que vende papel, e não há publicação que se aguente sem um volume de vendas já não digo bom, mas razoável. Para já, dos três grandes aparecem sempre comentários, notícias falsas ou propositadamente inchadas, para satisfazer todos os fanáticos.

Pararei em Aveiro e depois na Vila para dar uma olhadela de patroa, sem avisar, arriscando-me a encontrar surpresas pouco agradáveis. Não tenho a intenção de espiolhar; só quase que cumprimentar e olhar nas entre-linhas. E depois CASA, que quero tranquilizar a mente.

Ao Zé só lhe contarei o que se conversou, ou quase exclusivamente ouvi, da amiga Diana. Não houve surpresas. Mas é lamentável confirmar as nossas suspeitas, concretamente que os tais poderes ocultos existem e tem muita força.




sexta-feira, 7 de setembro de 2018

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 65



Isabel e Diana

- Vou encontrar-me com a Diana Cardoso. Veremos se a vontade de falar desta amiga recente, mas que parece fixe, corresponde ao que o José imaginou. Confesso que com alguma probabilidade de ter razão. Está parada à porta da dita lanchonete. Pelos vistos não quis entrar, o que prenuncia que será noutro local, mais recatado, que deseja poder trocar as nossas ideias.

Bom dia, Doutora Diana, desculpe se cheguei atrasada, mas apanhei algum transito e alguma dificuldade para encontrar uma vaga nos parques pagos. Parece que, com a mudanço do tempo todos pensaram em por o carro a rodar.

- Cheguei mesmo agora e peço, por favor e amizade, que não me trate com cerimónias. Falemos como amigas, como se nos conhecessemos da infância. As poucas horas em que pudemos conversar, descontraídamente, ficaram-me marcadas dum mdo indelével. Se não se importa, pensei que era melhor sentarmo-nos num local menos concorrido.

Eu já tenho ideia de onde podemos conversar sem olhares e ouvidos indiscretos. É que esta terra é como uma aldeia, ou pior, pois aqui além de se conhecerem todos entre si, existem personagens cuja actividade principal é a de de vasculhar na vida alheia, e nas aldeias, onde já restam poucas tabernas e os cafés tem sempre as Tvs ligadas para os programas de que o povo gosta, os utentes estão mais interessados em estar de nariz no ar e olhando para o aparelho.

- Vejo que a Diana, se prefere assim, apesar de estar imersa no meio académico não perdeu o espírito de observação de como a sociedade, dita civil, foi alterando o seu comportamento. Seja qual forem os temas que sirvam de conversa, estou de acordo de que os outros, conhecidos ou desconhecidos, não tem o direito de nos ouvirem, e pior, de interptetar á sua maneira, sempre malévola.

- Isabel, desde que estive na vossa casa no Vale, tenho pensado, quase que com obsessão, na vossa felicidade por terem um espaço desafogado, sem vizinhos de janela, onde possa jardinar e até, como me disse pelo telefone, ter uma pequena horta, mesmo que incipiente, pois que só a prepararam, como surpresa, enquanto estiveram de viagem. Já tem alfaces aptas a irem para a mesa? E rabanetes? E cenouras? E flores de vista e de corte? Digo, sem vergonha na cara que invejo a sua sorte, e sei, por intuição, que até pode ser que descure, mas com cuidado e atenção, os seus anteriores afazeres profissionais para chegar a horas de dar umas voltas pelo seu domínio agrícola.

- Diana. As plantas do meu mini-terreno crescem lentamente, à antiga. Propositadamente não lhes são aplicados adubos químicos nem pesticidas. Quando prepararam o terreno, o feitor disse-me que procurou esterco curtido na vacaria de um vizinho, e até este material, biológico, foi devidamente misturado com a terra a fim de não queimar as raízes. Como certamente sabe, quando o esterco animal, com a palha das camas, fermenta, liberta muito calor; até se vê vapor a fumar. Mas, sem dúvida, confiamos mais nesta “porcaria” orgânica do que nos produtos indiustriais, por muitas garantias de inócuidade que nos digam.

- Chegamos Isabel. Esta leitaria, à antiga, quase nunca tem ninguêm qundo em tempo sem aulas. Vinha aqui quando estudava pois o sossego, mais algum movimento esporádico, ajudava-me a empinar e entender as malditas sebentas, e os pesados códigos.

