POR ENQUANTO AINDA NÃO APANHAMOS
As
notícias frequentes de atentados, sempre atribuídos à pressão
islâmica, são, propositadamente, desdramatizados das suas origens
simultâneamente referindo a presumível existência de xenofobia,
por parte dos ocupantes, e jamais dos migrantes, e justificando as
consequenciais da pressão invasora de fluxos humanos. Dando a
entender que todos nós somos culpados das pressões existentes no
seu território de origem. Pressões ocasionadas, por diversos
problemas, sejam eles de guerras, perseguições, fomes,
excesso populacional, ou combinação de diversos factores que
induzem os povos a se deslocar, em migração, para tentar escapar e
melhorar a sua vida. Uma situação que está muito longe de ser
novidade, pois que desde os primórdios das civilizações estas
migrações, invasoras, tiveram ligar.
Existem
diversos factores que influenciam a situação. Um deles, que é
referido com frequência, é que nos países com economia evoluída
a renovação populacional, vista como a substituição dos cidadãos
falecidos por novos elementos, descendentes do mesmo grupo social e
étnico, é deficiente. Facto que, não se pode considerar como
inusitado, pois que após grandes conflitos e pestes as populações
residentes se viram drasticamente dizimadas. O que é novo é que se
anteriormente a diminuição populacional se compensava, quase no
período de uma geração, hoje os novos casais optam por não ter
descendência ou por reduzir o número de filhos a um. Os migrantes,
que não atingiram o estado de estabilidade económica, continuam no
esquema mais tradicional de procurar garantir o sobrevivência do
grupo por meio de contínuas gravidezes, mesmo que as doenças
endémicas deixasses de desbastar, cruelmente, as populações.
O
que é relativamente novo nas sociedades ocidentais não é a
convivência entre indivíduos de etnias muito diferentes, com
costumes e doutrinas religiosas que conduzem a confrontos
violentos. A xenofobia é instintiva, natural, e não só
entre os humanos. Para vencer o desconforto, o receio, de ter que
conviver com gente notoriamente diferente daqueles com que estávamos
habituados, ou com os quais não existiam confrontos com
agressividade, é necessário um duplo esforço, por um lado de
educação para aceitar o diferente, e depois de vencer os naturais
receios gerados quando o número de forâneos ultrapassa a quantia
que, sem estar definida, aceitaríamos sem receios alarmistas. Neste
jardim calcula-se que os africanos de origem e seus descendentes,
somem uma quantidade raiana dos 90.000 indivíduos, que até se
admite ser, provavelmente superior.
A
noção de xenofobia com que nos procuramos inculpar é
relativamente recente, em dimensão, na sociedade ocidental. Os
precedentes na literatura europeia são bastantes, mas podemos
referir três como amostras de diferentes fases do receio racial.
Quando em 1603 William Shakespeare publicou o drama
de Otello. O mercador de Veneza, o cerne da situação
não estava exclusivamente na cor da pele do protagonista (um moiro
de pele escura, casado com uma dama branca da corte veneziana, mas
dos ciúmes que germinaram por infâmias sobre o comportamento da
esposa com um veneziano, branquinho como o requeijão. Otello
continuava sendo bem visto e apreciado pela alta sociedade
veneziana.
Em
1719 o inglês,Daniel Defoe metodista fervoroso,
apoiando-se em relatos de náufragos posteriormente resgatados,
escreveu as aventuras de Robinson Crusoé, uma obra que,
pelo seu conteúdo e mensagens socialmente cativantes, predispunha a
considerar que o homem criado sem a influência da cultura
ocidental, tinha em si um nível de bondade inquestionável. Isso
apesar de que entre eles existissem guerras cruéis e inclusive
canibalismo. Uma obra que se tornou extensivamente divulgada e
considerada como fundamental para a educação dos jovens europeus.
Por todo o século XVIII foi o texto que mais edições teve e que
em mais línguas foi traduzido.
Esta
noção da nefasta influência que a cultura ocidental exerceu sobre
os povos indígenas, ou selvagens no conceito de não estarem
cultivados no mesmas regras do que (teoricamente) se regiam os
ocidentais, teve uma ampla difusão no século XVIII. Muitas obras
se escreveram e ditaram com esta argumento. O mais famoso texto é
de Jean Jacques Rousseau, que em 1755 publicou O BOM
SELVAGEM. As doutrinas emanadas na noção de que a maldade dos
povos "incultos" era consequência do mau comportamento
dos "brancos", ficaram gravadas, inconscientemente, em
muitas mentes e nos levaram a assumir culpas injustificadas, se não
de tudo aquilo de que nos acusamos, pelo menos de uma boa parte do
que sucede à nossa volta neste contexto.
O
que sim posso afirmar é que, até hoje, o tentar explicar certos
acontecimentos, traumatizantes, com distúrbios e mortes, tornou-se
incómodo para muitos cidadãos, temerosos de que as suas opiniões
pessoais conduzam a que, aquele que se atreveu a polemizar, seja
qualificado de racista e xenófobo. Como em muitos outros assuntos,
não nos podemos cingir, estritamente, ao claro e ao escuro; há
muito cinzento que deve ser visto com calma.
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