quinta-feira, 2 de maio de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 76


CRÓNICAS DO VALE . Cap. 76 

José. Depois de todo o relato “histórico” que me ofereceste ficou-me a dúvida do que terás ouvido, depois disso, por boca do avô. Há situações que, para mim com a curiosidade pelos detalhes própria das mulheres, não me parecem evidentes. Por exemplo, este desabafo do avô, que parece ter sido às portas da morte, aconteceu onde? Em que terra? Em casa de quem?

Foi na casa de família, na Guarda. Uma casa que estava alugada por nós, Maragatos, ainda quando todos moravam em Espanha. Era a base logística, perto da fronteira para onde recolher e tratar dos negócios de contrabando deste lado . Mais tarde, já com o meu pai também afastado do exército espanhol, juntamo-nos todos ali. Passou a ser a nossa morada, totalmente. E foi ali, ou no hospital na Guarda, que o avô morreu. Eu, não estava presente, embora também na Guarda, porque me tinham interno no colégio dos jesuítas. Só fui ao funeral, onde recordo que chorei baba e ranho. 

Mas tens que me contar, com poucas palavras, esta fase de teres frequentado o ninho dos jesuítas. Logo tu, que não mostras, hoje, a mínima fidelidade à Igreja Católica, nem a outra qualquer, verdade seja dita.

O que os meus pais decidiram, e acertadamente, foi que eu tinha que me integrar perfeitamente na sociedade portuguesa, falar sem aquele acento delator que os meus pais nunca conseguiram eliminar os meus. Além de que podia criar conhecimentos e amizades que mais tarde me seriam favoráveis, não só entre famílias da Guarda mas com outras que enviavam os filhos para lá estudarem o secundário.

A negação religiosa que me conheces foi precisamente neste colégio que cresceu. Verdade é que não convivi, no seio da família, com beatos de missa diária nem dominical. Acompanhavam os funerais de alguém conhecido que respeitassem, mais por atenção à família do defunto do que para agradar a estrutura da Igreja. Mas tal não impedia a que, tanto o meu pai como o meu avô, enquanto vivos, tivessem encontros cordiais com os membros de primeira linha, e até com o pároco da freguesia. Os Maragatos sempre disseram que um padre, um bispo ou outro qualquer com saias, era, para eles, equivalente a um farmacêutico, um notário, médico ou arquitecto, para nomear algumas profissões de nível educado destacado.

Posso afirmar que a minha gente, e até o avô farmacêutico de Zamora, que se chamava Rodrigo, pensava como eles, eram mais demócratas do que republicanos, pois admitiam todas as tendências políticas, sempre que mantivessem o respeito total aos que não partilham das suas ideias.

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