sexta-feira, 1 de maio de 2020

MEDITAÇÕES – SWIFT E ORWELL



Tempos mortos dedicados à leitura

Com ordens “severas” de ficar enclausurado e numa época em que os noticiários são maçadores por repetitivos, e os programas de entretenimento estão maioritariamente orientados para crianças ou, em alternativa, aparecem comentadores que estamos fartos de ver e ouvir. Resta a repetição de séries já batidas. E no fim o recurso à leitura.

Mas como o comércio de livros ficou fechado e os jornais já os tinha deixado por desinteresse e cheirarem a excessiva orientação do dono, não houve outra solução à mão do que dar a volta as estantes onde dormem centenas de livros. E ali procurar um título e um autor que me de ideia de me oferecer algo de interesse. Uma rota de selecção que, como verifico quase sempre, bate nos remanescentes da memória e daí que passadas algumas páginas acende-se uma luz, cá dentro, que me alerta do facto de que aquela história já foi lida.

Nada de extraordinário, pois os volumes que guardo foram, na sua maioria, quase na totalidade, comprados por mim. E, por outra razão, o que me fez escolher o livro, nesta segunda tentativa, terá sido a mesma intuitição que me levou a adquiri-lo. Algumas vezes não me importo de voltar a ler, mas noutras regresso ao ponto de partida, como no Jogo da Glória.

Hoje não aconteceu exactamente o mesmo. Mas perto. Encontrei, quase que esquecida numa estante de dormidos, uma versão integral das Viagens de Gulliver, que Jonathan SWIFT escreveu em 1726, ou seja que em pleno século XVIII, como uma sátira social dedicada a adultos, e precisamente a leitores ilustrados. Com o evoluir da escolaridade e aumentar o número de potenciais leitores, assim como a idade precoce em que as crianças eram sujeitas a ler e interpretar, fizeram-se versões simples, deixando as profundas mensagens sociais para “mais adiante”. O resultado foi previsível. Quando já adultos associaram a o título da obra como sendo “aquele livro de aventuras” e como tal impróprio de ser lido na obra completa. Por isso é que raramente, quando já adultos, surgisse a oportunidade de ler a obra completa e ponderar acerca do seu conteúdo.

As aventuras e peripécias que SWIFT urdiu, colocando a personagem principal, GULLIVER, em confronto com sociedades humanas fora do habitual, onde ficava em vantagem ou desvantagem em relação aos grupos com quem partilhava o momento. A análise das situações era subtil, e carecia de predisposição para tal.

Viagens de Gulliver fez-me recordar outro escritor, analista social que causou um forte impacto na sua geração: GEORGE ORWELL, com a sua obra mais relevante Animal Farm, editada em 1944, época em que estava efervescente a competição entre fascismo e comunismo, mais o sector democrático, que levava pancada pelas duas faces. Também esta obra foi usada, e abusada, para a transformar numa versão inócua para infantes. Com o consequente desprestígio para quem não tivesse, previamente, uma noção acerca do substrato pesado que nela existe.

Tentar discorrer com o devido cuidado as duas obras, tão separadas pelo seu tempo respectivo -mas muito próximas pela mensagem- seria uma tarefa própria de uma tese de mestrado. Eu não estou habilitado para tal. Nem sequer presumo de anos de vida para o conseguir. E mais: o espaço disponível e a paciência para ler dos imaginários seguidores, poucos e apressados, não me incitam a tal.

Mesmo assim recomendo, como exercício de sociologia, que leiam as duas obras citadas. Mas só se tiverem acesso às edições completas. As dedicadas ao público adulto . Vale a pena.

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