A
frase mais correcta era a que se dizia, denunciando a situação mas
dando-lhe um ar de gozo, quando do ministério que coordenava o
sossego público era emitida a ordem, que se fazia obedecer à base
de pancadinhas gentis de cacete, na que se estipulava ESTÃO
PROIBIDOS AJUNTAMENTOS DE MAIS DE DUAS PESSOAS.
Uma
ordem com uma enorme dose de bom senso, mas que,
levada ao extremo, inclusive podia penalizar aqueles respeitosos
passeios de um casal de namorados, incipientes e obedientes das
normas sociais vigentes, que tinham que aguentar com um “pau de
cabeleira” e assim, sendo um trio, arriscarem-se a ser vistos como
um núcleo de perigosos contestatários.
Os
mandatados, ou noutros casos evidentes usurpadores, sempre são
cuidadosos no que respeita a manter a malta sossegada, e sabem
perfeitamente que só devem permitir aglomerações quando
organizadas e rígidamente controladas pelos seus colaboradores. Mesmo assim sempre existe o risco de que aquilo, apesar de bem
montado, possa derivar numa manifestação reivindicativa. Por isso
aplicam esmeradamente a máxima latina divide ut regnes,
que podemos traduzir em Divide
e reinarás, ou vencerás.
Mas
na vida real dizemos, com demasiada frequência, que os assuntos são
como as moedas, que têm duas caras. O realidade nos mostra que podem
existir mais opções do que a simples dualidade. Por esta causa se
encontram locais de entroncamentos nas redes viárias que se
inicialmente ficavam conhecidos como os
quatro caminhos,
hoje, para satisfacção dos empreiteiros e dos que imaginaram e
adjudicaram as obras, estão transformados em rotundas.
E
são tantas que podem causar transtornos de equilíbrio, vulgo
tonturas, aos pacíficos condutores.
Estas
considerações acerca dos benefícios da dispersão dos cidadãos
levaram-me a ponderar como os autarcas encontram soluções
alternativas, sempre visando o bem dos seus munícipes, dizem eles.
É
evidente que a gestão de uma grande urbe deve implicar desafios de
porte. E daí a possibilidade de promover acções, nem sempre
entendidas por todos os munícipes que se sentem afectados, cuja
implantação originam contratos com montantes avultados, não
negligenciáveis. Daí que o cidadão com tendência a pensar mal do
seu semelhante, ou desgostoso, até invejoso por não ter as mesmas
oportunidades, imediatamente aplica o ditado popular que avisa quem
mexe com azeite sempre unta os dedos.
Sendo
assim é natural que surjam denúncias de favoritismo, compadrio ou
mesmo corrupção activa e passiva, em todos os departamentos onde se
adjudicam encomendas. E mais nos casos em que os montantes são tudo
menos insignificantes. Falso: mesmo na compra de agrafes ou papel higiénico, entre outros materiais de consumo, há luvas a distribuir. SEMPRE.
Nas
autarquias de menor importância, sob o aspecto demográfico, as
coisas funcionam de igual modo? O caso mais notável é, tomando o
cabeçalho desta crónica, é aquele em que os eleitores
do concelho,
além de serem poucos, estão
dispersos
e entretidos com as suas tarefas. De facto estão muito condicionados
pelo seu modo de vida.
O
responsável autárquico nesta situação tem que aplicar
a técnica dos carecas não totais,
aqueles em que lhes restam umas farripas laterais. Sem se preocuparem
com a figura ridícula, tentam falsear distribuindo com sumo cuidado aqueles longos cabelos, quase que solitários, de modo a que viagem de
um lado para outro e disfarcem aquela calvicie. Para nossa satisfacção
são cada vez menos estes ilusos. Alguns dos penalizados pela
alopecia optam para o corte radical de toda a pilosidade craneana
superior.
Então
o autarca, desejoso de conseguir adquirir uma imagem de ser prolífico
em iniciativas, e paralelamente melhorar as suas contas bancárias,
tem que se esforçar em contratar a construção de rotundas,
piscinas, poli-desportivos, bibliotecas, centros de convívio, museus e outras
obras que estejam na lista do que se admite possam ser financiadas por fundos
que raramente controlam a execução e os custos. Mesmo que a
experiência mostre que, depois de apresentadas as contas, muitas desta
obras ficam fechadas por falta de interesse da população. Não importa. O importante é lançar novas despesas.
A
lista de iniciativas pode ser muito extensa, e ele, o cabeça eleito,
se encarrega de contratar um grupo de colaboradores, sempre em
aumento, que o ajudem com novas ideias brilhantes, e rentáveis. Nestes concelhos, à falta de contratos milionários, e por terem a experiência da ruralidade onde estão inclusos, aplicam a máxima da galinha em liberdade parcial: Grão a grão enche a galinha o papo.
Nestes
concelhos, com população dispersa, não é necessário agir no
sentido de castigar ajuntamentos com mais de duas pessoas. Pelo
contrário, convêm incentivar aglomerações, a ser possível de
forasteiros, que raramente podem ter reclamações da mesmo índole
das que preocupam ao cidadão residente. Incitam os que chegam, seja de longe ou de perto, e não tardam em partir, satisfeitos e enganados.
O autarca perante aquilo que
lhe chegue, com carácter incomodativo, pode optar pela lição dos
três macaquinhos, sabendo que o reclamante vai esquecer enquanto
aguarda, iludido, por uma resposta positiva. Palavras leva-as o
vento.
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