Tempos
de “inocência”
Quando
criança, até os 12/13 anos, vivi e convivi com a família mais
chegada e, como era habitual naquela época em que as crianças
podiam circular com bastante liberdade, o grupo de coetâneos,
mormente rapazes, que brincávamos em diferentes jogos. Muitos deles
cativos de épocas não definidas, mas seguidas por indicação dos
líderes. Jogar aos berlindes, ao pião, aos caroços de alperce, a
saltar o eixo, a saltar sobre uma fila de agachados para ver se todos
conseguiam manter-se montados ou escorregavam, ou até a colocar
pregos sobre os carris do comboio para que ficassem esmagados e
tentássemos afiar para conseguir umas faquinhas manhosas, sem grande
préstimo.
Outra
distracção “inocente” tinha uma época certa, concreta e curta.
Bater nas portas da vizinhança para saber se tinham algum detrito de
madeira que nos pudessem dar a fim de juntar ao que seria a nossa
fogueira de São João. A resposta normal era que não. Mas tanto
insistíamos que sempre terminavam dando uma caixa, uma cadeira sem
concerto ou outro objecto passível de arder.
Existiam
outras distracções que tinham uma época determinada. Por exemplo.
Vivíamos numa sociedade fortemente pressionada pela Igreja, sem que
isso conseguisse gerar uma unanimidade de convictos. Antes pelo
contrário. Mas havia motivos de força maior para que os adultos não
mostrassem, publicamente, a sua discordância. Com a garotada já se
admitiam alguns desacatos “inocentes”. Assim sendo os grupos
preparávamos cortejos procesionais na Semana Santa, por nossa
iniciativa e com regras mais livres do que as que orientavam nas
paróquias e confrarias. Abria o cortejo um pequeno grupo da imitava
os soldados romanos,sem vestes apropriadas, mas cada um batendo no
chão com uma vassoura velha, virada ao contrário, e seguindo o
ritmo, alternando com os passo o bater à direita e à esquerda, tal
como faziam nas procissões “sérias”. A seguir. E sem os trajos
próprios, que não tínhamos, seguiam duas filas paralelas dos
penitentes, o que fazia de Madalena e finalmente, de Jesus
crucificado, que andava muito sério e compungido com os braços
erguidos na horizontal. Este sofria de forma irresistível ao fim de
pouco tempo, e por isso era substituído por outro voluntário.
Curiosamente e apesar de ser uma evidente demostração de
irreverência nunca se aproximou da malta um adulto para nos ralhar,
ou mesmo um polícia municipal. Formava parte dos “abusos”
consentidos desde épocas passadas.
Menos
inocente, cívica mente ponderada, e que mais tarde vi também hábito
entre as crianças de Lisboa, era o de tocar no batente, ou à
campainha se houvesse, da porta e fugir de imediato. O risco estava
em que a dona da casa, já farta de ser chamada para engano, nos
despejasse um balde de água por cima. Para “refrescar as ideias”
No
outono era o cair da folha, e na avenida onde morava havia, e ainda
duas fileiras de plátanos, cuja sombra se agradecia nos meses de
forte canícula. Estas árvores, quando já grandes, largam uma
quantidade de folhas secas impressionante. O “grupo de malfeitores”
se juntava e colocando-se em fila, perto uns dos outros, e arrastando
os pés pelo pavimento avançávamos juntando um monte de folhas. Era
a altura de encontrar uns bocados de papel e pedir um fósforo a um
homem (as mulheres não fumavam
em público) Normalmente, por saberem para que queríamos
aquela fonte de chama, negavam-se, até alguns que marchavam com o
cigarro aceso. Mas sempre aparecia um “benemérito” que nos
oferecia a realização do propósito. Mais tarde deduzi que o
simpático fumador não morava por perto, pois que a fumarada, mal
cheirosa, que a queima das folhas produzia era um motivo de
reclamação das mães, que vinham às janela ralhar aos berros. Com
razão!
Uma
nota. Enquanto que os
fósforos em Portugal não se acendiam por fricção por serem feitos
com fósforo amorfo, em Espanha, como nos cowboys de far-west,
bastava raspar no chão e a chama aparecia, formosa e incendiária
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