domingo, 3 de maio de 2020

MEDITAÇÕES – Não são todos iguais



Cómicos, Humoristas, Palhaços, Mimos

Acordei no meio de um sonho, um pouco bizarro mas que senti estar em conformidade com a minha forma de estar neste mundo: Assistia a uma discussão acesa, mas só de palavras, entre um humorista em serviço, agarrado a um microfone, e um outro que se encontrava simplesmente como espectador no meio do público.

Existia uma discordância sobre o que se podia, ou devia, ou merecia ser considerado espirituoso, e portanto aceite socialmente, ou aquilo que se tornava ofensivo, agressivo. Não conseguiram chegar a um acordo “de cavalheiros” pois o defensor de uma visão mais abrangente reconhecia que, com frequência, o humorista exagerava nas suas caricaturas a fim de acentuar o que pretendia gozar. Que se podia consentir um certo acentuar de alguma característica só pelo propósito de tornar mais evidente a crítica que estava implícita. O outro retorquía que se esta atitude implicava o denunciar ou ofender o visado, ele não podia aceitar. Seria um abuso condenável.

Já acordado e não sendo obrigatório abandonar o leito conjugal, não só por ser domingo e não ir assistir à missa, com a desculpa do recolher obrigatório, para não participar em aglomerações e apertos, mas também porque, precisamente sendo obediente das ordens superiores, não tinha que me apresentar a um serviço produtivo, nem hoje nem amanhã e trampouco nos seguintes dias.

Dispondo de tempo livre e inútil comecei a magicar sobre o que de facto entendemos e se faz dentro do campo humorístico. E recordei os tempos passados.

Em criança levaram-me por diversas vezes ao circo, como espectador. E como creio seria comum aos outros infantes presentes (então não era habitual a presença de elefantes) o número que mais aguardava era o dos palhaços, que quando em grupo repetiam sempre o mesmo esquema: havia o palhaço rico, o esperto, enfarinhado, com uma sobrancelha pintada exageradamente grande, um chapéu cónico e muitas lentejoulas na fatiota, e uns calções muito largueirões ate a cintura. Esta personagem orientava a actuação dos restantes elementos -um ou dois, dependia da Companhia- e, para meu desencanto, ainda tocava acordeão ou saxofone (era um dos músicos do pequena conjunto musical) Completava o grupo um ou dois palhaços propriamente ditos, os tontos ou trapalhões, que eram os favoritos da pequenada.

O humor, como se pode imaginar era a coisa mais inofensiva que se podia apresentar ao público, incluindo, por vezes, o fingir que se atirava com a água de um balde sobre os espetadores da primeira fila, e que dali só saia uma chuva de papelinhos coloridos. Ou o rasgar das vestes do palhaço pobre, que ficava em roupa interior.

Já para os adultos podia acontecer que aquela companhia tivesse um palhaço, vestido a condizer do seu trabalho, que sem pronunciar palavra se bastava com a mímica para transmitir as suas paródias. Os mais salientes tornaram-se estrelas de primeira ordem, actuando isoladamente.

E precisamente esta referencia nos leva à importância da mímica nos teatros, desde os alvores da comunicação à distância. Quando se inventou a projecção de imagens sem som, concretamente com o cinema mudo, os bons cómicos tiveram uma época de auge. Todos já vimos, em retrospectiva, alguns filmes do Charlot e do Pamplinas, entre outros. E aqui nos deparamos com o dilema de como avaliar o comportamento das personagem sob o ponto de vista da aceite moral social.

Sem dúvida Chaplin, que se diz ter sido o argumentista dos seus filmes, era intrinsecamente desrespeitador, mesmo mau e agressivo. M provocava o riso a pequenos e graúdos. Só no fim de maltratar os outros ele cedia a um gesto simpático. Quando no fim do seu percurso no cinema quis fazer uma fita “séria” o seu público não a acolheu como ele imaginava. Era outra coisa. Já não ”era Chaplin”

Pelo contrário Buster Keaton, também ele argumentista e produtor dos seus filmes mudos, dava vida a uma personagem com cara de pau, atrevido, arrojado, atlético, rejeitando duplos. E sempre um sério respeitador da moral vigente.

Esta dicotomia comportamental manteve-se ao longo do tempo, e não só nos espectáculos de cinema e teatro como nas actuações a solo. Aquilo que podemos considerar como abusivo, desagradável mas espontaneamente aplaudido pelo público anónimo, surge quando o comediante, dirigindo-se a um cidadão, não contratado, para servir de contraponto e alvo de galhofa, o achincalha sem respeito nem a mínima razão.

No meu sonho confrontavam-se um “cómico” da nova vaga com um veterano, que estava sentado no meio do público, fazendo parte do anonimato para quem não o identificasse. Este não lhe dava troco, apesar da insistência do provocador, que teve que desistir.

Ao longo de décadas, entre '50 e '70 tivemos em Portugal uma boa coleção de artistas cómicos, divertidos mas respeitadores, não só quanto aos temas de política interna como também só insinuando com finura as suas críticas sociais. Hoje, e dando a minha opinião pessoal, deixei de prestar atenção aos novos cómicos, não por desgostar dos seus ditos, mas por extrapolação do fastio que me faz ver aquele que esteve no topo durante anos, pela sua insistência no travestismo.

UMA PRENDA A QUEM LER: Contavam em casa que sendo eu muito pequeno o barbeiro que me atendia, perto de casa, referiu ao meu pai que teve um fartote de riso quando ele (curioso como todos os do ramo do cabelo e barba) me perguntou “o que faz o teu pai?” e lhe respondi que trabalha com as cómicas, quando confundi químicas com as artistas de cabaret.

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