quarta-feira, 8 de março de 2017

O MASCARILHA


Tal como outros coetâneos, durante a minha juventude fui devorador de livros e de banda desenhada. Dos livros recordo muitos com Tarzan no papel de herói, outros com Robinson Crusoe e imitadores, sem esquecer os ingleses de Walther Scott e as suas aventuras medievais, com o Robin Hood e as personagens que completavam o elenco. Foram tantos os livros que consumí avidamente que dar uma lista seria fastidioso.

Como referí, também fui assíduo leitor de Banda Desenhada, se bem que depressa me aborreci com as publicações, ao estilo do Cavaleiro Andante, que para fidelizar os compradores desdobravam as aventuras publicando só uma  ou duas páginas por semana. Já então era avesso a tais truques. Preferia, e os meus dois irmãos seguiram a mesmo opção, os livrinhos com “aventuras” completas, que vinham editadas nas colecções Mundo de Aventuras e Condor. Numa caixa adormecida, por carência de gente jovem, ainda guardo uns quilos destas publicações.

Eram várias as personagens que eram frequentes nos sucessivos números da colecção. Entre eles recordo, entre outros, Mandrake, o Fantasma, o Príncipe Valente e o Mascarilha. Este último herói de ficção, que nem por isso era um dos meus preferidos, motivou ser hoje tema de vivência. E a razão é totalmente lateral.

O mascarilha, também conhecido como Lone Ranger na edição original, andava sempre acompanhado por um índio apache “assimilado”. Ou seja, era um indígena renegado que se passou para o convívio com os brancos invasores e, sem dissimulo, seus carrascos.

Este índio era chamado de Tonto. E verifiquei que não fui só eu que não entendia a razão de ser conhecido com este nome, notoriamente insultante e denigrante. Consultei aquilo que aceitamos substituir as abandonadas enciclopédias e até as bibliotecas, e encontrei que todas as referências a esta dupla apresentavam o mesmo desconhecimento da razão de porque o índio, já meio assimilado, foi sempre chamado de Tonto.

Mas, sendo honesto, antes de procurar apoio de outras fontes, casualmente, já tinha dado com a explicação. E caiu-me nas mãos de forma totalmente inesperada. Sucede que tenho estado a ler, em pequenas doses, um livro, demasiado maçador e repetitivo, que não consta das listas de obras célebres. O título original, em inglês dos USA é Blood Meridian of the Evening Redness in the West, que na (má, mesmo muito má), tradução para portugues ficou em MERIDIANO DE SANGUE, sendo o autor CORMAC MCCARTHY.

O livro em si é uma ficção histórica muito pesada, e que só não deixei nas primeiras páginas, ou a meio, porque detesto não dar uma oportunidade a quem escreve. Refere as andanças de grupos de aventureiros americanos, e esporadicamente com inclusão de mexicanos e outros, que dedicavam-se à caça de indígenas, fossem das tribos índias que ainda resistiam aos invasores europeus como também caçavam mexicanos. A motivação era somente económica, pois recebiam um pagamento por cada escalpe que levavam até algum dos fortes do exército americano. E “caçavam” porfiadamente. 

Em princípio o alvo que lhes fora indicado eram os Apaches, que naquele cenário equivaliam aos turras, nossos conhecidos inimigos nos territórios ultramarinos, caso nos cause desconforto os chamar de colónias, como eram de facto.

O tema confirma uma das razões, ou um dos métodos, que os invasores anglófonos utilizaram para eliminar os indígenas. Estes bandoleiros contratavam índios “renegados” para os servirem de pisteiros, batedores e até de tradutores,. Todavia já existia uma língua franca europeia, o castelhano, em practicamente todas as tribos sitas a oeste do Mississippi, ou dito de outra forma, nos territorios hoje conhecidos como Estados da União mas que conservam nomes castellanos. Estes indígenas tinham tido intenso contacto com missionários espanhóis, que além da fé católica os iniciaram no castelhano.

Pois chegamos ao porque do nome dado ao companheiro do mascarilha. A páginas tantas refere-se que os apaches chamavam, genéricamente, tontos aos indígenas que serviam com as tropas americanas, fossem regulares ou irregulares, e sempre como batedores, pisteiros e interpretes.

Um assunto que não deve interessar a ninguêm, mas que me esclareceu uma dúvida que permaneceu sem explicação durante muitas décadas.


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