sábado, 11 de maio de 2019

NUNCA ACEITEI, MAS DESISTI




Em seguimento ao anterior escrito -que não da série das chochas “Crónicas”- , sinto o impulso de referir uma dúvida existencial que me pesou durante a minha puberdade e que, por muita insistência com que tentasse que o meu pai me elucidasse, jamais me senti satisfeito.

Vendo o que acontecia nas ruas e ouvindo os noticiários radiados -televisão não existia então, mas o que veio a seguir verifiquei que ser bem pior, ou pelo menos mais penoso de ver- perguntava eu COMO É QUE A POLÍCIA, hoje diria “as forças da ordem”, SENDO CONSTITUÍDA POR INDIVÍDUOS ORIGINÁRIOS DA MESMA POPULAÇÃO A QUEM BATEM E ALEIJAM, FAZEM ISSO? UNS E OUTROS SÃO MEMBROS DA MESMA CLASSE!

Não recordo que o meu pai me desse uma resposta que eu aceitasse como boa. Em geral limitava-se a dizer que aqueles polícias, sendo, de facto, gente “do povo” estavam treinados e mandados para obedecer, e nesta obediência estava o bater, aleijar e até matar os “seus irmãos”, e que em caso de não cumprir estrictamente às ordens seriam punidos severamente.

Na situação política em que vivíamos, nos anos 40/50 do século XX, era muito perigoso, especialmente para quem estava referenciado como “republicano” e daí “inimigo do regime”, avançar mais explicações elucidativas. Não podia referir, por exemplo, que o oficial que comandava trazia uma pistola engatilhada. Não para alvejar algum manifestante mais atrevido, mas concretamente para punir um dos seus comandados no caso de que este se negasse a “cumprir o seu dever”, ou seja, que virasse as costas aos manifestantes e se pusesse ao seu lado.

Com os anos admiti que esta pressão ameaçadora para conseguir um comportamento em sintonia com o comando, sempre deve ter existido e continuará a existir. Mas também admiti, sem problemas mentais, que os mais aguerridos, mais cumpridores da sua missão de repressão, o faziam com agrado, mesmo satisfeitos, fossem eles de má formação moral, independentemente do bando onde se encontrassem, ou porque eram convictos de justeza daquelas acções punitivas.

Se aceitarmos esta separação, excessivamente simplista, entre gente boa e gente má, e optarmos por não avaliar indivíduos isolados, porque de não ser assim caíamos no domínio das desculpas “esfarrapadas”, que fornecem argumentos justificativos para as actuações mais nefastas, entenderemos como podem existir denunciantes, torcionários, torturadores, carcereiros sádicos e abusadores, e toda a laia de gente indesejável que continua a proliferar, como sejam alguns dos membros de claques “desportivas” que, tantas vezes, cometem agressões e destruições de bens que em nada justificam nem valorizam grupos de indivíduos que renegam ser o desporto uma forma de manter sã a mente e também o corpo.

Tenho a obrigação e a satisfacção de poder qualificar a actuação das forças da ordem, em momentos de calma social e em especial quando o cidadão lhes solicita o seu apoio, que progressivamente são respeitadores, atentos, educados e atenciosos. Assim como não nos deve custar admitir que alguns cidadãos, com ou sem motivos válidos, tenham atitudes ou mesmo actos físicos provocadores, e que facilmente se tornam agressivos. Caso os agentes da ordem pública recuassem, sabemos que a reacção do grupo, já engrandecido, seria de insistir, avançar e destruir tudo aquilo que encontrassem no seu caminho.

Os pacíficos cidadãos, que são a maioria, quando se encontram perante tais situações, ficam com um dilema: que lado devemos apoiar? E precisamente os dilemas são difíceis de romper, pois dos dois lado se encontraram argumentos. Normalmente, os que não querem guerrear ou não compartem o “ideário” dos agressores, optam por se afastar, fechar-se em casa e aguardar que o temporal passe.

Sem comentários:

Enviar um comentário