AS MUDANÇAS SÃO INEVITÁVEIS
Cada
dia que chega é mais uma pedra que se solta da calçada. Ou, se
preferirem, o que encontramos à nossa volta, seja no mundo restrito
em que nos movemos, fingindo que tudo está na mesma desde os dias em
que começamos a reparar, e esquecer, criando uma falsa noção da
sociedade actual para assim tentar convencer-nos de que, pouco mais
ou menos, a vida segue os mesmos padrões, não corresponde a uma
estrutura sólida, duradoira.
Recordo,
sem saudade, o dia em que estando de plantão num barraco de Feira,
procurando comercializar as bagatelas que ia criando e fabricando,
após a reviravolta que dei ao meu percurso profissional em função
do desencontro entre a minha forma de ser, de imaginar que as camadas
sociais deviam conviver num ambiente essêncialmente humanista -seja
qual for a forma como se entender este termo- em oposição à
conduta cínica, desrespeitadora dos outros e em essência
exploradora que os que estão no topo, mesmo que originários de um
patamar socialmente já afastado, adoptam sem pejo e com propósitos
de ataque-defesa.
De
improviso vi à frente, mas do lado oposto do balcão, um antigo
colega de curso. Este, que sempre foi pessoa faladora e interessante,
em vez de fingir que não me reconhecia, entrou numa conversa
aparentemente despretensiosa -a minha experiência me alertava
para o sempre existente sentimento de repúdio e desprezo; como se eu
fosse um padre que abandonasse o sacerdócio em opção para uma vida
civil sem restricções. Dado que a minha situação era
evidente, perguntei pelo seu percurso.
Respondeu-me,
muito ufano, dizendo que estava integrado na equipa de uma
Multinacional americana, produtora de uma larga gama de artigos de
consumo. Ele, concretamente, estava dedicado a comprar pequenas
fábricas de artigos concorrentes, em condições atractivas, pelo
menos no programa de absorção. Iriam manter a produção, o pessoal
empregado e até as marcas dos produtos. Muito bonito. Mas o programa
oculto implicava que esta fase de”casamento inter pares” durasse
pouco tempo. A estrategia era a de fazer perder os clientes da casa
recém integrada, e seguidamente, num processo que normalmente não
chegava a doze meses, a velha competidora e os seus funcionários
eram dispensados. Desaparecia do mapa. E, neste processo já
conseguira bons resultados. Estava satisfeito.
E
estás mesmo contente com o teu proceder? De ser o carrasco por conta
de uns capitalstas que nem sequer conheces? Ainda bem que levas o
progresso com tanta convicção e que a desgraça alheia não te
afecta. Eu continuo como ceramista e artesão. E durmo descansado,
sem pesos na consciência. E sinto que tu também nada te afecta.
Felizes os dois.
Agarrando
esta vivência pessoal e fazendo uma conexão com o que vemos nas
ruas por donde circulamos, sentimos que não nos admira tanto quanto
deveria o ver como, constantemente, encerram estabelecimentos com
porta para a rua, onde adquiriamos artigos de uso corrente e eramos
atendidos por pessoas que já eram nossos conhecidos, que
cumprimentavamos se coincidissemos num outro local. Na sequência dos
factos muitos destes estabelecimentos permanecem fechados, com
taipais, ou mudaram de ramo. A maior parte das vezes foram incluídos
no sector da restauração e bebidas, ou de agênccias funerárias!
Aquilo que não sentimos é que na fase anterior ali existia o
sustento de uma família e também a convivência biunívoca entre
clientes e lojistas. Estes inclusive podia ser inquiridos a fim de
orientarem sobre outro estabelecimento, até concorrente. E sempre se
era atendido com bons modos. Hoje a maioria dos empregados das lojas
de cadeias não chegam a estar no serviço o tempo necessário para
criar um abiente de confiança e diálogo com o cliente. Tudo está
num processo acelerado de despersonalização e sem garantias de
seriedade tanto para o cliente como para o empregado, habitualmente
com contratos a prazo e mal pagos.
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