sexta-feira, 8 de maio de 2020

MEDITAÇÕES - arquipélagos II - AÇORES


Como escrever  sem nada dizer 

Este compromisso regional-histórico-sociológico começou com o desafio de dar a minha versão -livre- da génese, vida e abandono da Base Aérea de Beja. Coincidindo com o que um simples cidadão, que só se pode documentar pelo que apanha nos jornais e nas emissões de televisão, e que, sinceramente, nunca nos atrevemos a por as mãos no lume para garantir a sua total veracidade, surgiu o “boato” de que o Governo dos EUA, ponderando a importância das diferentes áreas do globo, sob o ponto de vista dos seus próprios interesses, pós a possibilidade de desactivar e abandonar a base aérea que construiu e equipou na Ilha Terceira.

O tema foi tratado, resumidamente numa das minhas páginas editadas neste blogue, com o tema concreto da Base das Lages. Mais tarde tive a escorregadela de anunciar uns escritos monográficos sobre os arquipélagos portugueses no Atlântico.

Quando chegou o momento de cumprir a promessa fiquei desconcertado. Mesmo assim atrevi-me a dar uns toques de bola no reduzido arquipélago da Madeira. Não quis cair na armadilha de referir as costumeiras notas de cariz turístico ou de política local-nacional. São tópicos batidos com insistência pelos tais media. Não tenho unhas nem capacidade para tentar tocar em assuntos já esgotados. Ou não!

E já tocou o clarim no camarote do respeitável anunciando que vai sair do curro para a arena o seguinte toiro -com vossa licença e sem ofensa- AÇORES.

Recordando a anterior citação de um assunto restrito a um sector concreto e numa ilha, a Terceira, das sete que constituem o arquipélago, senti que, mesmo ficando na história recente, devia-se ter salientado que já início da segunda guerra mundial, a Inglaterra, e de imediato o Quartel General dos Aliados, não estavam satisfeitos com a posição de “neutralidade” que Portugal tomou neste conflito. Uma neutralidade que todos sabiam escondia os apoios que o Eixo tinha naquele arquipélago. A Inglaterra e depois os Aliados dependiam, em grau elevado, dos fornecimentos que lhes chegavam por via marítima, e que eram insistentemente flagelados pelas forças do Eixo, apoiadas em bases tácitas e não reconhecidas oficialmente no arquipélago dos Açores.

Inglaterra tentou, insistentemente, convencer o Governo de Portugal a que se juntasse à coligação. Salazar, fosse por prudência, por astúcia ou por temer uma acção beligerante do seu “colega” Francisco Franco, devedor aos importante apoios que lhe prestaram a Alemanha nazi e a Itália fascista, agisse, nem que fosse por compromisso, a invadir Portugal. Optou em resistir e jogar, sorrateiramente, nos dois tabuleiros até que Churchill lhe disse: Ou no facilita uma base ou teremos que a tomar pela força. E assim se instalaram os americanos na Terceira.

Quanto a dar uma visão geral do arquipélago, desisto. Prefiro ver o como evoluiu a sua população ao longo dos tempos. Eram ilhas desertas quando os portugueses ali chegaram. Embora já no séc XX se encontrassem vestígios da estadia de humanos, que partiram ou faleceram. Foi povoada por gente deslocada do Portugal continental, e com a inclusão, esporádica, de escravos para a lide caseira, particular, vindos de diferentes zonas de África. Uns de pele escura, pretos mesmo, e outros mais claros. Alguns acasalaram e até ganharam alforria dos os colonos europeus.

Todas as ilhas tem uma origem vulcânica, com reduzida capa de terra propícia para ser cultivada, salvo zonas muito delimitadas. O que se verificou é que a população foi aumentando progressivamente, sem que a agricultura e a pesca, junto com a escassez de empregos remunerados, tornou sempre difícil alimentar toda aquela gente. Em número sempre crescente! Daí que a emigração tenha sido asolução inevitável, desde séculos.

Geograficamente o arquipélago está perto do paralelo de Lisboa e a uma distância relativamente curta. Todavia o regime de ventos e correntes, que condicionam a navegação à vela, não eram muito favoráveis, tanto para sair como para entrar. A rota de entrada implicava descer ao longo da costa de África até poder apanhar a corrente do Brasil (a tal da “volta da mina”), subir pelas costas das Guianas até os arquipélagos do mar Caribe. Subir com a Corrente do Golfo, sempre procurando evitar as águas mortas do Mar dos Sargaços, e após as Bermudas virar à direita rumando para os Açores. Quase um presídio este Arquipélago durante a navegação à vela!

Apesar de todas as dificuldades muitos açorianos emigraram para as Américas, desde o Brasil e Venezuela até os EUA e Canadá. Estas condições de navegação tampouco foram apelativas para ali se instalarem grandes entrepostos de escravos.

A agricultura insular foi reduzida. Alguma vinha, nomeadamente no Pico, cana de açúcar, elaborando açúcar consumida quase que internamente e para fabricar rum, para abastecer os navios que ali aportavam. Alguma coisa fez alterar o isolamento deste arquipélago quando se vulgarizou a motorização das naves. Surgiram armazéns de carvão nos pontos onde existissem condições para ancorar e reabastecer.

Uma curiosidade de cariz vegetal se encontra na ilha de São Miguel, concretamente na Ribeira Grande, onde existe uma plantação de chã com vários hectares de terreno dedicados em exclusiva a esta planta. Ali tem instalações de manipulação, armazenamento, e venda, além de exportação, do famoso Chã da Gorreana.

Tenho uma vivência pessoal sobre esta plantação. Depois de visitar e comprar alguns pacotinhos desta erva aromática, digestiva e peitoral,
dei um passeio a pé -sempre isolado na retaguarda dos acompanhantes, como é meu hábito, e encontrei um senhor empoleirado num escadote que estava podando, com muito jeito, uma sebe. O efeito que conseguia era muito semelhante ao que ficava na plantação da Gorreana depois de recolherem os rebentos para comercializar.

Sem medir previamente as palavras, quis mostrar o meu agrado pelo seu trabalho fazendo notar que a sua sebe ficava tão bem, ou melhor, do que as plantas de Gonorreia. Em vez de ficar contente, o cidadão, desceu do escadote e enfrentou-me, de dedo em riste e na outra mão a tesoura grande. E mostrando-se ofendido -com razão para tal- afirmou: A plantação é Gorreana e o que você disse, Gonorreia, é uma doença transmissível, que eu tratei muitas vezes antes de me reformar, pois que era farmacêutico. TOMA E EMBRULHA!

Saiu-me o tiro pela culatra. Nunca imaginei que o residente apanhasse o trocadilho. Segui caminho com a cauda entre as pernas, figuradamente. Mais adiante o grupo entrou num mini-mercado local e tivemos a segunda surpresa: o mesmo pacote de chã que se pagou por X na origem, era bastante mais barato na loja de porta para a rua!


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