Prefere um chá ou um leite cremoso, morno e com canela? Eu vou no chá.

- Eu optarei pelo leite com canela. Há muito tempo que não bebo este leite temperado, que era a minha delícia nos meus anos de adolescente. Mas, se não se importa, e atendendo a que quando a ouvi ontem, propondo este encontro, senti que a sua voz estava, digamos que nervosa, perturvada, e daí que, por solidariedade instintiva, também tenha vontade de poder oferecer algum sossego. Caso tiver capacidade para tal.

- Amiga Isabel, creio que não disse nada que indiciasse o que me trazia, e traz, inquieta e preocupada. Mas vejo que o seu instinto lhe anunciou que, de facto, algo havia no horizonte. Bem, em verdade não está tão longe como o horizonte, a trovoada já nos caiu em cima.

A versão curta é que o Sílvio foi transferido para o Porto, como chefe de serviço. Aparentemente é uma promoção, mas nós sabemos que foi um pontapé para a frente, que nos altera a vida fortemente.

A versão média pode ser a seguinte: O inspector Cardoso, que sempre tomou as suas responsabilidades ao pé da letra e, tanto quanto conseguisse, no sentido de se cumprirem as leis vigentes, escreveu o relatório que lhe pediram “lá de cima” sobre o que apurara sobre o escãndalo dos crimes ligados à vossa propriedade. È possível que as conversas que teve com o seu marido o levassem a pensar que, de facto, a nossa sociedade tinha-se adaptado aos tempos modernos, ao século XXI e à democracia. À noção de que a lei tinha que ser igual para todos e a justiça cega, sem olhar de lado como sempre fez.

E por isso deve ter feito um relatório, confidencial, que nem eu tive a possibilidade de ler, onde deve ter descrito o que descubriu e as conclusões a que chegou. Nomeadamente que toda aquela trapalhada, por assim dizer, embora os crimes de morte não sejam coisa de somenos. teve a sua origem numa festa-bacanal onde primavam pessoas não identificadas ou que, prudentemente, não queria identificar, embora existissem alguns indícios muito claros, apontando pessoas concretas, que naquele relatório não figuravam, por uma questão de respeito e prudência.

Fecho da versão estilo Triller: Como sucede que os poderosos, apesar dos processos mediáticos, continuam a ter muita força e não cederam a sua capacidade de influenciar na justiça, nem que para tal tenham que pressionar a quem sabem para que retirem algum juiz ou acusador público para um local afastado, a primeira medida que tiveram, antes de que as coisas chegassem aos jornais, foi a de afastar o Cardoso deste inquérito, e colocar outro inspector da sua confiança.

Repercussões: Eu tenho o meu lugar, o ganha-pão, em Coimbra. E nesta cidade montamos a nossa casa. Agora estamos físicamente afastados. A meia solução de o meu marido ir e vir, diáriamente, seja de comboio ou de carro, é posssível mas cansativa e perigosa se dependente do trânsito, Chega a casa cansado e mal disposto, especialmente chateado com o que lhe fizeram. Não quer falar do trabalho que lhe adjudicaram, pois quase que está delimitado à repressão de carteiristas e residentes clandestinos, como se fosse um polícia de giro, dos da PSP e não da PJ.

Não quis enfrentar as chefias pedindo esclarecimento, pois sabe como a casa se governa. Diriam que em vez de agradecer a promoção (?) falava como se tivesse sido castigado. E, após o tirarem bolas fora ainda lhe mostrariam má cara Por enquanto agora tudo são cínicos sorrisos.

Estamos ambos não digo que desiludidos mas sim que muito desconsolados, até íntimamente ofendidos, com o proceder das altas esferas. Os ares de mudança com que sonhávamos, os dois, cada dia que passou os sentimos mais fétidos. Não se pode esperar que a sociedade mude para a utopia. O peso dos poderosos é muito grande. Podem mudar alguns dos artistas, mas o esquema vemos que permanece igual. Ou pior, pois anos atrás tinha-se a ilusão de que as coisas melhoriam, se tornassem maiss correctas, mas, infelizmente, foi só como a beleza do arco-da-velha, que além de durar uns minutos, nem sequer existe materialmente. Não passa de um efeito de luz.

