Tratamente
para dias negros
Quando
rapaz, e já instalados em Portugal, recordo que uma Senhora Amiga,
das nossas relações, com a qual dialogavam ela em português
lisboeta e a mãe em castelhano, apesar de já ter notado que entre o
catalão -sua língua materna e também minha- se
encontravam muitas palavras comuns, e com uma pronúncia quase igual,
ao contrário do que acontecia com o castelhano, com os seus
agressivos J e H aspirados.
Já
me desviei do roteiro. Ao que ia! A Amiga, certamente que numa
sequência das habituais conversas de esposas, amavelmente se
ofereceu para lhe emprestar-lhe um grosso, e famoso, livro de
receitas culinárias que ela considerava equivalente a uma Bíblia
das Cozinhas. Se o leitor se situar na época em que a acção
decorre -anos 50 do século passado-já imaginou que estou referindo
o famoso PANTAGRUEL, que depois eu depois o rebaptizei
para Pantacruel. Porque
fui encarregado de traduzir e escrever à máquina algumas receitas
que, entre as duas, entenderam serem importantes. UMA SECA !!!
A
razão de que eu lhe mudasse o nome estava em que, visceralmente
discordasse das sequelas a muitas receitas, em que se ofereciam
sugestões para aproveitar as sobras. Possivelmente com o
intuito de agradar o Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, que,
além de rígido ditador se dizia ser um convicto ferreta, sempre
predisposto para aproveitar tudo e inimigo de desperdiçar.
Embirrante
e contestatário eu modificava algumas das receitas de
aproveitamentos. Debitava uma ladainha de minha lavra que, mais ou
menos, continha, além da encomendada preparação do perú
assado no Natal, logo na página seguinte: arroz de restos
de Peru de Natal, e eu punha mais outras receitas importantes, tais
como: sopa de restos de arroz de restos de Peru do Natal, ou: guisado
de massa meada com o molho e carcaça do Peru de Natal. Era a minha
desforra por ter que traduzir e escrever receitas de cozinha. E são
tantas as receitas do Pantagruel com sequelas que me causaram um
espanto e uma vontade imensa de gozar com aquela afamada obra
literária.
Mas
a culinária louca continuou sempre latente em mim. Recordo uma
vivência, relativamente recente, mas já com uns 15 anos de adega,
que me saiu, espontâneamente ao chegar à caixa de um
mini-mercado próximo da nossa residência, onde tinha por missão
recompor certas existências.
Coloquei
sobre o tapete rolante duas embalagens de leite e uma garrafa de
vinho tinto.- A empregada perguntou, solícita, se era tudo. - Desta
vez é só isso, mas não pense que é pouco. Com estes ingredientes
vou fazer uma coisa muito especial, se quiser dou-lhe a receita. É
uma receita bem antiga, dos frades do Clyster em Alcobaça.
Numa
panela de tamanhomédio (quatro litros) deitam-se dois litros de
leite fresco e põe-se a lume brando. Quando se veja que está quase
a subir, mas antes disso, baixar o lume e ir deitando, lentamente, o
vinho tinto, e temperando com canela em pó ou bauvnilha cristaliada,
a gosto. Mexendo sempre com uma colher de pau para não coalhar.
Apagar o lume e deixar arrefecer, tapando com a tampa respectiva.
Depois de frio, engarrafar e vedar bem, com lacre se for necessário.
E depois de repousar umas semanas, très ou quatro, deitar tudo fora,
que deve ser uma porcaria!
As
senhoras desculpem. Mas não resisti a esta brincadeira.
E
AGORA... TACHIM TACHIM, A NOSSA RECEITA PARA DIAS NEGROS
Infelizmente
sempre estamos propensos a problemas de tipo insolúvel,sejam de
saúde, familiares ou profissionais, entre outros. A questão está
em que nos deprimem, que ficamos mentalmente desmoralizados, e quando
não estamos filiados a um psiqiatra que, pelo menos, nos alivie de
algum capital, não sabemos como nos safar. É nesta situação que
se torna útil a seguinte receita para dias negros.
Ingredientes:
uma
colher de sopa, rasa de PACIÊNCIA
dose
igual de OPTIMISMO
dose
idêntica de RESISGNAÇÃO
mais
uma colher de sopa, rasa, de CORAGEM
igual
dose de RAIVA
e
mais uma de FÉ NO SUPREMO
Juntar
tudo numa tigela de vidro, mexer com uma vareta de arame até ficar
homogéneo. Não é necessário temperar nem provar com a ponta do
dedo indicador, pois que por muito que olhem nada verão. (nem
outono, inverno ou primavera)
Se
depois deste tratamento não sentirem melhoras e o mal se puder
avaliar como de índole profissional, existe uma solução melhor,
que funciona bem quando se é “afilhado” de uma personagem
política bem situada no esquema. Ele pode ser a solução para todos
os seus problemas. Mesmo assim, aconselha-se, encarecidamente, que
quando procurarem este padrinho, deixem cair, como quem não quer,
uma frase no género: … é que já sabe que eu sei de muitas
coisas que não se podem contar... Os efeitos benéficos não
devem tardar. É só uma questão de horas, minutos até. Padrinho e
afilhado ficarão agarrados entre si, pelos ditos cujos, como dois
siameses.
NOTA
IMPORTANTE: Se o “padrinho” se atrever a perguntar o que é
que sabe? A resposta é um encolher de ombros e faer a sua cara
de parvo; ou dizer eu sou como um túmulo do faraó, e faz
aquela mímica de quem cose a boca com agulha e linha grossa.preta de
preferência, para dar mais peso ao gesto.
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