Tal
como outros coetâneos, durante a minha juventude fui devorador de
livros e de banda desenhada. Dos livros recordo muitos com Tarzan no
papel de herói, outros com Robinson Crusoe e imitadores, sem
esquecer os ingleses de Walther Scott e as suas aventuras medievais,
com o Robin Hood e as personagens que completavam o elenco. Foram
tantos os livros que consumí avidamente que dar uma lista seria
fastidioso.
Como
referí, também fui assíduo leitor de Banda Desenhada, se bem
que depressa me aborreci com as publicações, ao estilo do Cavaleiro
Andante, que para fidelizar os compradores desdobravam as
aventuras publicando só uma ou duas páginas por semana. Já então era
avesso a tais truques. Preferia, e os meus dois irmãos seguiram a
mesmo opção, os livrinhos com “aventuras” completas, que vinham
editadas nas colecções Mundo de
Aventuras e Condor. Numa caixa adormecida, por carência de
gente jovem, ainda guardo uns quilos destas publicações.
Eram
várias as personagens que eram frequentes nos sucessivos números da
colecção. Entre eles recordo, entre outros, Mandrake, o Fantasma,
o Príncipe Valente e o Mascarilha. Este último herói de ficção,
que nem por isso era um dos meus preferidos, motivou ser hoje
tema de vivência. E a razão é totalmente lateral.
O
mascarilha, também conhecido como Lone Ranger na edição original,
andava sempre acompanhado por um índio apache “assimilado”. Ou
seja, era um indígena renegado que se passou para o convívio com os
brancos invasores e, sem dissimulo, seus carrascos.
Este
índio era chamado de Tonto. E verifiquei que não fui só eu que não
entendia a razão de ser conhecido com este nome, notoriamente insultante e denigrante. Consultei aquilo que aceitamos substituir as
abandonadas enciclopédias e até as bibliotecas, e encontrei que
todas as referências a esta dupla apresentavam o mesmo
desconhecimento da razão de porque o índio, já meio assimilado, foi sempre chamado de Tonto.
Mas,
sendo honesto, antes de procurar apoio de outras fontes,
casualmente, já tinha dado com a explicação. E caiu-me nas mãos de
forma totalmente inesperada. Sucede que tenho estado a ler, em
pequenas doses, um livro, demasiado maçador e repetitivo, que não
consta das listas de obras célebres. O título original, em inglês dos USA é Blood Meridian of the Evening Redness in the West,
que na (má, mesmo muito má),
tradução para portugues ficou em MERIDIANO DE SANGUE, sendo o autor
CORMAC MCCARTHY.
O
livro em si é uma ficção histórica muito pesada, e que só não
deixei nas primeiras páginas, ou a meio, porque detesto não dar uma
oportunidade a quem escreve. Refere as andanças de grupos de
aventureiros americanos, e esporadicamente com inclusão de mexicanos e outros, que dedicavam-se à caça de
indígenas, fossem das tribos índias que ainda resistiam aos
invasores europeus como também caçavam mexicanos. A motivação
era somente económica, pois recebiam um pagamento por cada escalpe
que levavam até algum dos fortes do exército americano. E “caçavam”
porfiadamente.
Em princípio o alvo que lhes fora indicado eram os Apaches, que naquele cenário equivaliam aos turras, nossos
conhecidos inimigos nos territórios ultramarinos, caso nos cause
desconforto os chamar de colónias, como eram de facto.
O
tema confirma uma das razões, ou um dos métodos, que os invasores anglófonos utilizaram para eliminar os indígenas. Estes
bandoleiros contratavam índios “renegados” para os servirem de
pisteiros, batedores e até de tradutores,. Todavia já existia uma língua
franca europeia, o castelhano, em practicamente todas as tribos sitas
a oeste do Mississippi, ou dito de outra forma, nos territorios hoje
conhecidos como Estados da União mas que conservam nomes
castellanos. Estes indígenas tinham tido intenso contacto com missionários espanhóis, que além da fé católica os iniciaram no castelhano.
Pois
chegamos ao porque do nome dado ao companheiro do mascarilha. A páginas
tantas refere-se que os apaches chamavam, genéricamente, tontos
aos
indígenas que serviam com as tropas americanas,
fossem regulares ou irregulares, e sempre como batedores, pisteiros e
interpretes.
Um
assunto que não deve interessar a ninguêm, mas que me esclareceu
uma dúvida que permaneceu sem explicação durante muitas décadas.
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