sábado, 4 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 78




Desta vez o tema está delimitado pela estufa.

Sei que ficou combinado só voltarmos ao tema da “minha” estufa quando comparecer a casal Cardoso. Apesar disso sinto uma necessidade irresistível de te fazer partícipe de alguns assuntos que estão ligados a este projecto, nos quais não me sinto com forças e muito menos experiência para entrar confiadamente.

Do que te contei da minha meninice e juventude sabes que eu, de terra, plantas, couves e nabiças, só sei alguma coisa quando já as vejo no mercado. Sei que nascem e criam-se, ou criavam-se então, na terra. Hoje, pelo que li já crescem alfaces, espinafres e sei lá mais que sem terra, penduradas sobre uma água adicionada de “alimentos”.

Tentei ultrapassar esta crassa ignorância lendo livrinhos, começando com os que tratavam das estufas de jardim, que em geral também trazem, lá para as últimas páginas, indicações para tratar de plantas comestíveis. Por muita vontade que tenha posto nesta tentativa de me ilustrar fiquei não só com uma notória falta de um mínimo saber sobre estes assuntos, como como fiquei muito confundida, mesmo atrapalhada com a quantidade de conselhos ou propostas sérias (?) que tentavam entrar na minha cabeça.

Desta confusão, complexa de mais para mim, aceitei algumas dicas que me pareceram totalmente sensatas. A mais simples de aceitar foi a sugestão, quase imposição, de ter, perto da entrada, uma bancada de trabalho, na qual se trataria da recepção das plantas e materiais, escolher e transferir para vasos ou para canteiros; arrumar devidamente os produtos industriais como adubos e sementes, alguns, poucos, insecticidas; preparar as flores cortadas antes de as levar para as jarras da casa ou fazer ramos bonitos para oferecer. Só no que dizem que se pode e deve fazer na bancada gastam algumas páginas. Que eu li atentamente, pois que as considerei como uma espécie de tabuada, sem a qual não se pode avançar.

Mais adiante, entre outros capítulos, encontrei a explicação das bondades e perigos que os diferentes estercos animais podem oferecer. Para que plantas se podem usar uns e outros não. As pessoas que se criaram no ambiente rural, com criação de animais de pena e de pelo, e até de algum suíno e cabras misturadas com ovelhas, e também com hortas que tratar -das quais dependia uma boa parte da sua alimentação- devem ouvir e aprender estes conselhos desde a meninice. Mas e eu? Para mim todo o esterco é a mesma coisa !

Agora já sei que esta ignorância simplista pode levar a magnos desaires e problemas. E tive que desbastar este e outros assuntos sem a tua ajuda. Que nem me atrevi a pedir por ter a certeza de que, nisto, eras tão desconhecedor quanto eu.

Com certeza que não sabes que para os efeitos de melhorar uma terra de cultura, seja de hortaliças, vinha ou flores, não são iguais os detritos vindos de galinhas, coelhos, ovelhas, burros e cavalos, porcos ou gado bobino. Nem como se podem ou devem aplicar na terra, se em profundidade ou misturados com a terra envolvente, se é pertinente encharcara terra depois de adubar. E até que consoante a acidez do solo (esta sabias?) pode ser necessário juntar pó de pedra calcária ou mesmo um pouco de pó de cal apagada, cinzas, ou um composto de enxofre. São tantas as recomendações a seguir e os riscos de não as cumprir, que depois de ler isto fiquei com a cabeça quente.

Neste complexo tema dos estercos, como são chamados popularmente, pois que o termo adubos está reservado para os compostos sintéticos, fabris ou, quase que indevidamente, para aquelas sacas que dizem conter adubos compostos, com incorporação de esterco animal fermentado e neutralizado, e outras maravilhas comerciais.

Pois como ia dizendo, e já me estava a perder com a conversa, fui pedir ajuda ao nosso feitor Ernesto Carrapato, dando como seguro que ele saberia bastante neste assunto, e noutros, e que já me orientara mais do que uma vez. Foi uma decisão acertada. Mas as explicações foram tão complexas que tive que inaugurar um caderno de apontamentos para as fixar e consultar quando necessário.

Explicou-me, o Ernesto, que uns animais dejectam fezes ácidas, que são muito prejudiciais para certas plantas. Outros estercos só se devem empregar quando já tenham um período de fermentação capaz; em geral quando deixarem de “fumar” (ele refere-se a que libertam mechas de vapor e logo abaixo da superfície está muito quente) Mesmo assim, com os cuidados pertinentes da selecção e aplicação, ele insiste que para as plantas e flores não há melhor do que a adubação com esterco dos animais.

Também me ensinou que algumas culturas podem fazer-se colocando as sementes directamente no chão, devidamente cavado e desterroado, como são os cereais e alguns legumes, nem todos. Para flores e plantas de alimentação, como couves, tomateiros, pimentos, cebolas ou pepinos, a plantação começa num pequeno canteiro, que chama de viveiro, como o das trutas na ria. E depois levam-se as plantinhas para a área donde crescerão. Por vezes algum conhecido pode ter uma boa semente que nos venda ou ofereça. Mas que ele, para a sua horta, em certas ocasiões compra já as plantas a colocar no seu quintal a algum vendedor no mercado de Aveiro, mas só a um conhecido ou que lhe recomendaram.

- Muito me contas Isabel. Fico envergonhado do que já sabes e eu ignoro. Tenho que me acautelar com as perguntas que me venham à língua. Gostaria que me mostrasses donde tens estes livrinhos que te ajudaram, tenho o propósito de tentar educar-me nas “ingrícolas”, mas não garanto que consiga acompanhar a tua pedalada.

- Pois o que ouviste ainda não é nada. Aqueles especialistas que contratei tem dificuldade em descer ao meu nível, de dona de casa curiosa e com vontade de passar um tempo, indefinido, entretida com flores e alfaces, rabanetes e tomateiros. Por vontade deles já teríamos transformado o mato que nos rodeia num mar de estufas de plástico. NEM SOMBRAS! Não quero cair nestes exageros. Prefiro ficar no nível doméstico que eu imaginei inicialmente. Insisto!

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