Cómicos,
Humoristas, Palhaços, Mimos
Acordei
no meio de um sonho, um pouco bizarro mas que senti estar em
conformidade com a minha forma de estar neste mundo: Assistia a uma
discussão acesa, mas só de palavras, entre um humorista em serviço,
agarrado a um microfone, e um outro que se encontrava simplesmente
como espectador no meio do público.
Existia
uma discordância sobre o que se podia, ou devia, ou merecia ser
considerado espirituoso, e portanto aceite socialmente, ou aquilo que
se tornava ofensivo, agressivo. Não conseguiram chegar a um acordo
“de cavalheiros” pois o defensor de uma visão mais abrangente
reconhecia que, com frequência, o humorista exagerava nas suas
caricaturas a fim de acentuar o que pretendia gozar. Que se podia
consentir um certo acentuar de alguma característica só pelo
propósito de tornar mais evidente a crítica que estava implícita.
O outro retorquía que se esta atitude implicava o denunciar ou
ofender o visado, ele não podia aceitar. Seria um abuso condenável.
Já
acordado e não sendo obrigatório abandonar o leito conjugal, não
só por ser domingo e não ir assistir à missa, com a desculpa do
recolher obrigatório, para não participar em aglomerações e
apertos, mas também porque, precisamente sendo obediente das ordens
superiores, não tinha que me apresentar a um serviço produtivo, nem
hoje nem amanhã e trampouco nos seguintes dias.
Dispondo
de tempo livre e inútil comecei a magicar sobre o que de facto
entendemos e se faz dentro do campo humorístico. E recordei os
tempos passados.
Em
criança levaram-me por diversas vezes ao circo, como espectador. E
como creio seria comum aos outros infantes presentes (então
não era habitual a presença de elefantes) o número que
mais aguardava era o dos palhaços, que quando em grupo repetiam
sempre o mesmo esquema: havia o palhaço rico, o esperto,
enfarinhado, com uma sobrancelha pintada exageradamente grande, um
chapéu cónico e muitas lentejoulas na fatiota, e uns calções
muito largueirões ate a cintura. Esta personagem orientava a
actuação dos restantes elementos -um ou dois, dependia da
Companhia- e, para meu desencanto, ainda tocava acordeão ou saxofone
(era um dos músicos do
pequena conjunto musical) Completava o grupo um ou dois
palhaços propriamente ditos, os tontos ou trapalhões, que eram os
favoritos da pequenada.
O
humor, como se pode imaginar era a coisa mais inofensiva que se podia
apresentar ao público, incluindo, por vezes, o fingir que se atirava
com a água de um balde sobre os espetadores da primeira fila, e que
dali só saia uma chuva de papelinhos coloridos. Ou o rasgar das
vestes do palhaço pobre, que ficava em roupa interior.
Já
para os adultos podia acontecer que aquela companhia tivesse um
palhaço, vestido a condizer do seu trabalho, que sem pronunciar
palavra se bastava com a mímica para transmitir as suas paródias.
Os mais salientes tornaram-se estrelas de primeira ordem, actuando
isoladamente.
E
precisamente esta referencia nos leva à importância da mímica nos
teatros, desde os alvores da comunicação à distância. Quando se
inventou a projecção de imagens sem som, concretamente com o cinema
mudo, os bons cómicos tiveram uma época de auge. Todos já vimos,
em retrospectiva, alguns filmes do Charlot e do Pamplinas, entre
outros. E aqui nos deparamos com o dilema de como avaliar o
comportamento das personagem sob o ponto de vista da aceite moral
social.
Sem
dúvida Chaplin, que se diz ter sido o argumentista dos seus filmes,
era intrinsecamente desrespeitador, mesmo mau e agressivo. M
provocava o riso a pequenos e graúdos. Só no fim de maltratar os
outros ele cedia a um gesto simpático. Quando no fim do seu percurso
no cinema quis fazer uma fita “séria” o seu público não a
acolheu como ele imaginava. Era outra coisa. Já não ”era Chaplin”
Pelo
contrário Buster Keaton, também ele argumentista e produtor dos
seus filmes mudos, dava vida a uma personagem com cara de pau,
atrevido, arrojado, atlético, rejeitando duplos. E sempre um sério
respeitador da moral vigente.
Esta
dicotomia comportamental manteve-se ao longo do tempo, e não só nos
espectáculos de cinema e teatro como nas actuações a solo. Aquilo
que podemos considerar como abusivo, desagradável mas
espontaneamente aplaudido pelo público anónimo, surge quando o
comediante, dirigindo-se a um cidadão, não contratado, para servir
de contraponto e alvo de galhofa, o achincalha sem respeito nem a
mínima razão.
No
meu sonho confrontavam-se um “cómico” da nova vaga com um
veterano, que estava sentado no meio do público, fazendo parte do
anonimato para quem não o identificasse. Este não lhe dava troco,
apesar da insistência do provocador, que teve que desistir.
Ao
longo de décadas, entre '50 e '70 tivemos em Portugal uma boa
coleção de artistas cómicos, divertidos mas respeitadores, não
só quanto aos temas de política interna como também só insinuando
com finura as suas críticas sociais. Hoje, e dando a minha opinião
pessoal, deixei de prestar atenção aos novos cómicos, não por
desgostar dos seus ditos, mas por extrapolação do fastio que me faz
ver aquele que esteve no topo durante anos, pela sua insistência no
travestismo.
UMA
PRENDA A QUEM LER: Contavam em casa que sendo eu muito pequeno o
barbeiro que me atendia, perto de casa, referiu ao meu pai que teve
um fartote de riso quando ele (curioso como todos os do
ramo do cabelo e barba) me
perguntou “o que faz o teu pai?” e lhe respondi que trabalha
com as cómicas, quando
confundi químicas com as artistas de cabaret.
Sem comentários:
Enviar um comentário