Uns
comilões. E agora rumo à estufa !
Nunca
pensei que depois das entradas e daquelas travessas de peixe ainda
arranjassem um espaço para sobremesa. Mas como as damas foram as
primeiras a “esquecer” o problema dos quilos de mais...
Acompanhei os dois casais até ao balcão dos doces e frutas. Se
calhar eles imaginavam que com estes metros de andadura, poucos em
verdade seja dita, já ginasticavam como castigo e eliminavam umas
gramas de excesso.
Seja
como for, fiz-lhes meias doses, de oito doces! E assim fingiram que
se empanturravam menos. A Amiga e cliente Isabel já me tinha
avisado, ontem, que a conta era para eles, de forma que depois dos
cafés lhes desejei um resto de tarde feliz, e Toca!, que se faz
tarde.
Beijinhos
e abraços e cuidado com a estrada. Recordem que apesar de haver
poucos pesados circulando, nos sábados e domingos andam por aí
muitos inconscientes, e os bombeiros com as suas ambulâncias, mais
os hospitais com a falta de pessoal e de camas, detestam estes dias.
- Bem, já estamos reabastecidos por umas horas, Vamos rumar para Vale
do Pito, como estava programado? Lá faremos base, depois de
espreitar na minha estufa, que pouco tem que ver. Depois tomaremos
uma ceia leve, um serão provinciano e teremos muito gosto em lhes
proporcionar habitáculo, que suponho será de vosso agrado.
Tal
como fizemos quando do encontro para a já famosa adiafa que
ofereceu o dono da casa, que já começa a ter barriga! já não sei com que desculpa -na
aldeia só se comentava isso durante semanas e meses!- eu
proponho que a Diana me acompanhe no nosso carro e os maridos cavalheiros venham
atrás, como pertence para nos proteger, no carro do Doutor Cardoso. Assim,
durante um curto trajecto, uns e outros poderemos conversar sem
interferências.
…...
E
chegamos à mansão dos Maragato, na qual actualmente resido por
direito e vontade expressa dos dois membros do casal. A Idalina e a
Alice parece que ouviram o barulho dos carros e nos dão as
boas-vindas. Se a Isabel me permite, vou dar uns retoques nas
orientações que deixei à governanta antes de ir para Aveiro. Penso que lhes seja
agradável entrar e poderem servir-se da casa de banho do quarto que
lhes preparamos. Aqui a Alice vos acompanhará com a vossa bagagem. O reencontro será
neste mesmo terraço. Como não é uma viagem de agência, a demora é
livre, sem compromissos. Até já.
José, vens comigo depois de
orientar a Idalina?
........
- Sentem-se com força para aturar esta fantochada da estufa? Ou a
curiosidade vence à indiferença ?
-
Oh! Isabel. O que lhe aconteceu? O seu olhar, mortiço, e as suas
palavras mostram uma certa descrença, ou desânimo em relação a
um projecto, seu se não estou enganada, que até recentemente
parecia que lhe renovava todas as suas forças de
empresária-caseira, que não comercial neste caso.
-
Tem toda a razão no que nos diz e agradeço a sua franqueza, pois é
coisa que entre nós, lusitanos, não é habitual. É sabido que só
embriagados é que soltam a verdade, quando normais optamos sempre
pela ambiguidade ou pela lisonja de fancaria.
- Pois
sim, já não recordo como embarquei nesta ideia macaca, para não
lhe chamar macabra, e este termo é mesmo adequado porque sinto que
tomou uma dimensão de problema não prevista inicialmente. Suponho
que o vírus, ou a infecção, entrou folheando uma daquelas revistas
da Casa e Jardim, ou coisa que o valha, num número recheado de
belas fotografias de estufas glamorosas onde damas formosas e bem
trajadas, mesmo que com jardineiras de autor consagrado, e munidas
de regadores e tesouras de podar, que aposto não sabem manejar,
diziam, o escreveram outros como tendo sido palavras delas, que se
sentiam “realizadas” como jamais em tempo algum. Num aparte
direi que este uso de estar, ou não, realizada/o faz-me doer os
olhos, os ouvidos e a mente, tudo numa cacofonia insuportável.
Também
contribuiu à minha queda a conversa com uma cliente do salão que,
como me informou, tinha um filho que terminou um curso qualquer de
agricultura, jardinagem, floricultura e eu sei lá quantas coisas
mais terminadas em -ura. E que este filho, se ela lho propusesse (?
só mais tarde entendi, ontem para ser mais concreta, que me estava
a passar a carta do burro!) que me desse uma mãozinha neste meu
desejo, teria toda a sua colaboração, pois que era um rapaz
educado, trabalhador, conhecedor do tema das estufas, etc. e tal.
