sábado, 25 de março de 2017

O QUE A PIDE NÃO CONSEGUIU



Imagino que o homem desde que começou a andar erguido e conseguiu ter tempo livre para dar trabalho especulativo ao seu cérebro, uma das coisas em que reparou e perante a qual lamentou da sua inépcia, foi a das mudanças climatéricas. Bem pensou em se agasalhar melhor, em procurar abrigo em grutas e utilIzar o fogo, a sua grande descoberta tecnológica, para se aquecer.

Os anos foram passando, as décadas, séculos, milénios continuaram inenterruptamente e as meditações avançaram para ambitos cada vez mais afastados das necessidades mais imediatas, Muitas cabeças buliram em fervura tumultuosa tentando descobrir novos problemas, para depois imaginar soluções. E, por outro lado, o progresso da linguagem parecia imparável, dado o seu carácter apelativo, incitador ao discurso dedicado a ouvintes e a justificar convívios sob as mais diversas motivações.

Os gestores das sucessivas ditaduras, que se criaram no seio da sociedade, viram que estas, inicialmente inócuas, reuniões de seres em comunicação verbal e visual eram um perigo para a manutenção do seu esquema de poder. Os grupos eram, sem dúvida, um grande perigo em potência, que convinha eliminar com persistência.

E assim se gerou o serviço de denunciantes sigilosos e a consequênte perseguição, ou até de eliminação, dos díscolos. Conseguiram travar, até certo ponto, a vocação contestatária da maior parte da população, mais devido ao medo que geraram, dado que, excepto os mais empenhados na guerra subterrânea, ninguém se podia considerar livre de ser denunciado, apesar de saber não ter cometido nenhuma falta. Os carrascos aplicavam aquele “sábio” preceito que diz: Quando chegares a casa dá uma tareia á tua mulher, mesmo que não vejas razão para tal. Ela sabe porque lhe bates. É o método de prevenção mais antigo, e dizem que eficaz.

Apesar de todas as acções repressivas continuou a existir a necessidade humana de manter um diálogo presencial, nem que a temática ficasse restrita a banalidades no estilo do falso desporto para as bancadas. Mesmo nestas tertúlias que se podiam considerar de inofensivas, estavam colocados os bufos prontos a denunciar qualquer desvio inaceitável. E isso permaneceu assim até ontem.

Hoje os contactos verbais e visuais, em simultaneidade, quase que desapareceram. Tudo foi substituído “eficazmente”, e com uma adesão cada vez mais generalizada, pela comunicação electrónica, que só não é tão instantânea como se julga devido a que, pela acumulação contínua de solicitações, chega a originar decalagens mais potentes do que no esquema de comunicação anterior.

Ganhamos ou perdemos?


A meu ver, perdemos muito mais do que ganhamos, pois a possibilidade de comunicar assertivamente comporta não só a voz, mas também a gesticulação, mais a instintiva mímica facial. Sem esquecer a possibilidade de interpelação imediata, além da voluntária cedência de pareceres em favor de um entendimento comum. A eléctrónica matou a necessidade e capacidade humana de conseguir entendimentos efectivos. Tudo é virtual e mais fácil de vigiar do que o ter que colocar meios humanos em cafés e outros locais de reunião.

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