A desorientação é muita. Não sabemos se transferir a casa de família, pelo menos da que queriamos iniciar, para o Porto ou arredores, sem que antes eu tenha conseguido um lugar na faculdade. Equivalente, ou perto disso, ao que tenho em Coimbra. Ainda não tentei, nem sequer conversamos seriamente os dois sobre esta possibilidade. Tenho no Porto professores conhecidos e o meu curriculum é válido em todo o País.

E de empreitada desabafei consigo. Não tinha outro pano de lãgrimas disponível. Tenho que agradecer a sua amabilidade em não me interromper. E nem sequer me atrevo a lhe pedir um conselho, menos ainda do âmbito profissional. Mesmo assim peço que me de a sua opinião e que esta sirva para nos sossegar, mesmo que a solução esteja ainda por definir.

- Amiga Diana. Sendo franca, tal como se abriu comigo, digo que nada do que me conta me causou estranheza. Asco, raiva, nojo, sim, em quantidade. Mas era de esperar quando vimos o modo como o Dr. Cardoso, ou Sílvio -se aceitar esta falta de tratamento respeituoso, que não é tal, mas antes mostra de amizade- conversava com o meu marido.

José, foi criado num meio familiar muito céptico, pouco iluso quanto à seriedade de muitas pessoas, especialmente daquelas que se consideravam respeitáveis, mas que eram tão venais e velhacos como poderia ser um carroceiro. Coitados estes, que viviam num mundo muito limitado e os seus pecados ou deslizes, mesmo que pudessem chegar a crimes de sangue, eram uma bagatela comparativamente com as capacidades e feitos dos outros

A meu entender, e ainda não tive oportunidade de trocar impressãoes com o José, que insisto é homem com muito mundo, pode ser que neste momento vos convêm manter a calma. Dar sinais de que procuram casa na área do Porto. Que a Diana quer tentar uma transferência para uma faculdade sita no Porto. E o seu marido que faça o papel de satisfeito com a promoção e mostre trabalho que -aos de cima- incite a julgar que de facto está contente com se ver livre dos problemas de provincia. Se assim os fintar, forçosamente terão que lhe proporcionar um rumo mais de acordo com as suas capacidades.

E MUITO IMPORTANTE, manter a boca calada com colegas sobre as suas conclusões acerca do que aconteceu no Vale do Pito. A pasta deve estar fechada num cofre, mais do que dormindo numa gaveta, e ele, o Cardoso, terá que engolir este sapo, tornar-se cínico, nen que seja na apariência,

A outra solução, que não sei se serve, e da qual não tenho o menor conhecimento, é a de tentar entrar numa organização de investigação privada, de preferência de nível internacional. Deve, exsitir. Mas isso é um sonho parvo de quem está fora da jogada.

- Não sabe como agradeço o me ter ouvido e os seus comentários. Estes coincidem, quase que totalmente, com aquilo que tenho andado a moer, e de que pouco falei com o Sílvio, dado que chega a casa com um ar tão pesado e triste que não oferece uma aberta para falar tranquilamente. Agora, depois de estar com a Isabel, já me sinto mais apoiada, mais segura de mim mesma.

- Só lhe dei as minhas pobres opiniões. Que pouco valem e nada adiantam. Mas confio em que vocês, um casal educado e com os pés no chão, conseguirão salvar esta situação. Mesmo que pareça que sou curiosa em excesso, gostaria de saber como avança a vossa vida. Não me leve a mal. Aguardarei as suas notícias.

- Eu é que agradeço a sua disponibilidade e atenção. Não faltarei em lhe dar notícias, sejam boas, menos boas ou mesmo más. Beijinho e dê os meus estimados cumprimentos ao seu marido. Até breve, assim espero.
Próximo capítulo: 66 - A Luísa vai ao ginecologista



quinta-feira, 6 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - não bate certo



Não sei como os cidadãos menos abastados avaliaram as repetidas notícias, que a meu entender são alarmantes, e não um sintoma de corporativismo. Refiro concretamente as sucessivas demissões, em grupo, dos responsáveis de hospitais civis, ou seja daquelas unidades de cuidados de saúde que dependem para o seu funcionamento directamente do Ministério da Saúde, e portanto das cerbas aprovadas quando se discutiu o Orçamento Geral do estado. Verbas que, de facto, lhes deveriam ser atribuídas para poderem não só tratar os pacientes que ali se acolhem mas, indispensável, poder abastecer-se dos artigos necessários, desde medicamentos, meterial de consumo, equipamentos funcionais e conseguir os elementos humanos sem os quais é difícil ou impossível manter aquelas unidades hospitalares funcionais.

