domingo, 12 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE – Cap. 82




Uns comilões. E agora rumo à estufa !

Nunca pensei que depois das entradas e daquelas travessas de peixe ainda arranjassem um espaço para sobremesa. Mas como as damas foram as primeiras a “esquecer” o problema dos quilos de mais... Acompanhei os dois casais até ao balcão dos doces e frutas. Se calhar eles imaginavam que com estes metros de andadura, poucos em verdade seja dita, já ginasticavam como castigo e eliminavam umas gramas de excesso.

Seja como for, fiz-lhes meias doses, de oito doces! E assim fingiram que se empanturravam menos. A Amiga e cliente Isabel já me tinha avisado, ontem, que a conta era para eles, de forma que depois dos cafés lhes desejei um resto de tarde feliz, e Toca!, que se faz tarde.

Beijinhos e abraços e cuidado com a estrada. Recordem que apesar de haver poucos pesados circulando, nos sábados e domingos andam por aí muitos inconscientes, e os bombeiros com as suas ambulâncias, mais os hospitais com a falta de pessoal e de camas, detestam estes dias.

- Bem, já estamos reabastecidos por umas horas, Vamos rumar para Vale do Pito, como estava programado? Lá faremos base, depois de espreitar na minha estufa, que pouco tem que ver. Depois tomaremos uma ceia leve, um serão provinciano e teremos muito gosto em lhes proporcionar habitáculo, que suponho será de vosso agrado.

Tal como fizemos quando do encontro para a já famosa adiafa que ofereceu o dono da casa, que já começa a ter barriga! já não sei com que desculpa -na aldeia só se comentava isso durante semanas e meses!- eu proponho que a Diana me acompanhe no nosso carro e os maridos cavalheiros venham atrás, como pertence para nos proteger, no carro do Doutor Cardoso. Assim, durante um curto trajecto, uns e outros poderemos conversar sem interferências.
...
E chegamos à mansão dos Maragato, na qual actualmente resido por direito e vontade expressa dos dois membros do casal. A Idalina e a Alice parece que ouviram o barulho dos carros e nos dão as boas-vindas. Se a Isabel me permite, vou dar uns retoques nas orientações que deixei à governanta antes de ir para Aveiro. Penso que lhes seja agradável entrar e poderem servir-se da casa de banho do quarto que lhes preparamos. Aqui a Alice vos acompanhará com a vossa bagagem. O reencontro será neste mesmo terraço. Como não é uma viagem de agência, a demora é livre, sem compromissos. Até já. 

José, vens comigo depois de orientar a Idalina?

........

Sentem-se com força para aturar esta fantochada da estufa? Ou a curiosidade vence à indiferença ?

- Oh! Isabel. O que lhe aconteceu? O seu olhar, mortiço, e as suas palavras mostram uma certa descrença, ou desânimo em relação a um projecto, seu se não estou enganada, que até recentemente parecia que lhe renovava todas as suas forças de empresária-caseira, que não comercial neste caso.

- Tem toda a razão no que nos diz e agradeço a sua franqueza, pois é coisa que entre nós, lusitanos, não é habitual. É sabido que só embriagados é que soltam a verdade, quando normais optamos sempre pela ambiguidade ou pela lisonja de fancaria.

- Pois sim, já não recordo como embarquei nesta ideia macaca, para não lhe chamar macabra, e este termo é mesmo adequado porque sinto que tomou uma dimensão de problema não prevista inicialmente. Suponho que o vírus, ou a infecção, entrou folheando uma daquelas revistas da Casa e Jardim, ou coisa que o valha, num número recheado de belas fotografias de estufas glamorosas  onde damas formosas e bem trajadas, mesmo que com jardineiras de autor consagrado, e munidas de regadores e tesouras de podar, que aposto não sabem manejar, diziam, o escreveram outros como tendo sido palavras delas, que se sentiam “realizadas” como jamais em tempo algum. Num aparte direi que este uso de estar, ou não, realizada/o faz-me doer os olhos, os ouvidos e a mente, tudo numa cacofonia insuportável.

