sexta-feira, 29 de maio de 2020

MEDITAÇÕES – A linguagem



Utilizamos poucas palavras

Tenho uma lembrança, muito imprecisa, de ter lido um estudo sobre o uso, muito restrito, das palavras que temos disponíveis. E um outro, ainda mais pessimista, que refere ser intensiva a introdução de termos de outras línguas, nomeadamente do inglês, sem utilizar as correspondentes palavras de português. Esta segunda constatação não se pode considerar como novidade absoluta, pois que anteriormente viveu-se sob uma notória influência do francês tanto na literatura como na vida social.

Pessoalmente não me atrevo a dar opiniões sobre o uso da linguagem que se usa correntemente, dado que admito, sem rebuço, que não estudei linguística e que não passo de um diletante, e consciente de que ao utilizar, indiferentemente, três idiomas de raiz latina mas com grafias dispares, tenho que me socorrer dos dicionários, tanto da língua portuguesa como dos de sinónimos e antónimos. Estes últimos pela relutância a referir o mesmo vocábulo se pouco antes já o utilizei. Manias que sinto não ser só minhas, pois estes tratados editam-se continuadamente. Não serão só os “fazedores” e os adeptos das palavras cruzadas que utilizam estes compêndios

O que se constata de imediato ao procurar a grafia correcta de um termo é que, de facto, o quantitativo de palavras disponíveis é muito, muitíssimo até, superior ao que normalmente usamos. Quanto às compilações de sinónimos e antónimos, a minha apreciação pessoal é que nem todos eles são efectivamente equivalentes. Sinto que é notória alguma divergência conceptual que justifica a sua existência.

Enquanto escrevia recordei umas vivências familiares, que, por acaso correspondem à evolução verbal de um irmão, na fase inicial do seu domínio da oralidade: Uma delas aconteceu quando lhe colocaram um prato de sopa à frente, para ele comer, como é evidente. Negou-se redondamente! Não quero esta sopa! Porque? Se sempre gostas. É que tem um “bocadinho de mocala” (era uma mosquinha minúscula!)
A outra lembrança ocorreu na sua primeira sessão de cinema: poucos minutos de filme passaram e ele levantou-se. Quis sair. Não gostava daquilo. O que te desagradou? São só palavras, palavras, palavras!

Se alguma lição se pode tirar destas duas referências é que o domínio da linguagem, da sua assimilação, análise automática e compreensão leva o seu tempo. Inicialmente as crianças tem um vocabulário em arquivo e em uso muito incipiente, e mesmo nem todos os adultos usam o mesmo vocabulário, e nem sequer é comum a imagem ou o significado que um mesmo termo induz a todos os cidadãos.

Como exemplo bem reconhecido é que, no meio das profissões, tanto de trabalho manual como de nível superior, é habitual a existência de conjuntos definidos que utilizam linguagens próprias, que para os não iniciados, leigos no ramo, podem parecer impenetráveis.

Se não bastasse a “pobreza” da linguagem corrente ainda existe uma curiosidade de cariz social. Quando no diálogo aberto, quase informal, se pretende referir algum órgão concreto, especialmente se tiver um forte sentido sexual, procura-se um pseudónimo, inocente, que após um uso mais ou menos intensivo, fica tão interdito como o inicial. E o processo se repete, com a introdução de outra palavra inócua em aparência mas com uma evidente relação com a interdita. Deixo ao leitor um exercício engraçado, onde jogam, além do significado académico (por assim dizer) as diferenças entre singular e plural. Uma dica TOMATE.

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