Imagino
que o homem desde que começou a andar erguido e conseguiu ter tempo
livre para dar trabalho especulativo ao seu cérebro, uma das coisas
em que reparou e perante a qual lamentou da sua inépcia, foi a das
mudanças climatéricas. Bem pensou em se agasalhar melhor, em
procurar abrigo em grutas e utilIzar o fogo, a sua grande descoberta
tecnológica, para se aquecer.
Os
anos foram passando, as décadas, séculos, milénios continuaram
inenterruptamente e as meditações avançaram para ambitos cada vez
mais afastados das necessidades mais imediatas, Muitas cabeças
buliram em fervura tumultuosa tentando descobrir novos problemas, para depois imaginar soluções. E,
por outro lado, o progresso da linguagem parecia imparável, dado o
seu carácter apelativo, incitador ao discurso dedicado a ouvintes e
a justificar convívios sob as mais diversas motivações.
Os
gestores das sucessivas ditaduras, que se criaram no seio da
sociedade, viram que estas, inicialmente inócuas, reuniões de seres
em comunicação verbal e visual eram
um perigo para a manutenção do seu esquema de poder. Os grupos eram, sem dúvida, um grande perigo em potência, que convinha
eliminar com persistência.
E
assim se gerou o serviço de denunciantes sigilosos e a consequênte
perseguição, ou até de eliminação, dos díscolos. Conseguiram
travar, até certo ponto, a vocação contestatária da maior parte
da população, mais devido ao medo que geraram, dado que, excepto os
mais empenhados na guerra subterrânea, ninguém se podia considerar
livre de ser denunciado, apesar de saber não ter cometido nenhuma
falta. Os carrascos aplicavam aquele “sábio” preceito que diz:
Quando chegares a casa dá uma tareia á tua mulher, mesmo
que não vejas razão para tal. Ela sabe porque lhe bates.
É o método de prevenção mais antigo, e dizem que eficaz.
Apesar
de todas as acções repressivas continuou a existir a necessidade
humana de manter um diálogo presencial,
nem que a temática ficasse restrita a banalidades no estilo do falso
desporto para as bancadas. Mesmo nestas tertúlias que se podiam
considerar de inofensivas, estavam colocados os bufos prontos a
denunciar qualquer desvio inaceitável. E isso permaneceu assim até
ontem.
Hoje
os
contactos verbais e visuais, em simultaneidade, quase que
desapareceram. Tudo
foi substituído “eficazmente”, e com uma adesão cada vez mais
generalizada, pela comunicação electrónica, que só não é tão
instantânea como se julga devido a que, pela acumulação contínua
de solicitações, chega a originar decalagens mais potentes do que
no esquema de comunicação anterior.
Ganhamos
ou perdemos?
A
meu ver, perdemos muito mais do que ganhamos, pois a possibilidade de
comunicar assertivamente comporta não só a voz, mas também a
gesticulação, mais a instintiva mímica facial. Sem esquecer a
possibilidade de interpelação imediata, além da voluntária
cedência de pareceres em favor de um entendimento comum. A
eléctrónica matou a necessidade e capacidade humana de conseguir
entendimentos efectivos. Tudo
é virtual e mais fácil de vigiar
do que o ter que colocar meios humanos em cafés e outros locais de
reunião.
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