sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES - 19


AS MUDANÇAS SÃO INEVITÁVEIS

Cada dia que chega é mais uma pedra que se solta da calçada. Ou, se preferirem, o que encontramos à nossa volta, seja no mundo restrito em que nos movemos, fingindo que tudo está na mesma desde os dias em que começamos a reparar, e esquecer, criando uma falsa noção da sociedade actual para assim tentar convencer-nos de que, pouco mais ou menos, a vida segue os mesmos padrões, não corresponde a uma estrutura sólida, duradoira.

Recordo, sem saudade, o dia em que estando de plantão num barraco de Feira, procurando comercializar as bagatelas que ia criando e fabricando, após a reviravolta que dei ao meu percurso profissional em função do desencontro entre a minha forma de ser, de imaginar que as camadas sociais deviam conviver num ambiente essêncialmente humanista -seja qual for a forma como se entender este termo- em oposição à conduta cínica, desrespeitadora dos outros e em essência exploradora que os que estão no topo, mesmo que originários de um patamar socialmente já afastado, adoptam sem pejo e com propósitos de ataque-defesa.

De improviso vi à frente, mas do lado oposto do balcão, um antigo colega de curso. Este, que sempre foi pessoa faladora e interessante, em vez de fingir que não me reconhecia, entrou numa conversa aparentemente despretensiosa -a minha experiência me alertava para o sempre existente sentimento de repúdio e desprezo; como se eu fosse um padre que abandonasse o sacerdócio em opção para uma vida civil sem restricções. Dado que a minha situação era evidente, perguntei pelo seu percurso.

Respondeu-me, muito ufano, dizendo que estava integrado na equipa de uma Multinacional americana, produtora de uma larga gama de artigos de consumo. Ele, concretamente, estava dedicado a comprar pequenas fábricas de artigos concorrentes, em condições atractivas, pelo menos no programa de absorção. Iriam manter a produção, o pessoal empregado e até as marcas dos produtos. Muito bonito. Mas o programa oculto implicava que esta fase de”casamento inter pares” durasse pouco tempo. A estrategia era a de fazer perder os clientes da casa recém integrada, e seguidamente, num processo que normalmente não chegava a doze meses, a velha competidora e os seus funcionários eram dispensados. Desaparecia do mapa. E, neste processo já conseguira bons resultados. Estava satisfeito.

E estás mesmo contente com o teu proceder? De ser o carrasco por conta de uns capitalstas que nem sequer conheces? Ainda bem que levas o progresso com tanta convicção e que a desgraça alheia não te afecta. Eu continuo como ceramista e artesão. E durmo descansado, sem pesos na consciência. E sinto que tu também nada te afecta. Felizes os dois.

Agarrando esta vivência pessoal e fazendo uma conexão com o que vemos nas ruas por donde circulamos, sentimos que não nos admira tanto quanto deveria o ver como, constantemente, encerram estabelecimentos com porta para a rua, onde adquiriamos artigos de uso corrente e eramos atendidos por pessoas que já eram nossos conhecidos, que cumprimentavamos se coincidissemos num outro local. Na sequência dos factos muitos destes estabelecimentos permanecem fechados, com taipais, ou mudaram de ramo. A maior parte das vezes foram incluídos no sector da restauração e bebidas, ou de agênccias funerárias! Aquilo que não sentimos é que na fase anterior ali existia o sustento de uma família e também a convivência biunívoca entre clientes e lojistas. Estes inclusive podia ser inquiridos a fim de orientarem sobre outro estabelecimento, até concorrente. E sempre se era atendido com bons modos. Hoje a maioria dos empregados das lojas de cadeias não chegam a estar no serviço o tempo necessário para criar um abiente de confiança e diálogo com o cliente. Tudo está num processo acelerado de despersonalização e sem garantias de seriedade tanto para o cliente como para o empregado, habitualmente com contratos a prazo e mal pagos.

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