Em
seguimento ao anterior escrito -que não da série das chochas
“Crónicas”- , sinto o impulso de referir uma dúvida
existencial que me pesou durante a minha puberdade e que, por muita
insistência com que tentasse que o meu pai me elucidasse, jamais me
senti satisfeito.
Vendo
o que acontecia nas ruas e ouvindo os noticiários radiados
-televisão não existia então, mas o que veio a seguir
verifiquei que ser bem pior, ou pelo menos mais penoso de ver-
perguntava eu COMO É QUE A POLÍCIA, hoje diria “as forças da
ordem”, SENDO CONSTITUÍDA POR INDIVÍDUOS ORIGINÁRIOS DA MESMA
POPULAÇÃO A QUEM BATEM E ALEIJAM, FAZEM ISSO? UNS E OUTROS SÃO
MEMBROS DA MESMA CLASSE!
Não
recordo que o meu pai me desse uma resposta que eu aceitasse como
boa. Em geral limitava-se a dizer que aqueles polícias, sendo, de
facto, gente “do povo” estavam treinados e mandados para
obedecer, e nesta obediência estava o bater, aleijar e até matar
os “seus irmãos”, e que em caso de não cumprir estrictamente às
ordens seriam punidos severamente.
Na
situação política em que vivíamos, nos anos 40/50 do século XX,
era muito perigoso, especialmente para quem estava referenciado como
“republicano” e daí “inimigo do regime”, avançar mais
explicações elucidativas. Não podia referir, por exemplo, que o
oficial que comandava trazia uma pistola engatilhada. Não para
alvejar algum manifestante mais atrevido, mas concretamente para
punir um dos seus comandados no caso de que este se negasse a
“cumprir o seu dever”, ou seja, que virasse as costas aos
manifestantes e se pusesse ao seu lado.
Com
os anos admiti que esta pressão ameaçadora para conseguir um
comportamento em sintonia com o comando, sempre deve ter existido e
continuará a existir. Mas também admiti, sem problemas mentais, que
os mais aguerridos, mais cumpridores da sua missão de repressão, o
faziam com agrado, mesmo satisfeitos, fossem eles de má formação
moral, independentemente do bando onde se encontrassem, ou porque
eram convictos de justeza daquelas acções punitivas.
Se
aceitarmos esta separação, excessivamente simplista, entre gente
boa e gente má, e optarmos por não avaliar indivíduos isolados,
porque de não ser assim caíamos no domínio das desculpas
“esfarrapadas”, que fornecem argumentos justificativos para as
actuações mais nefastas, entenderemos como podem existir denunciantes, torcionários, torturadores, carcereiros sádicos e abusadores, e
toda a laia de gente indesejável que continua a proliferar, como
sejam alguns dos membros de claques “desportivas” que, tantas
vezes, cometem agressões e destruições de bens que em nada
justificam nem valorizam grupos de indivíduos que renegam ser o
desporto uma forma de manter sã a mente e também o corpo.
Tenho
a obrigação e a satisfacção de poder qualificar a actuação das
forças da ordem, em momentos de calma social e em especial quando o
cidadão lhes solicita o seu apoio, que progressivamente são
respeitadores, atentos, educados e atenciosos. Assim como não nos
deve custar admitir que alguns cidadãos, com ou sem motivos válidos, tenham atitudes ou mesmo actos físicos provocadores, e que
facilmente se tornam agressivos. Caso os agentes da ordem pública
recuassem, sabemos que a reacção do grupo, já engrandecido, seria de
insistir, avançar e destruir tudo aquilo que encontrassem no seu
caminho.
Os
pacíficos cidadãos, que são a maioria, quando se encontram perante
tais situações, ficam com um dilema: que lado devemos
apoiar? E precisamente os dilemas são difíceis de romper, pois dos
dois lado se encontraram argumentos. Normalmente, os que não querem
guerrear ou não compartem o “ideário” dos agressores, optam por
se afastar, fechar-se em casa e aguardar que o temporal passe.
Sem comentários:
Enviar um comentário