Isto parece tão claro e evidente que, tendo no governo um conjunto de forças que se auto-qualificam de esquerda, e sendo uma das premissas desta facção social o garantir os cuidados de saúde, ajam perversamente em oposição factual ao aprovado no tal Orçamento Geral do Estado. Com o intuito de ganhar méritos contabilísticos perante os credores, retiraram uma parte das verbas teóricamente atribuídas em muitos departamentos. Chamam a esta manobra sibilina, o aplicar cativações.

Este truque aritmético consiste, traduzido na linguagem normal, em dar com uma mão e tirar de imediato com a outra. Agindo assim é impossível cumprir um plano de acção sério. Anda coxo logo à partida.

São muitos os serviços que se queixam desta diminuição efectiva de verbas disponíveis. Podemos admitir, sem que o País caia, que se corte no orçamento real da “cultura”. Que os museus tenham que manter salas fechadas por não ter o quadro de vigilantes completo. Que as companhias de teatro, ballet ou orquestras estejam na penúria por falta de apoio monetário; que não se possam subsidiar filmagens ou restauros considerados urgentes; etc.

Mas que os cidadãos carentes de cuidados de saúde vejam que não podem ser atendidos nos hospitais, e outras unidades de saúde, por carência de meios, e se tente justificar este crime social pelo propósito de ficar bem qualificados perante quem nos avalia, é inaceitável. E se os sindicatos, sejam filiados na CGTP,na UGT ou Independentes (teóricamente) fazem greves, pressionam e conseguem, se não tudo aquilo que reclamam pelo menos uma fracção a fim de que se calem, nem que seja por um periodo de tempo relativamente curto, o que podem fazer os doentes?

A greve do doente deve ser o morrer sem assistência. Quem se importa na governação? A opção, para aqueles que tenham uma reserva económica com uma certa magnitude, é a de poder procurar tratamento junto das unidades de saúde particulares, privadas, cujas contas são, posteriormente, cobertas pelos cofres do estado. Assim,pelo caminho, há quem lucre com a desgraça alheia. Bacano!

Os críticos, apoiantes indirectos ou camuflados, das habilidades do ministro -agora a tempo parcial, enquanto sorri com toda a dentadura- dirão que desde os médicos às equipas de enfermagem e de diagóstico, são muitos aqueles que, mesmo sem estarem em greve, prestam o seu trabalho profissional nos hospitais privados. Centros estes que constantemente aliciam os profisiionais que foram preparados pelo estado. A estes denunciantes podiamos perguntar: que entendem que deviam fazer estes membros dos quadros hospitalares, quando não os contratam ou não são remunerados como na concorrência -que sabemos joga com as costas e as contas quentes, garantidas pelas verbas do estado- para sobreviver e tirar proveito económico da sua capacidade profissional?

E este esquema, além de outros também do domínio público, funciona com o beneplácito duns elementos que se proclamam como tendo um intenso sentindo, um pendor, social; preocupados com os problemas dos mais desfavorecidos. Pelo menos, aqueles que aceitam, claramente, a sua vocação direitista, não tentam enganar o pessoal.

Uma vergonha. Não que aconteça isto, mas pior, o facto de não existir um sentimento geral de repúdio e revolta. Que vale o fingir que estamos no bom caminho quando se sacrificam os serviços essenciais?



CRÓNICAS DO VALE – cap. 64



No sossego da casa

- Boa tarde Dona Idalina Benditos os olhos que a vejam, que por acaso, entre outros, estão os meus! Então como vão os preparativos para a ceia? Certamente que já falou directamente com a dona da casa, mas não sei se lhe referiu que almoçamos na casa da Dona Gertrudes, na Vila, e nos deixou empanturrados. De maneira que o mais aconselhável é que seja, de facto, uma ceia leve.

