Um
almoço prolongado
Afinal
aquele ribeiro galego, que deveria ser só um copinho enquanto os
comensais se batiam com os aperitivos, escorregou que nem no
ZooMarine. Ainda os pratinhos das tapas estavam a meio e já a
garrafa tinha dado a sua última gota, que não um derradeiro
suspiro, pois quem suspira tem que ser o bebedor e não o recipiente.
A Gertrudes, sempre ateta, não demorou a trazer uma suplente, mas
desta feita do lado sul do rio minho, com chacela nacional,
patriótica. Com a sua chegada os quatro da “vida airada”aceleraram
no esvaziamento dos pratinhos Desta feita suspirando de facto pelas
ameijoas galegas e o jamón serrano.
Mas
o peixe estava à espera e não se podiam demorar mais. Colocaram no
meio da mesa uma travessa com um pregado de bom tamanho, que os
vizinhos chamam de rodaballo, e com a garantia de não ser de
aquacultura, mas bravio como um toiro ribatejano, sem cornos. Veio
com molho de manteiga e salsa picada, enfeitado com umas rodelas de
limão. A Gertrudes avisou que no molho já se tinha juntado uma boa
dose de sumo de limão, e outros temperos que são segredo da sua
cozinha.
Cada
comensal decidiria se queria expremer a rodela ou confiava no molho.
Como acompanhamento vinham uns grelos de nabo, sem amargor, cozidos a
preceito, verdes como folhas recentes de uma árvore nesta altura. E
numa tigela larga umas batatinhas, cozidas com pele, mas já
descascadas, e previamente a serem servidas foram passadas por uma
sertã com uns riscos de azeite virgem, bem quente e umas gotas de
molho de piripiri caseiro.
Na
outra travessa figurava um arroz de lampreia, em dose reduzida, pois
que sempre se valorizou a adversão que algumas pessoas sentiam por
aquele prato, onde prevalece o sangue escuro e o vinho tinto. Só
para quem aprecie. Mas para quem deseje outro prato de peixe tenho,
em andamento, uma caldeirada de peixe e marisco da ria, que pode
satisfazer.
Vendo
que a garrafa de verdelho já ia a meio e prevendo que não se
passaria directamente para a água, mesmo que os copos já tivessem
sido usados com este líquido indispensável, a Dona Gertrudes
perguntou se queriam continuar a o branco ou, os que optassem pela
lampreia prefeririam nem que fosse um jarrinho de tinto caseiro de
confiança.
Todos
se mostraram desejosos de comer tanto do pregado como da lampreia. A
sugestão da caldeirada foi aprovada, mas não para esta refeição,
pois todos já sentiam o peso de umas décadas às costas e é altura
de ter juízo.
- Amigo Sílvio, todos sabemos que é
de boa educação não falar enquanto se come e tampouco comer
quando se fala. Mas, que diabo! Quem é que não gosta de trocar
umas palavras quando se está bem acompanhado? Eu, normalmente não
me sento junto de pessoas que deteste, ou que me sejam
inexplicávelmente repulsivas. Mas em situações como esta, a de
agora, umas palavras sossegadas e interessantes podem ajudar a
engolir um repasto, por muito agradável que seja de por si. O que
lhe parece?
-
O José, não é só pelo facto ter mais alguns anos do que nós, que
lhe reconhecemos a sua experiência de vida, mais o tacto que sempre
mostrou ter Tudo em si o faz merecedor de poder abrir e manter uma
conversa acolhedora. Daí que lhe peça que ponha um tema sobre a
mesa, e se estivermos afins de o seguir, acrescentaremos um ponto ao
conto, um de cada vez.
Pois
eu atrevo-me a comentar o recente desafio, quase que taurino, do
nosso primeiro ministro que, depois de incitar as hostes com umas
propostas dúbias, como se podia esperar de alguém com criação
indostânica, conseguiu derrotar os opositores sem necessidade de
disparar um tiro. Ao mesmo tempo calou os parceiros, que já se
sentiam quase galos, e assim ficaram com a cabeça debaixo da asa.
Por enquanto. E tudo sem prometer nada a ninguém. Foi tudo
conseguido com elegância e malandrice q.b. Pelo menos esta é a
minha visão sobre a actualidade.
-
O Maragato não me desiludiu com este comentário. Vejamos: Não
atacou nenhum dos lados, nem os diminuiu, só mostrou um certo
respeito ou admiração pela jogada de xadrez que o Costa aplicou.
Mas... isto foi numa fase em que jogo ainda não começou. Estamos no
aquecimento das equipas. Da minha lavra pouco posso dizer que
discorde de si, além de que, como sabe, eu estou no meio de um ninho
de víboras potenciais e, por circunstâncias profissionais que me
restringem, reconhece certamente que não me convêm manifestar-me em
locais públicos, onde sempre existe o risco de que depois as minhas
palavras se transfiram deturpadamente. Como dizia “o gordo” ao
seu parceiro no número: Baptista não me comprometa! E ao ver
estas blagues sabíamos que a personagem do moreno representava outro
Baptista, mais importante.
E
assim, comendo, bebendo e conversando cuidadosamente, deram cabo do
enorme pregado e da dose de lampreia, sempre “repugnante”, tanto
viva como cozinhada com o seu sangue, ou como sangue dos peixes de
quem se tinha alimentado.
Está
na hora de descansar, pedir os cafés, sem pressa e ponderar se nos
vamos atrever com outra sobremesa que não seja uma fruta. Isso na
hipótese de que não olhemos para os tentadores doces da Dona
Isaura.
A
sobremesa ficará para o seguinte capítulo. Não seja que o leitor
fique em risco duma indigestão.
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