quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

MEDITAÇÕES 58 - XENOFOBIA


POR ENQUANTO AINDA NÃO APANHAMOS
As notícias frequentes de atentados, sempre atribuídos à pressão islâmica, são, propositadamente, desdramatizados das suas origens simultâneamente referindo a presumível existência de xenofobia, por parte dos ocupantes, e jamais dos migrantes, e justificando as consequenciais da pressão invasora de fluxos humanos. Dando a entender que todos nós somos culpados das pressões existentes no seu território de origem. Pressões ocasionadas, por diversos problemas, sejam eles de guerras, perseguições, fomes,  excesso populacional, ou combinação de diversos factores que induzem os povos a se deslocar, em migração, para tentar escapar e melhorar a sua vida. Uma situação que está muito longe de ser novidade, pois que desde os primórdios das civilizações estas migrações, invasoras, tiveram ligar.
Existem diversos factores que influenciam a situação. Um deles, que é referido com frequência, é que nos países com economia evoluída a renovação populacional, vista como a substituição dos cidadãos falecidos por novos elementos, descendentes do mesmo grupo social e étnico, é deficiente. Facto que, não se pode considerar como inusitado, pois que após grandes conflitos e pestes as populações residentes se viram drasticamente dizimadas. O que é novo é que se anteriormente a diminuição populacional se compensava, quase no período de uma geração, hoje os novos casais optam por não ter descendência ou por reduzir o número de filhos a um. Os migrantes, que não atingiram o estado de estabilidade económica, continuam no esquema mais tradicional de procurar garantir o sobrevivência do grupo por meio de contínuas gravidezes, mesmo que as doenças endémicas deixasses de desbastar, cruelmente, as populações.
O que é relativamente novo nas sociedades ocidentais não é a convivência entre indivíduos de etnias muito diferentes, com costumes e doutrinas religiosas que conduzem a confrontos violentos. A xenofobia é instintiva, natural, e não só entre os humanos. Para vencer o desconforto, o receio, de ter que conviver com gente notoriamente diferente daqueles com que estávamos habituados, ou com os quais não existiam confrontos com agressividade, é necessário um duplo esforço, por um lado de educação para aceitar o diferente, e depois de vencer os naturais receios gerados quando o número de forâneos ultrapassa a quantia que, sem estar definida, aceitaríamos sem receios alarmistas. Neste jardim calcula-se que os africanos de origem e seus descendentes, somem uma quantidade raiana dos 90.000 indivíduos, que até se admite ser, provavelmente superior.
A noção de xenofobia com que nos procuramos inculpar é relativamente recente, em dimensão, na sociedade ocidental. Os precedentes na literatura europeia são bastantes, mas podemos referir três como amostras de diferentes fases do receio racial. Quando em 1603 William Shakespeare publicou o drama de Otello. O mercador de Veneza, o cerne da situação não estava exclusivamente na cor da pele do protagonista (um moiro de pele escura, casado com uma dama branca da corte veneziana, mas dos ciúmes que germinaram por infâmias sobre o comportamento da esposa com um veneziano, branquinho como o requeijão. Otello continuava sendo bem visto e apreciado pela alta sociedade veneziana.
Em 1719 o inglês,Daniel Defoe metodista fervoroso, apoiando-se em relatos de náufragos posteriormente resgatados, escreveu as aventuras de Robinson Crusoé, uma obra que, pelo seu conteúdo e mensagens socialmente cativantes, predispunha a considerar que o homem criado sem a influência da cultura ocidental, tinha em si um nível de bondade inquestionável. Isso apesar de que entre eles existissem guerras cruéis e inclusive canibalismo. Uma obra que se tornou extensivamente divulgada e considerada como fundamental para a educação dos jovens europeus. Por todo o século XVIII foi o texto que mais edições teve e que em mais línguas foi traduzido.
Esta noção da nefasta influência que a cultura ocidental exerceu sobre os povos indígenas, ou selvagens no conceito de não estarem cultivados no mesmas regras do que (teoricamente) se regiam os ocidentais, teve uma ampla difusão no século XVIII. Muitas obras se escreveram e ditaram com esta argumento. O mais famoso texto é de Jean Jacques Rousseau, que em 1755 publicou O BOM SELVAGEM. As doutrinas emanadas na noção de que a maldade dos povos "incultos" era consequência do mau comportamento dos "brancos", ficaram gravadas, inconscientemente, em muitas mentes e nos levaram a assumir culpas injustificadas, se não de tudo aquilo de que nos acusamos, pelo menos de uma boa parte do que sucede à nossa volta neste contexto.
O que sim posso afirmar é que, até hoje, o tentar explicar certos acontecimentos, traumatizantes, com distúrbios e mortes, tornou-se incómodo para muitos cidadãos, temerosos de que as suas opiniões pessoais conduzam a que, aquele que se atreveu a polemizar, seja qualificado de racista e xenófobo. Como em muitos outros assuntos, não nos podemos cingir, estritamente, ao claro e ao escuro; há muito cinzento que deve ser visto com calma.



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