- Boa Tarde. Menino Doutor José. Nesta casa já se sentia falta da sua boa disposição, das suas brinncadeiras de eternamente jóvem. Desde criança que sempre ouvi as suas graças, nunca ofensivas, se bem que algumas as repetia vezes sem conta. Quanto ao jantar, está tudo em andamento, como combinei com a menina Luísa. Mas tem tempo de descansarem uns minutos -ji ji ji- e tomarem um banho refrescante, caso a pressa para cear não seja muita.

- Gosto deste tratamento de menina, faz-me sentir mais nova. Seria agradável não fosse que tenho uma novidade que nem sequer o meu marido conhece. A Idalina deve ter conhecido casais em que, depois da esposa já pensar que o seu periodo de fertilidade tinha terminado, súbitamente e sem ter tido sinais de alarme, sentiu que estava de esperanças! Pois parece que é o que me está acontecendo. Já fiz a prova da farmácia, por três vezes seguidas, e parece que está confirmado. Uma vergonha! Já com idade de ser avó e poder mimar netos, vai daí o seu menino José deu-me uma prenda que não entrava nos nossos projectos.

Tenho um compromisso marcado em Coimbra e aproveitarei para visitar o ginecologista, que já me espreitou para dentro demasiadas vezes. Oxalá seja um falso alarme Rezarei, eu que não sou de crenças e menos de igrejas, para que aconteça o que já li naquelas revistas sem préstimo que temos nos salões: que por vezes o teste dá positivo mas, por outras causas, e não corresponde a uma gravidez.

E tu, José Maragato, escusas de fazer caretas. Não te espantes nem tenhas ilusões. O que precisas é de netos, e seria bom que insinuasses este desejo ao Bruno e à Luísa, pois esta demora que hoje se tornou habitual em muitos jóvens na sociedade evoluída, já maduros, conduz a que lhes cheguem as crianças quando já quase não tem vontade nem tempo de lhes dedicar atenção, e principalmente brincarem, os carregarem às cavalitas, ensinar-lhes a andar de biciclete, depois de treinar no triciclo, e colaborarem nas brincadeiras do faz de conta, que é uma forma de crescerem.

Vamos ao banho e a Idalina pode dar uma meia hora, comprida, para os nossos preparativos e descanso, que esta coisa de andar de um lado para outro com o carro também já cansa.

José, agora sem testemunhas, tenho que te fazer um pedido pessoal. Já te contei que nunca tive a oportunidade de ter um jardim à minha conta. Fiquei muito contente com a surpresa que o Ernesto me deu quando regressamos da nossa adiada viagem de noivos. Não passa dia em que eu deixe de visitar, e mais do que uma vez, os canteiros e as flores. É uma alegria ver como surgem os pequenos botões, que engordam até se abrirem em flores.

Apanhar uns coentros ou um raminho de salsa para colaborar na cozinha, é uma emoção que não podes imaginar. E sem falar nas galinhas poedeiras que a Idalina comprou a uma sua amiga que mora perto de nós. Ah! E um galote já desafiador, que não gosta que se entre no capoeiro para recolher os ovos. Os que moram num andar na cidade, ou mesmo na Vila caso não tenham um quintal anexo, não sabem o que perdem. O contacto com a natureza é um complemento importante na nossa vida. E, tal como parece que me acontece, uma das galinhas está no choco. A Idalina não tem a certeza de se os ovos estão devidamente galados, ou fertilizados sendo mais cultivado. Mas eu aposto no jovem galo, pois passa o dia montado nas galinhas.

- Falas tanto que não consigo absorver tudo o que dizes, e mesmo assim fiquei com a impressão de que guardaste a cereja do discurso para o fim. Por isso, continuarei calado, à espectativa.

