quinta-feira, 9 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE – Cap 81



Um almoço prolongado

Afinal aquele ribeiro galego, que deveria ser só um copinho enquanto os comensais se batiam com os aperitivos, escorregou que nem no ZooMarine. Ainda os pratinhos das tapas estavam a meio e já a garrafa tinha dado a sua última gota, que não um derradeiro suspiro, pois quem suspira tem que ser o bebedor e não o recipiente. A Gertrudes, sempre ateta, não demorou a trazer uma suplente, mas desta feita do lado sul do rio minho, com chacela nacional, patriótica. Com a sua chegada os quatro da “vida airada”aceleraram no esvaziamento dos pratinhos Desta feita suspirando de facto pelas ameijoas galegas e o jamón serrano.

Mas o peixe estava à espera e não se podiam demorar mais. Colocaram no meio da mesa uma travessa com um pregado de bom tamanho, que os vizinhos chamam de rodaballo, e com a garantia de não ser de aquacultura, mas bravio como um toiro ribatejano, sem cornos. Veio com molho de manteiga e salsa picada, enfeitado com umas rodelas de limão. A Gertrudes avisou que no molho já se tinha juntado uma boa dose de sumo de limão, e outros temperos que são segredo da sua cozinha.

Cada comensal decidiria se queria expremer a rodela ou confiava no molho. Como acompanhamento vinham uns grelos de nabo, sem amargor, cozidos a preceito, verdes como folhas recentes de uma árvore nesta altura. E numa tigela larga umas batatinhas, cozidas com pele, mas já descascadas, e previamente a serem servidas foram passadas por uma sertã com uns riscos de azeite virgem, bem quente e umas gotas de molho de piripiri caseiro.

Na outra travessa figurava um arroz de lampreia, em dose reduzida, pois que sempre se valorizou a adversão que algumas pessoas sentiam por aquele prato, onde prevalece o sangue escuro e o vinho tinto. Só para quem aprecie. Mas para quem deseje outro prato de peixe tenho, em andamento, uma caldeirada de peixe e marisco da ria, que pode satisfazer.

Vendo que a garrafa de verdelho já ia a meio e prevendo que não se passaria directamente para a água, mesmo que os copos já tivessem sido usados com este líquido indispensável, a Dona Gertrudes perguntou se queriam continuar a o branco ou, os que optassem pela lampreia prefeririam nem que fosse um jarrinho de tinto caseiro de confiança.

Todos se mostraram desejosos de comer tanto do pregado como da lampreia. A sugestão da caldeirada foi aprovada, mas não para esta refeição, pois todos já sentiam o peso de umas décadas às costas e é altura de ter juízo.

Amigo Sílvio, todos sabemos que é de boa educação não falar enquanto se come e tampouco comer quando se fala. Mas, que diabo! Quem é que não gosta de trocar umas palavras quando se está bem acompanhado? Eu, normalmente não me sento junto de pessoas que deteste, ou que me sejam inexplicávelmente repulsivas. Mas em situações como esta, a de agora, umas palavras sossegadas e interessantes podem ajudar a engolir um repasto, por muito agradável que seja de por si. O que lhe parece?
- O José, não é só pelo facto ter mais alguns anos do que nós, que lhe reconhecemos a sua experiência de vida, mais o tacto que sempre mostrou ter Tudo em si o faz merecedor de poder abrir e manter uma conversa acolhedora. Daí que lhe peça que ponha um tema sobre a mesa, e se estivermos afins de o seguir, acrescentaremos um ponto ao conto, um de cada vez.

Pois eu atrevo-me a comentar o recente desafio, quase que taurino, do nosso primeiro ministro que, depois de incitar as hostes com umas propostas dúbias, como se podia esperar de alguém com criação indostânica, conseguiu derrotar os opositores sem necessidade de disparar um tiro. Ao mesmo tempo calou os parceiros, que já se sentiam quase galos, e assim ficaram com a cabeça debaixo da asa. Por enquanto. E tudo sem prometer nada a ninguém. Foi tudo conseguido com elegância e malandrice q.b. Pelo menos esta é a minha visão sobre a actualidade.

- O Maragato não me desiludiu com este comentário. Vejamos: Não atacou nenhum dos lados, nem os diminuiu, só mostrou um certo respeito ou admiração pela jogada de xadrez que o Costa aplicou. Mas... isto foi numa fase em que jogo ainda não começou. Estamos no aquecimento das equipas. Da minha lavra pouco posso dizer que discorde de si, além de que, como sabe, eu estou no meio de um ninho de víboras potenciais e, por circunstâncias profissionais que me restringem, reconhece certamente que não me convêm manifestar-me em locais públicos, onde sempre existe o risco de que depois as minhas palavras se transfiram deturpadamente. Como dizia “o gordo” ao seu parceiro no número: Baptista não me comprometa! E ao ver estas blagues sabíamos que a personagem do moreno representava outro Baptista, mais importante.

E assim, comendo, bebendo e conversando cuidadosamente, deram cabo do enorme pregado e da dose de lampreia, sempre “repugnante”, tanto viva como cozinhada com o seu sangue, ou como sangue dos peixes de quem se tinha alimentado.

Está na hora de descansar, pedir os cafés, sem pressa e ponderar se nos vamos atrever com outra sobremesa que não seja uma fruta. Isso na hipótese de que não olhemos para os tentadores doces da Dona Isaura.

A sobremesa ficará para o seguinte capítulo. Não seja que o leitor fique em risco duma indigestão.

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