sábado, 27 de abril de 2019

QUEM CONHECE BEM AS PERSONAGENS




Quando lemos ficção, seja ela do caracter que for, tentamos, instintivamente, fazer um retrato mental não só do aspecto físico da personagem, mas também quase como uma sequela inevitável, compor o seu retrato psicológico, e assim entender e até prever o seu comportamento ao longo da obra.

Não se pode dizer, de modo taxativo, que o leitor jamais pode criar a personagem da mesma forma como o escritor a vai desenvolvendo. Mas, atendendo a uma quase certa boa fé, ou de bem fazer, e dando por muito provável que o ficcionista procura dar um desfecho quase que inesperado, procura, sempre, oferecer uma conclusão minimamente lógica. E cuidará desta forma de apresentar a sua obra porque pretende que seja apreciado por mentes semelhantes a sua própria.

O relator debe saber que as mentes humanas regem-se por umas regras gerais, e que este desconhecido, sentir que não se respeitam totalmente no texto que está lendo. O pode qualificar como absurdo, incongruente e, em última análise, rejeitará continuar a ler.

Por outro lado, mesmo que o esquema habitual de quem escreve ficção aconselhe a que antes de iniciar, ou após poucos parágrafos da primeira página, estrutura, seja mentalmente, se tiver uma mente com uma superior capacidade memorística, ou, em alternativa mais positiva escrever «um guião prévio, que não tomará como de obrigado cumprimento, dado que é ele mesmo o criador, e, sendo dono e senhor pode auto-autorizar para avançar sem receio de entrar em discordâncias evidentes com que escreveu anteriormente. Para colmatar os erros de incompatibilidades é que tem que reler e corrigir, muitas vezes socorrendo-se de uma pessoa habilitada, pois que o autor pode tropeçar nos mesmos erros sem os encontrar.

De qualquer modo é conveniente aceitar que um escritor -que seja colocado pelo seu público acima da mediocridade- recorre para o argumento de factos e pessoas de cuja vida, ou partes da mesma, foi testemunha directa ou indirecta, e as coloque no meio do enredo. Quem, por coincidências da vida, tenha tido contacto com o passado do escritor, seja da família ou das pessoas que saiba ter convivido, é possível que encontre descrições que os/as retratem, por vezes fielmente. Mas em geral o escritor usará de cautela e limitar-se algumas pinceladas verossímeis. Não no intuito de denunciar ou desenmascarar, más só com a simples pretensão de conferir um mínimo de credibilidade.

Resumindo: quem sabe como são as personagens é o escritor. Mas cuidado, pode acontecer, e acontece com frequência, que o desenrolar do tema “empurre” alguma ou algumas personagens para comportamentos não previstos ou previsíveis inicialmente. O mudar, sem destruir o que se definiu anteriormente, é um predicado que não está à disposição do leitor. Só o escritor tem poder para manobrar o percurso dos intervenientes na ficção.

Mesmo tendo em atenção estas regras ou artifícios estruturais que se utilizam na escrita de ficção, é frequente que o leitor sinta o impulso de avançar antes de ler o que aparecerá no texto impresso (ou nas imagens de cinema ou de TV) E acertará em muitas ocasiões, consoante a sua experiência pessoal, tanto na leitura como no seguimento dos comportamentos de quem tenha oportunidade de ver.

Por outro lado alguns escritores, quando o fim da obra está por perto, tem o “saudável hábito” de, indirectamente, provocar o leitor no sentido de ver se este adivinha o desfecho. No caso mais habitual, em especial nos romances policiais, o bom escritor faz muitas manobras para confundir o leitor e fechar o caso com uma saída que mesmo tendo deixado umas pistas pelo caminho, eram tão discretas e pouco evidentes (de propósito!) que raramente foram tomadas a sério.

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