- Zé, es um fulano muito vivido e vês de longe. Mas esta minha vontade é quase impossível que a tenhas imaginado. Como sabes fui comprando livrinhos de jardinagem e horta; já tenho uma mini biblioteca, e todos foram tidos, não como a maior parte dos volumes que se encontram expostos nas casas particulares. Alguns só tem a lombada! Pois destes livros e da paixão para as flores surgiu o interesse em ter uma mini-estufa no jardim. Já pensei onde a podiamos instalar e pedi folhetos a casas especializadas. Gostaria de ter orquídeas e cactos que não aguentam o inverno, de saber orientar as regras e o aquecimento, solar se possível. E esta mania, loucura se quisermos, ainda custa uns cobres largos. Gostaria de que autorizasses o meter-me nesta aventura e que fosse eu a financiar. Em vez de trocar de carro, por capricho, ou actualizar o vestuário como uma vítima das modas, preferiria avançar neste terreno que desconheço.

- Muitas novidades num só dia, ou em poucos minutos. Para já esta surpresa de poder vir a sermos pais em vez de avós, pelo menos eu, que tu tens mais de dez anos de diferença sobre este velho. E depois esta febre na agricultura que despontou em ti. Ambas novidades são um espanto, mas que darei o meu apoio. Na condição de que tu trates de contratar e gerir a estufa, ao teu gosto, mas com o apoio de alguém conhecedor deste ramo especial da floricultura, e depois que seja eu o financeiro responsável.

- Querido marido, sinto-me lisonjeada, mais uma vez, pelo modo simpático e carinhoso com que acolhes as minhas propostas. Quanto ao apoio técnico creio que o tenho garantido. Uma das minhas clientes do salão tem um filho, licenciado numa faculdade de couves e vinhas, agrícola se preferires, que, curiosamente, estagiou numas estufas que uns holandeses -que são uns barras nesta coisa- montaram num sapal entre Aveiro e Murtosa. Ouvi a mamá e não abri o meu jogo até falar contigo, mas tenho o palpite de que, pelo menos na instalação e num apoio ao jeito de avença, poderia contar com este moço, ou com algum colega dele se o recomendasse.

- Não sei se conseguirei digerir todo este chorrilho de histórias que me enfiaste sem respirar. Para já vamos à ceia e necessito de um gin-tónico para entrar em sintonia. E, por favor, hoje não me contes mais novidades, a não sei que desejas que tenha um AVC e fique por aí sentado com a boca torcida.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

CRÓNICAS DO VALE - cap. 63




Com a Isabel

Não posso dizer que saí da Judiciária mais tranquilo do que ao entrar. Mas desabafei contando a minha verdade e eles, seja o Cardoso ou o Quaresma, que cozinhem as coisas como entendam ou como lhes permitam, caso lhes entreguem um roteiro concreto para seguirem sem se desviarem. Para já vou ligar à Isabel para a tranquilizar, e também para eu tirar algum do azedume que aquela casa me deixou na boca.

Isabel, já estou na rua. Não foi desta que estrei os calabouços. E quero me encontrar contigo, almoçar e conversar. Donde estás? Diz-me donde nos podemos encontrar e a que horas. Eu posso fazer tempo visitando os teus conhecidos advogados. Mas esta visita pode esperar para outra ocasião. Fico aguardando pela tua chamada. Para já entrarei num café para relaxar junto de uma bica ou um cimbalino. Já não sei o que se diz em cada terra. Até já.

Zé, estou em Aveiro e tenho alguns assuntos a tratar antes do almoço. Nada de grave, mas já sabes que é conveniênte nunca deixar a cavalgadura sem manter as rédeas na mão. Todos e todas são excelentes pessoas, mas convêm afastar as tentações. E mesmo com cuidados não estamos resguardados de aborrecimentos. Bem aconselham (em 1780) Hum olho há de Dormir, e com o outro vigiar.

Seja como for, podemos almoçar na Vila, no “restaurante típico” CALECHE da Dona Gertrudes. Depois daquele almoço “social” no armazém da tua propriedade fiquei devedora das atenções que esta Senhora nos dedicou. O que não obstou a que pagassemos todas as contas que foram surgindo. Espero por ti entre a uma e uma e meia.

Cheguei! Como diziam num anúncio qualquer ou num programa brasileiro. Espero que aquelas quase duas semanas de andar de um lado para outro já tenham acalmado. Já tinha saudade do tal conforto do lar e de dormir acompanhado por uma pessoa amada. Ficou um bocado melosa esta frase, mas não me ocorreram palavras mais impessoais. Vamos trocar uma beijoca, e quero ouvir primeiro as tuas novidades.