Também contribuiu à minha queda a conversa com uma cliente do salão que, como me informou, tinha um filho que terminou um curso qualquer de agricultura, jardinagem, floricultura e eu sei lá quantas coisas mais terminadas em -ura. E que este filho, se ela lho propusesse (? só mais tarde entendi, ontem para ser mais concreta, que me estava a passar a carta do burro!) que me desse uma mãozinha neste meu desejo, teria toda a sua colaboração, pois que era um rapaz educado, trabalhador, conhecedor do tema das estufas, etc. e tal. Uma pérola, em suma! À mama só lhe faltava uma guitarra no acompanhamento...
E eu, entusiasmada! Já me via entrevistada e fotografada, com orquídeas de variadas formas e cores, alfazema de estirpe francesa, e num cantinho, convenientemente escondido, um canteirozinho com cenouras, alfaces e “raspanetes”, para que com estes produtos hortícolas fosse possível justificar o investimento. Foi isso mesmo: o investimento, que me deixou de rastros. Foi como se me tivesse investido um toiro do Palha antes de lhe serrarem os cornos. O diplomado em couves e hortenses apareceu acompanhado de um colega. De repente vi que tinha que dar mama a dois!, pois que isso de dar conselhos profissionais de borla é coisa que não se usa por estes lados. Promessas sim, como as de ir até Fátima e deixar algum pilim.

Mas os rapazes, simpáticos de verdade e bem parecidos (se não estivesse presa e agradada aqui como Maragato, era capaz de lidar os dois, juntos ou por separado. Desculpem a franqueza, mas naquela altura tremiam-me as pernas e tinha os mamilos mais rijos do que batatas encruadas). Não vos quero “desilodir” ao nível em que hoje me encontro. E como com este blá-blá-blá já demos a volta à mansão Maragateiril aqui têm,a porta de entrada desta “estortura”, da minha estufa. Mais valia que tivesse ido para a escola de hotelaria no curso monográfico de carne estofada!

- Amiga Isabel! Será que o almoço lhe caiu mal? Foi da lampreia? Eu estou pasmada com esta sua reviravolta, mesmo de 360 degraus como diz o povão que nos alimenta...O que de facto pretende dizer é que não desejava girar em redondo, que preferia fugir a sete pés e esquecer esta veleidade que hoje valoriza de sem sentido. Tem que ultrapassar esta nuvem de poeira que a derrubou. Quando a conheci e até este momento, a avaliei como uma pessoa irresoluta, valente, empreendedora e lutadora. E hoje, de repente, parece derrotada e com a conta de nove já ultrapassada. Está a tirando a toalha, como os lutadores?

- Tem quase razão, a doutora, mas não é uma nuvem de poeira que me entrou nos olhos, como aquelas do Lourenço das Arábias, foi uma ventania de euros, que iam fugindo desalmadamente, sem uma previsão que me tivesse alertado. È possível que na minha insensatez imaginasse uma coisa manhosa, erguida por curiosos, à portuguesa, e que ultrapassada a fase do entusiasmo se deixasse cair por inútil.

Os dois sábios sempre diziam que eles garantiam o bem-fazer (?) Mas, instintivamente eu, desde início, via serem uns tesos -pelo menos quanto à falta de capital circulante- Depressa vi que erams uns mãos largas com as contas que me entregavam, e que se, aparentemente, colaborarem por amor à arte, vi que tinham aprendido muito na escola: mostravam-me, para justificar a sua dedicação ao MEU projecto, uma lista, sempre crescente, de horas dedicas a este fim e de despesas menores, como portagens e cafés, sempre inerentes às suas gestões, e que eu devia amortizar. Se não semanalmente, era à quinzena, pois que necessitavam repor o dinheiro de bolso...lógico e correcto, nada a criticar. Até podiam pedir dinheiro adiantado... E se até agora não quantificaram em dinheiro das horas, eu já estou à espera da facada!

Desculpem esta choradeira, este desconsolo, tenham a certeza de que pressinto que o pior está para vir. Mas, esqueçam o que ouviram. Até o meu marido José, aqui presente, não me tinha ouvido estes lamentos. Mas quando ele se ofereceu para colaborar, só no capítulo do financiamento a fundo perdido, como aconteceu e acontece com os fundos europeus, com a “piquena-grande” diferença de que eles, os de Bruxelas, nos apanham à meia volta, ou de cernelha, sempre a malta acaba por pagar! É me apercebi de que o José estava ciente de que aquilo mais que uma estufa seria um poço, ou una estafa, como dizem nas suas origens além fronteira. Ele, sem papel nem lápis, já captou que aquilo ultrapassava, e muito, aquilo que eu nem sequer tinha quantificado. Para mim era um sonho, e os sonhos não carregam cifrões.

Entrem e perguntem. Eu procurarei vestir a farda de estufista convicta e “sastisfeita”

Só entrarão na próxima entrega. Agora temos que deixar secar a baba e ranho, ou lágrimas, com uma valente esfregona!

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