quinta-feira, 2 de maio de 2019

CRÓNICAS DA VILA – Cap. 77



Como o neto se meteu, ou não, nos sonhos do Avô

Simplesmente a força dos ensinamentos familiares estava bem fixa na mente do meu pai que era impossível não voltar a repetir a conspiração. Que desta feita foi denunciada por um colega bufo. Ambos, em datas diferentes, tomaram decisões que não posso dizer estivessem erradas, mas pelo menos fora das suas possibilidades reais. Sucintamente o que aconteceu foi que insistiram em apostar em cavalos perdedores. Pensaram que o meio social já tinha evoluído politicamente e que seria coisa de dias o destituir a monarquia. Eram uns conspiradores ilusos!

Eu, felizmente, practicamente fui crescer noutro ambiente do que aquele cerrado que sempre existiu em Espanha. No colégio da Guarda havia alunos vindos de famílias muito diversas. Uns sonhavam com brasões e anéis de sinete. Outros eram de origem mais rural, que foram galgando degraus económicos pelas suas capacidades -que não avalio como sempre correctas, pois para o caso não importa- Ou seja, eram elementos da incipiente burguesia provinciana. A maior parte dos meus companheiros neste colégio já foram estudar cursos superiores, quase todos em Coimbra, como eu mesmo -que não terminei nenhum- Outros para o Porto ou Lisboa.

O que reconheço, especialmente pela influência de ouvir histórias dos Maragatos em casa, é que na vizinha Espanha existia um profundo fosso social entre o clero e os militares de um lado, e os “civis” do outro. Os que se dedicaban à política activa, tanto podiam ser originários do exército como podiam chegar a ocupar lugares de ministério por valor económico pessoal, ou familiar, mesmo que com origens não brasonadas. Depois, uma vez dentro da camarilha, muitos conseguiam um brasão de armas sem valor histórico. Como debes saber, por cá não foram só os que regressaram dos Brasis com sacas de dinheiro que compraram brasões de falsa nobreza. Outros também foram clientes desta necessidade de capital fresco que a coroa carecia, e vender “nobreza a martelo” dava proventos!

No que toca às características sociais e políticas e mostra uma certa diferença entre o que sucedeu, e sucede, na Espanha e em Portugal. São reflexos do quantitativo populacional, bem diferente entre os dois países. E também influencia a capacidade económica das diferentes regiões geográficas da península. Além disso o carácter das pessoas não é exactamente o mesmo entre as duas faces da fronteira, e nem sequer é homogêneo para todas as regiões espanholas.

Retomando a tua questão de como seguí ou não as passadas do avô e do meu pai, não te posso afirmar, convictamente, que o que vês hoje em mim seja uma cópia dos Maragato de então. Como sempre me ouves dizer, com frases lapidarias nas que, sem respeitar o original, altero algumas palavras: Os tempos passam, mudam e a caravana ladra.

  • José. Já te ouvi demasiadas vezes esta e outras variantes. E não aprecio. Só tu é que encontras graça a estas tontices. Todavia, no fundo sei o que queres dizer, sempre, nesta e noutras ocasiões: Que nada se repete exactamente e que os tempos em que se vive modulam os factos e as situações, tornando-as tão diversas que não se podem considerar como decalques do passado. Assim está certo!
  • Tem paciência Isabel. Tu mesma dizes que entendes o que pretendo dizer com uma frase alterada. Mas porque não a ouves, traduzes, e continuas sem te queixar? Para dizer a mesma coisa já sabes que teria que usar um discurso mais longo e discriminado. Era mesmo necessário?
Quando dialogamos com alguém, ou até ao ler um escrito, caso a nossa mente esteja funcional, procuramos captar o que está sub-entendido, ou como se diz correntemente. “nas entre linhas”. Pode suceder que os disfarces utilizados pelo relator sejam de tal modo subtís e alambicados que ficam ininteligíveis para quem os segue; só aquele que o põe cá para fora é que sabe o que pretendia dizer, tão escondido que nem as orelhas tinha de fora.

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