Nos salões as coisas estavam normais. Tinha algumas decisões a tomar, sem ser o dos templários. Mas os anos de experiência neste ramo já me abriram caminho para me orientar, mesmo em mar revolto. Que não era o caso de hoje. Felizmente.

A única novidade, que pode ser interessante, é que mal desligaste tocou o telefone com a voz da Drª Diana, a esposa do Cardoso. Não esperava este contacto. Mas ela pediu-me que gostaria, se possível, encontrarmo-nos amanhã à tarde, em Coimbra, numa lanchonete da Rua das Montras, que sei qualé mas que, neste momento, não me surge o nome -sabes que já sinto brancas de memória? A idade já se faz notar, e não quero aceitar que caminho para a decrepitude, tal como acontece logo que nascemos- Ficamos em nos ver às quatro da tarde. Mas não me adiantou nada de nada. Não sei se eu estava com ouvidos a desconfiar ou se simplesmente prefere conversar cara-a-cara. Sabes que gostei desta Senhora, que não se armava em importante apesar de dar aulas na faculdade. E, possívelmente por eu a ter em excelente conta fez que a sentisse para o triste. Aguardaremos por amanhâ.

Se calhar não é necessário manteres-te na espectativa. Ontem soube coisas que podem ter influênciado desagradávelmente a este casal. Mas, por favor, o que ouvires de mim guarda no fundo do saco. Não faças como é costume em muitas mulheres. Logo que a sua interlocutora começa a rezar o seu terço, interropem dizemdo: já sabia disso!ortam a palavra e é muito desagradável. Coisas de mulheres, e de alguns homens.

Ao longo da entrevista-interrogatório na PJ de Coimbra, agora com um novo inspector responsável do inquérito no caso dos mortos colocados nos terrenos do Vale do Pito. Este chama-se Emílio Quaresma e faz o possível para se mostrar simpático e compreensivo. Nunca fiando com estas gentes, que foram escolhidos e treinados para não mostrar o seu jogo. Não quero dizer que joguem sujo, mas que trazem ases na manga podes ter a certeza, e isso quando não jogam com dois baralhos, como na canasta, ou mesmo três.

Este Quaresma comunicou-me que o Cardoso foi destacado para a central do Porto (aqui devem estar as razões de tristeza da esposa Diana) De imediato cheirou-me a um pontapé para a frente, possívelmente porque o Cardoso se mostrou relutante para deixar esquecer o tema, dado que, obviamente, tinha que haver gente importante, de peso e influência, aue estando implicados não desejavam aparecer nas gazetas. O dossié do Vale foi-lhe entregue a ele, Quaresma. Ele disse que depois de ler, atentamente, o que estava relatado na pasta, ficou com algumas dúvidas a meu respeito.

Depois de conversarmos, ou mais propriamente, eu desbobinar a minha verdade e as minhas deduções, que ele afirmou estavam coincidentes com o relatório que guardava fechado à sua frente, acabou por dizer que o colega Cardoso lhe disse, abertamente, que me chamasse e procurasse em mim, directamente, esclarecer o que para ele não estava claro, ou tão diáfano como gostaria.

E ao longo da longa hora que estive no seu gabinete não saiu disso, do que está nos autos. No fim dei uma dica sobre as pressões que supunha que as pessoas no seu posto recebiam quando os asuntos a inquirir podiam atingir círculos que não apreciavam serem apresentados em público. Ficou calado como um rato -de esgoto?- e quis despedir-se saíndo da sua mesa e pedindo um abraço que, acompanhou com umas palavras de apreço e concordância com as minhas reticências, bem justificadas, de sentir que aquilo tudo, onde se mataram pessoas, além das bacanais infames, podia terminar esquecido no fundo de uma gaveta.

E agora, querida Isabel, eu quero descarregar a tensão e almoçar com outros temas menos aborrecidos. Dado que chegaste primeiro admito que já deves ter conversado com a “Trudes”, como diziam os rústicos mas agora todos já falam à lisboeta como lhes ensinou a televisão. Daí que aposto em que já escolheste uma ementa para este almoço. Estou nas tuas mãos, sabendo que terás feito uma boa selecção de petiscos.