Uma pérola, em suma! À mama só lhe faltava uma guitarra no acompanhamento...
E
eu, entusiasmada! Já me via entrevistada e fotografada, com orquídeas
de variadas formas e cores, alfazema de estirpe francesa, e num
cantinho, convenientemente escondido, um canteirozinho com cenouras,
alfaces e “raspanetes”, para que com estes produtos hortícolas
fosse possível justificar o investimento. Foi isso mesmo: o
investimento, que me deixou de rastros. Foi como se me tivesse
investido um toiro do Palha antes de lhe serrarem os cornos. O
diplomado em couves e hortenses apareceu acompanhado de um colega. De
repente vi que tinha que dar mama a dois!, pois que isso de dar
conselhos profissionais de borla é coisa que não se usa por estes
lados. Promessas sim, como as de ir até Fátima e deixar algum
pilim.
Mas
os rapazes, simpáticos de verdade e bem parecidos (se
não estivesse presa e agradada aqui como Maragato, era capaz de
lidar os dois, juntos ou por separado. Desculpem a franqueza, mas
naquela altura tremiam-me as pernas e tinha os mamilos mais rijos do
que batatas encruadas). Não vos quero “desilodir”
ao nível em que hoje me encontro. E como com este blá-blá-blá
já demos a volta à mansão Maragateiril aqui têm,a porta de entrada
desta “estortura”, da minha estufa. Mais valia que tivesse ido
para a escola de hotelaria no curso monográfico de carne estofada!
-
Amiga Isabel! Será que o almoço lhe caiu mal? Foi da lampreia? Eu
estou pasmada com esta sua reviravolta, mesmo de 360 degraus como
diz o povão que nos alimenta...O que de facto pretende dizer é que
não desejava girar em redondo, que preferia fugir a sete pés e
esquecer esta veleidade que hoje valoriza de sem sentido. Tem que
ultrapassar esta nuvem de poeira que a derrubou. Quando a conheci
e até este momento, a avaliei como uma pessoa irresoluta, valente,
empreendedora e lutadora. E hoje, de repente, parece derrotada e
com a conta de nove já ultrapassada. Está a tirando a toalha, como
os lutadores?
- Tem quase razão, a doutora, mas
não é uma nuvem de poeira que me entrou nos olhos, como aquelas
do Lourenço das Arábias, foi uma ventania de euros, que iam
fugindo desalmadamente, sem uma previsão que me tivesse alertado. È
possível que na minha insensatez imaginasse uma coisa manhosa,
erguida por curiosos, à portuguesa, e que ultrapassada a fase do
entusiasmo se deixasse cair por inútil.
Os
dois sábios sempre diziam que eles garantiam o bem-fazer (?) Mas,
instintivamente eu, desde início, via serem uns tesos -pelo
menos quanto à falta de capital circulante- Depressa vi que erams uns mãos largas com as contas que
me entregavam, e que se, aparentemente, colaborarem por amor à
arte, vi que tinham aprendido muito na escola: mostravam-me, para
justificar a sua dedicação ao MEU projecto, uma lista, sempre
crescente, de horas dedicas a este fim e de despesas menores, como
portagens e cafés, sempre inerentes às suas gestões, e que eu
devia amortizar. Se não semanalmente, era à quinzena, pois que
necessitavam repor o dinheiro de bolso...lógico e correcto, nada a
criticar. Até podiam pedir dinheiro adiantado... E se até agora
não quantificaram em dinheiro das horas, eu já estou à espera da
facada!
Desculpem
esta choradeira, este desconsolo, tenham a certeza de que pressinto que
o pior está para vir. Mas, esqueçam o que ouviram. Até o meu
marido José, aqui presente, não me tinha ouvido estes lamentos. Mas
quando ele se ofereceu para colaborar, só no capítulo do
financiamento a fundo perdido, como aconteceu e acontece com os
fundos europeus, com a “piquena-grande” diferença de que eles, os
de Bruxelas, nos apanham à meia volta, ou de cernelha, sempre a malta acaba por pagar! É me apercebi de que o José estava ciente de que aquilo mais que uma estufa seria um
poço, ou una estafa, como dizem nas suas origens além fronteira. Ele, sem papel nem lápis, já captou que aquilo ultrapassava, e muito, aquilo que eu nem sequer tinha quantificado. Para mim era um sonho, e os sonhos não carregam cifrões.
Entrem
e perguntem. Eu procurarei vestir a farda de estufista convicta e
“sastisfeita”
Só
entrarão na próxima entrega. Agora temos que deixar secar a baba e ranho, ou lágrimas, com uma valente esfregona!
Sem comentários:
Enviar um comentário