sábado, 11 de março de 2017

GRUPOS MAIORES DE DOIS



A frase mais correcta era a que se dizia, denunciando a situação mas dando-lhe um ar de gozo, quando do ministério que coordenava o sossego público era emitida a ordem, que se fazia obedecer à base de pancadinhas gentis de cacete, na que se estipulava ESTÃO PROIBIDOS AJUNTAMENTOS DE MAIS DE DUAS PESSOAS.

Uma ordem com uma enorme dose de bom senso, mas que, levada ao extremo, inclusive podia penalizar aqueles respeitosos passeios de um casal de namorados, incipientes e obedientes das normas sociais vigentes, que tinham que aguentar com um “pau de cabeleira” e assim, sendo um trio, arriscarem-se a ser vistos como um núcleo de perigosos contestatários.

Os mandatados, ou noutros casos evidentes usurpadores, sempre são cuidadosos no que respeita a manter a malta sossegada, e sabem perfeitamente que só devem permitir aglomerações quando organizadas e rígidamente controladas pelos seus colaboradores. Mesmo assim sempre existe o risco de que aquilo, apesar de bem montado, possa derivar numa manifestação reivindicativa. Por isso aplicam esmeradamente a máxima latina divide ut regnes, que podemos traduzir em Divide e reinarás, ou vencerás.

Mas na vida real dizemos, com demasiada frequência, que os assuntos são como as moedas, que têm duas caras. O realidade nos mostra que podem existir mais opções do que a simples dualidade. Por esta causa se encontram locais de entroncamentos nas redes viárias que se inicialmente ficavam conhecidos como os quatro caminhos, hoje, para satisfacção dos empreiteiros e dos que imaginaram e adjudicaram as obras, estão transformados em rotundas. E são tantas que podem causar transtornos de equilíbrio, vulgo tonturas, aos pacíficos condutores.

Estas considerações acerca dos benefícios da dispersão dos cidadãos levaram-me a ponderar como os autarcas encontram soluções alternativas, sempre visando o bem dos seus munícipes, dizem eles.

É evidente que a gestão de uma grande urbe deve implicar desafios de porte. E daí a possibilidade de promover acções, nem sempre entendidas por todos os munícipes que se sentem afectados, cuja implantação originam contratos com montantes avultados, não negligenciáveis. Daí que o cidadão com tendência a pensar mal do seu semelhante, ou desgostoso, até invejoso por não ter as mesmas oportunidades, imediatamente aplica o ditado popular que avisa quem mexe com azeite sempre unta os dedos.

Sendo assim é natural que surjam denúncias de favoritismo, compadrio ou mesmo corrupção activa e passiva, em todos os departamentos onde se adjudicam encomendas. E mais nos casos em que os montantes são tudo menos insignificantes. Falso: mesmo na compra de agrafes ou papel higiénico, entre outros materiais de consumo, há luvas a distribuir. SEMPRE.

Nas autarquias de menor importância, sob o aspecto demográfico, as coisas funcionam de igual modo? O caso mais notável é, tomando o cabeçalho desta crónica, é aquele em que os eleitores do concelho, além de serem poucos, estão dispersos e entretidos com as suas tarefas. De facto estão muito condicionados pelo seu modo de vida.

O responsável autárquico nesta situação tem que aplicar a técnica dos carecas não totais, aqueles em que lhes restam umas farripas laterais. Sem se preocuparem com a figura ridícula, tentam falsear distribuindo com sumo cuidado aqueles longos cabelos, quase que solitários, de modo a que viagem de um lado para outro e disfarcem aquela calvicie. Para nossa satisfacção são cada vez menos estes ilusos. Alguns dos penalizados pela alopecia optam para o corte radical de toda a pilosidade craneana superior.

Então o autarca, desejoso de conseguir adquirir uma imagem de ser prolífico em iniciativas, e paralelamente melhorar as suas contas bancárias, tem que se esforçar em contratar a construção de rotundas, piscinas, poli-desportivos, bibliotecas, centros de convívio, museus e outras obras que estejam na lista do que se admite possam ser financiadas por fundos que raramente controlam a execução e os custos. Mesmo que a experiência mostre que, depois de apresentadas as contas, muitas desta obras ficam fechadas por falta de interesse da população. Não importa. O importante é lançar novas despesas.

A lista de iniciativas pode ser muito extensa, e ele, o cabeça eleito, se encarrega de contratar um grupo de colaboradores, sempre em aumento, que o ajudem com novas ideias brilhantes, e rentáveis. Nestes concelhos, à falta de contratos milionários, e por terem a experiência da ruralidade onde estão inclusos, aplicam a máxima da galinha em liberdade parcial: Grão a grão enche a galinha o papo.


Nestes concelhos, com população dispersa, não é necessário agir no sentido de castigar ajuntamentos com mais de duas pessoas. Pelo contrário, convêm incentivar aglomerações, a ser possível de forasteiros, que raramente podem ter reclamações da mesmo índole das que preocupam ao cidadão residente. Incitam os que chegam, seja de longe ou de perto, e não tardam em partir, satisfeitos e enganados. 

O autarca perante aquilo que lhe chegue, com carácter incomodativo, pode optar pela lição dos três macaquinhos, sabendo que o reclamante vai esquecer enquanto aguarda, iludido, por uma resposta positiva. Palavras leva-as o vento.

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