terça-feira, 28 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 87



Comentários diversos

- Pois, Amigos Cardoso, nunca me cheguei a este lugar “sagrado” apesar de saber, mais palmo menos palmo, onde ficava o solar dos cadáveres deslocados. Tive que refrear a minha curiosidade por saber que se me deixasse levar pelo impulso, era capaz de fazer alguma besteira, nem que fosse arranjar uma bazuka e dois ou três dos mísseis que estas armas disparam, e destruir o que fosse capaz de deitar abaixo. Por esta razão e outras semelhantes, preferi ficar ao largo, e ajudar a outros que se encarregassem das investigações e até das possíveis represálias.

Agora, ao encontrar andaimes e sinais de estarem em obras, tenho curiosidade acerca do que daí vai surgir. Uma estação termal? Que eu saiba não existem grandes nascentes de águas consideradas minero-medicinais, e a proximidade do Buçaco não me parece ser uma vizinhança propícia para lhe fazer concorrência.

Eu, postos a imaginar, quase que apostaria para a instalação de uma residência de idosos, mais concretamente uma grande sala de espera para o necrotério. E se os donos ou empresários que financiam a obra, tiverem este negócio na mira, eu lhes aconselharia que, nas traseiras, ou relativamente perto do edifício, mas ligado por um corredor subterrâneo, instalassem um tanatório mais o forno crematório. É o negócio do futuro para o jardim da terceira idade.

Postos a imitar o passado, em anexo deveria ter uma versão moderna dos columbários romanos, ou seja, uma espécie de arquivo, bem amanhado, decorado com sobriedade mas sem necrofilia, onde os familiares pudessem arrumar as tais vasilhas que, supostamente, mas sem garantias sérias, estão recolhidas as cinzas do seu “ente querido”. Assim evitava-se a necessidade de as levar para casa ou procurar um lugar pouco frequentado da costa onde as despejar. Arriscando-se a uma coima, sem que prevaleça a afirmação de que se pretendia dar a oportunidade de aprender a nadar, caso ele/ela não fosse um nadador habilitado. Só a alma é que poderia aproveitar tal oportunidade de recordar a juventude.

- Oiça lá, Amigo Maragato, depois de ouvir os seus projectos, mais do que completos, para esta renovação de utilidade pública deste grande edifício, enquanto lhe prestava atenção, pensei, para meus botões e fechos de correr, pois todos este úteis merecem ser citados: Será que o Doutor -não se zangue, pois ao estar perto de Coimbra sabe que, automaticamente, ganhou o diploma!- está por trás desta empresa fantasma, que dizem estar sediada nas tais Ilhas Caimão, ou em luso idioma Ilhas Jacaré. É que o seu relato surgiu tão completo que, salvo o logótipo já pouco lhe falta. Bem, um exagero, faltariam muitas coisas importantes. A seu tempo.

- Se o meu esposo me autoriza e o Maragato aceita uma sugestão útil para este “seu empreendimento”, do qual os anteriores locatários deram, por duas vezes, o sinal de partida, creio que na previsão do que poderia suceder, e adiantando-se entes que ser agarrados de surpresa, porque não propor sociedade à Servilusa, que como todos sabemos é uma filial da empresa americana, especialista em cerimónias fúnebres e em fazer desaparecer os vestígios? Caso, sem brincar com o Amigo José, alguém quiser dedicar esta recôndita propriedade a este mester, mais cedo ou mais tarde, sejam “mericanos” ou “chins” quererão meter a unha.

E mais digo, baseando-me na literatura e cinema dos USA, no futuro e se a propriedade tiver uma extensão razoável. Além do tal columbário que nos recordou o José, já vislumbro um terreno. Amplo e devidamente ajardinado e com caminhos pavimentados, onde se possam “plantar” jazigos, ou de preferência, campas rasas, com a pedra lapidar vertical como hoje se está a impor já na Europa.

Aceita sócios? Fez.me nascer uma veia necrófila, já que no meu espírito existia, bem agarrado, o síndrome de não referir esta situação de fim de festa. Avance Maragato, eu acompanho com algum capital.

- Ó Diana, não lhe conhecia esta veia de humor negro. Neste assunto, sou mais conservadora e apesar de entender e aceitar as razões dos modernos, ainda guardo um certa dose de atavismo ancestral que me pressiona para falar pouco da morte. É como fechar os olhos e meter a cabeça debaixo dos lençóis quando, em criança, estávamos amedrontados com os barulhos que sempre existem nas casas, especialmente nas mais antigas.

Que conversa macabra se instalou neste carro. Eu que já sentia o ratinho a dar sinal no estômago, não sei se terei coragem de me sentar num restaurante. Por favor, metam uns quilómetros pelo meio e deixem este tema em pousio. E cá, a Isabel, fecho a matraca!

- O piloto e navegador, simultâneamente comandante deste navio com rodas, e que sou eu, com vossa aceitação, proponho que se deve atender o pedido, justificado, da nossa companheira de passeio, e pensar em almoçar.

Pensei em diversas hipóteses. Aqui perto temos a Lousã com o seu mini-castelo, que é o preferido das crianças, embora hoje não nos acompanham -ficaram entregues aos avós, sempre desejosos de poder partilhar os descendentes- dizem que, há poucos dias abriu um novo restaurante, e ainda alvitraram ser possível que esta iniciativa tenha usufruído de algum dinheiro da Europa. Uns amigos já o recomendaram.

Outra hipótese é a se abancar num restaurante castiço na baixa coimbrã, que sei o Maragato gosta para recordar os tempos de juventude e de estudante. E, finalmente sugiro, para quem já tenha saudades, ir até à Bairrada, atacar um leitão assado no forno de lenha, tenro e estaladiço.

Eu abstenho-me na votação, mas quero ouvir os comentários a favor e em contra das minhas hipóteses. O que não obsta a que entre no despique se surgirem outras propostas. Agora são os três “penduras” que tem que decidir.
........

Após longos quilómetros e várias tentativas de conseguir unanimidade, ficou decidido, por pressão do Dr. Cardoso, que recordou o interesse do José Maragato em ficar em Coimbra, que se recompensariam as forças na tal Lusa "Antenas". Mas com a CONDIÇÃO, INDISCUTÍVEL, também imposta pelo dono da viatura, de que, desta vez, seria ele quem os levaria a um local que, possivelmente, os Maragato não conhecem.


TANATÓRIO - Do grego tanatos,  (morte) Local donde se recebem os falecidos e se condicionam para ter um melhor aspecto nas cerimónias fúnebres,

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