Tempos
mortos dedicados à leitura
Com
ordens “severas” de ficar enclausurado e numa época em que os
noticiários são maçadores por repetitivos, e os programas de
entretenimento estão maioritariamente orientados para crianças ou,
em alternativa, aparecem comentadores que estamos fartos de ver e
ouvir. Resta a repetição de séries já batidas. E no fim o recurso
à leitura.
Mas
como o comércio de livros ficou fechado e os jornais já os tinha
deixado por desinteresse e cheirarem a excessiva orientação do
dono, não houve outra solução à mão do que dar a volta as
estantes onde dormem centenas de livros. E ali procurar um título e
um autor que me de ideia de me oferecer algo de interesse. Uma rota
de selecção que, como verifico quase sempre, bate nos remanescentes
da memória e daí que passadas algumas páginas acende-se uma luz,
cá dentro, que me alerta do facto de que aquela história já foi
lida.
Nada
de extraordinário, pois os volumes que guardo foram, na sua maioria,
quase na totalidade, comprados por mim. E, por outra razão, o que me
fez escolher o livro, nesta segunda tentativa, terá sido a mesma
intuitição que me levou a adquiri-lo. Algumas vezes não me importo
de voltar a ler, mas noutras regresso ao ponto de partida, como no
Jogo da Glória.
Hoje
não aconteceu exactamente o mesmo. Mas perto. Encontrei, quase que
esquecida numa estante de dormidos, uma versão integral das Viagens
de Gulliver, que Jonathan SWIFT escreveu em 1726, ou seja que em
pleno século XVIII, como uma sátira social dedicada a adultos, e
precisamente a leitores ilustrados. Com o evoluir da escolaridade e
aumentar o número de potenciais leitores, assim como a idade precoce
em que as crianças eram sujeitas a ler e interpretar, fizeram-se
versões simples, deixando as profundas mensagens sociais para “mais
adiante”. O resultado foi previsível. Quando já adultos
associaram a o título da obra como sendo “aquele livro de
aventuras” e como tal impróprio de ser lido na obra completa. Por
isso é que raramente, quando já adultos, surgisse a oportunidade de
ler a obra completa e ponderar acerca do seu conteúdo.
As
aventuras e peripécias que SWIFT urdiu, colocando a personagem
principal, GULLIVER, em confronto com sociedades humanas fora do
habitual, onde ficava em vantagem ou desvantagem em relação aos
grupos com quem partilhava o momento. A análise das situações era
subtil, e carecia de predisposição para tal.
Viagens
de Gulliver fez-me recordar outro escritor, analista social que
causou um forte impacto na sua geração: GEORGE ORWELL, com a sua
obra mais relevante Animal Farm, editada em 1944, época em
que estava efervescente a competição entre fascismo e comunismo,
mais o sector democrático, que levava pancada pelas duas faces.
Também esta obra foi usada, e abusada, para a transformar numa
versão inócua para infantes. Com o consequente desprestígio para
quem não tivesse, previamente, uma noção acerca do substrato
pesado que nela existe.
Tentar
discorrer com o devido cuidado as duas obras, tão separadas pelo seu
tempo respectivo -mas muito
próximas pela mensagem- seria uma tarefa própria de uma
tese de mestrado. Eu não estou habilitado para tal. Nem sequer
presumo de anos de vida para o conseguir. E mais: o espaço
disponível e a paciência para ler dos imaginários seguidores,
poucos e apressados, não me incitam a tal.
Mesmo
assim recomendo, como exercício de sociologia,
que leiam as duas obras citadas. Mas só se tiverem acesso às
edições completas. As dedicadas ao público adulto . Vale a pena.
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