NÃO VOU MORRER TOTALMENTE
Uma
afirmação bastante egocêntrica e não universal, pois se deixa a
noção de que se lembrarão do defunto durante um tempo, que para
ele deve ser longo. A cruel realidade é que a maior parte de nós
passa por este mundo sem pena nem glória e que recordar-se-ão, com
maior ou menor intensidade, alguns familiares e uns poucos
conhecidos, em especial aqueles que, de facto, se tornaram amigos “do
peito” ou inimigos fidegais do ausente.
Já
que utilizo algumas frases célebres do Latim clássico, a que
recordo estar mais ligada ao declínio físico do homem/mulher é a célebre Atravessar o Rubicão, que se históricamente
corresponde ao limite septentrional, marcado pelo rio Rubicão, -que
corre desde a cordilheira central da península italiana até o Mar
Adriático, perto de Rímini- A lei estabelecia que este rio
devia respeitar-se como uma fronteira militar.
As
legiões romanas que estavam distribuídas pelos territórios da
República não podiam entrar na península a sul deste rio, sob pena
de licenciamento imediato, forçoso e inapelável dos soldados
legionários. Quando Júlio César, que estava no comando na Gália,
entrou em litígio com os seus parceiros no triunvirato, e decidiu
rumar para Roma a fim de disputar a liderança do Império, dando
início à segunda guerra civil. Esta decisão de César, em
atravessar a fronteira do Rubicão tornou-se célebre desde então.
Colóquialmente,
para quem tem um mínimo de conhecimentos, referir a passagem do
Rubicão corresponde a admitir que a vida terrestre do indivíduo
concreto passou para se poder considerar como “fora de prazo”.
Este valor, além de ser variável de pessoa para pessoa, foi
afastando-se progressivamente com as melhoras da vida tanto alimentar
como de cuidados de saúde. Tal como nos é explicado quando avançam
com a idade de reforma legal.
Sendo
assim que as coisas acontecem, nunca podemos afirmar a quanto estamos
de perto ou se já ultrapassamos o nosso rubicão. Os mais sensatos
afirmam, e estão certos, que mal nascemos caminhamos para o nosso
desfecho. Outros, que nem sequer chegam a nascer vivos, ultrapassam
este rio sem saberem da história.
Pragmaticamente podemos considerar que o conseguir uma certa “imortalidade”, mais
concretamente em permanecer durante us tempos na memória colectiva,
não depende exclusivamente dos nossos feitos mas, sem dúvida, de
como alguns dos contemporâneos nos valorizaram e trataram, com os
seus esforços, de procurar manter viva a imagem que eles
seleccinaram.
Sei
que é evidente que qualquer personagem que é recordada, nunca o é
pela totalidade dos seus feitos, escritos ou de que foi actor
principal. Cada biógrafo selecciona os capítulos da vida do defunto
segundo o seu critério. Uns preparam uma imagem de santidade, de
humanismo, de estudo, exemplar vida social e familiar, deixando sob o
tapete todos aqueles factos que contrariam este retrato. Outros
escribas, pelo contrário, limitam-se, com sanha, a referir todas as
maldades, iniquidades, malfeitorias que tenham sido cometidas pela
pessoa visada, sejam de facto de grau imperdoável ou meras
nimiedades.
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