CRÓNICAS
DO VALE . Cap. 76
- José. Depois de todo o relato
“histórico” que me ofereceste ficou-me a dúvida do que terás
ouvido, depois disso, por boca do avô. Há situações que, para
mim com a curiosidade pelos detalhes própria das mulheres, não me
parecem evidentes. Por exemplo, este desabafo do avô, que parece
ter sido às portas da morte, aconteceu onde? Em que terra? Em casa
de quem?
- Foi na casa de família, na Guarda.
Uma casa que estava alugada por nós, Maragatos, ainda quando todos
moravam em Espanha. Era a base logística, perto da fronteira para
onde recolher e tratar dos negócios de contrabando deste lado .
Mais tarde, já com o meu pai também afastado do exército
espanhol, juntamo-nos todos ali. Passou a ser a nossa morada,
totalmente. E foi ali, ou no hospital na Guarda, que o avô morreu.
Eu, não estava presente, embora também na Guarda, porque me tinham
interno no colégio dos jesuítas. Só fui ao funeral, onde recordo
que chorei baba e ranho.
- Mas tens que me contar, com poucas
palavras, esta fase de teres frequentado o ninho dos jesuítas. Logo
tu, que não mostras, hoje, a mínima fidelidade à Igreja Católica,
nem a outra qualquer, verdade seja dita.
- O
que os meus pais decidiram, e acertadamente, foi que eu tinha que me
integrar perfeitamente na sociedade portuguesa, falar sem aquele
acento delator que os meus pais nunca conseguiram eliminar os meus.
Além de que podia criar conhecimentos e amizades que mais tarde me
seriam favoráveis, não só entre famílias da Guarda mas com outras
que enviavam os filhos para lá estudarem o secundário.
A
negação religiosa que me conheces foi precisamente neste colégio
que cresceu. Verdade é que não convivi, no seio da família, com
beatos de missa diária nem dominical. Acompanhavam os funerais de alguém conhecido que respeitassem, mais por atenção à família do
defunto do que para agradar a estrutura da Igreja. Mas tal não
impedia a que, tanto o meu pai como o meu avô, enquanto vivos,
tivessem encontros cordiais com os membros de primeira linha, e até
com o pároco da freguesia. Os Maragatos sempre disseram que um
padre, um bispo ou outro qualquer com saias, era, para eles,
equivalente a um farmacêutico, um notário, médico ou arquitecto,
para nomear algumas profissões de nível educado destacado.
Posso
afirmar que a minha gente, e até o avô farmacêutico de Zamora, que
se chamava Rodrigo, pensava como eles, eram mais demócratas do que
republicanos, pois admitiam todas as tendências políticas, sempre
que mantivessem o respeito total aos que não partilham das suas
ideias.
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