sexta-feira, 31 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE – Cap. 89


Em Coimbra

Existiam temas para tratar nesta cidade, mas a eles se juntaram os que, inesperadamente, surgiram quando nos encontramos defronte às obras de restauro? ou de adaptação? daquele casarão que nos afectou durante semanas e meses. Mas o que me incitou a marcar pousada no Hotel Avenida foi uma questão pessoal. Além de que os dois temos as nossas recordações de estadias neste local, queria poder ter alguma distância física entre o assunto que temos que definir e o próprio local.

- José, meu querido, estando tão perto de casa e o dia ainda ter muitas horas de sol pela frente, como é que te caprichaste para esta escala? É que mais parece um engate de adultério do que um motivo sério.

- Se o estar na “nossa suite de canto”, virada para o largo da portagem e com vista para o bazófias, te provoca calafrios de transgressão, fico feliz por isso. E espero que antes de ir para a rua, e apreciar a circulação de forasteiros, mais ou menos desorientados, nós podemos ter um bocado de descanso ao nível da picaresca. Para já, e antes de nos lançar nas pouca-vergonhas, proponho que baixemos as persianas e procuremos dormir uma sesta entre irmãos, ou seja, sem dar azo a aquecimentos. Para já eu vou tomar um duche, reparador, e, depois de enxuto, vestir estes boxers como prova de que não pretendo transgredir.

-Pois eu vou a seguir, sem boxers, mas vestirei umas cuecas de gola alta, especiais para desanimar até o Senhor Cura mais afoito.
..

- Mas que agradável soneca! Nem dei pelas horas passarem, nem por ter tirado a minha peça de roupa. O que aconteceu? Será que me deu uma crise de sonambulismo e ataquei a minha companheira de leito sem sequer proferir umas palavras ternurentas? A rigidez do meu aparelho reprodutor não me esclarece de ter descarregado minutos atrás. Tu sabes se neste intervalo de inconsciência fui capaz de alguma mal feitoria?

~ Zé, escusas de estar descansado ou preocupado. Cumpriste a tua função como um “carvalhelhos”, e sabendo, como sabes, que és capaz de bisar sem desligar… Mas será que ainda estás com vontade de festa rija, Maria Botija? O melhor é deixar alguma coisa para depois de jantar, se bem que pelo que me diz respeito só queria uma coisa mesmo leve, do estilo de uma omelete mal passada com uns camarões no interior. Quiçá uma pequena tigela de caldo verde enquanto se aguarda e depois, se o estômago ou a gula assim o pedirem uma sobremesa cremosa.

Ontem disseste, sem usar palavras de cartório notarial, que hoje pretendias combinar, com tranquilidade e vagar, a forma como iríamos, em dueto, mas ficando tu mais mudo e sério do que participante activo, na conversa séria que tinha marcado com o filho da cliente do salão. Aquele diplomado em couves e cravos que me ilustrou, a seu gosto, na minha aventura de "estufadora" amadora.

- De facto eu tinha este propósito. Pensei bastante no tipo de conversa que devias ter. Mas depois de algumas trocas de impressões que sobre o tema já tivemos, fiquei convencido de que tu sabes bem como tens que orientar a mudança de planos. Mostraste estares ciente de que aquilo que te propunham carecia de um investimento pesado, com poucas, ou mesmo nenhumas, possibilidades de retorno, e que com muito menos, com a ajuda do nosso caseiro, e a vontade que mostraram as senhoras da casa em te ajudar, seria mais do que suficiente para brincar em floricultora e horticultora mesmo nos meses agressivos. Ter algumas plantas de flor, mesmo das que carecem de resguardo no inverno, mais os pais pés de salsa, meia dúzia de alfaces e outros mimos que gostamos de ter por perto sem ir à loja. Que mais do que isso não seria compatível com os teus negócios pessoais, dos quais, tenho que confessar, a minha presença te tem afastado demasiado. Tens que voltar ao leme antes que seja tarde.

Resumindo, estarei presente ao teu lado, e com cara séria, e obviamente apoiarei o que decidires. Em compensação tu poderás retomar a atenção não só aos teus salões mas retomar o projecto do outro que já tinhas mais ou menos alinhavado. A lida da casa já verificaste que com a Idalina, como governanta experiente e eficaz, funciona sem necessidade de estares permanentemente presente. Eu até sou apologista de que, apesar de manter um controle atento, devemos deixar os bons elementos com liberdade para decidir. Com nosso comando!

E eu, pelo meu lado, já te contei que o Cardoso me convocou para um encontro, amanhã ou na terça. Em local e hora que não sei, para avançar ou rejeitar por inalcançável ou despropositado, um projecto que nos surgiu defronte do casarão em obras. Veremos se a ideia se pode centrar naquele local ou noutro ainda mais idóneo. Por enquanto são só uns sonhos. Não digo que com ou sem fundamento, mas que sei já se terem concretizado na vizinha Espanha. A influência dos ianques não se fica nos McDonald e similares já foram concretizados. Pode ser uma perda de tempo. Fazendo uma intensa campanha publicitária são capazes de nos imbuir coisas que nunca nos passaram pela cabeça.

Se o que nós intuímos ontem tiver pernas para andar, não será interessante só pelo dinheiro, mas também pode ser o germe dum negócio quase que garantido, mas preferir que ficasse nas mãos de nacionais e não de colonizadores capitalistas.

Mudando de rumo, houve mais uma coisa que se acendeu na minha cabeça. Sinto que deixei passar demasiado tempo sem ter contacto directo com os meus filhos, ou nossos depois de legitimar a nossa união no cartório, de papel passado como dizem os brasileiros, de ficares com a categoria de madrasta-madrinha-mãe suplente. Tenho que combinar com eles, juntos ou separados, um encontro, seja em Lisboa ou até fora de portas. Que te parece se fossemos juntos a Sevilha, Madrid, Barcelona ou Paris? Sem descartar outro destino considerado interessante. Os aviões e as marcações pela internet nos colocam noutra cidade sem problemas.

E agora vamos cear qualquer coisa. Se virmos que nesta grande aldeia há alguma fita em cartaz que nos desperte a atenção, entraremos. E em caso de contrário e se queres regressar a casa, eu faço contas na recepção e abalamos num táxi até Vale do Pito. Mas antes, como disse, temos que reabastecer.

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