terça-feira, 16 de abril de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap 69



Ortega bate à porta

De facto o Gypsi King não chegou a bater à porta. Estava eu -não a caminho de Viseu,desta vez- sentado no alpendre de entrada lendo um opus-culo, em castelhano, acerca da plantação rentável de avelãs, que parece não tem sido bem sucedida neste rectângulo, mas que a venda do fruto é tão estimada e valorizada como os outros frutos secos. Com a pressão mediática actual para que se coma bem e racionalmente, os frutos secos têm tido uma procura inhabitual entre nós.Então Senhor Ortega, bem vindo a esta humilde casa e benditos os olhos que o veem (neste caso os meus...) Já passaram uns meses desde a última vez em que coincidimos, ou nos procuramos, e até nos sentamos na mesma mesa. Posso dizer que já sentia a sua falta. E o que é que o levou a me procurar nesta altura?

- Antes que responda, queria fazer-lhe uma pergunta sem importância: se a vossa família tem alguma ligação com o Armancio Ortega, fundador e dono do grupo Inditex – Zara, e que faleceu em Dezembro passado? O ser um dos homens mais ricos do mundo não afugentou a dama da gadanha!

- Doutor, infelizmente os Ortega do meu lado, eu que saiba, não estão directamente ligados aos galegos da Zara. É pena. Eu até tentei, sem sucesso, aproximar-me destes ricalhaços, especialistas como nós de vender a preços relativamente baixos -nós estamos ao nível dos saldos abaixo de zero- e comprar ou mandar confeccionar a gente que recebe uma miséria pelo seu trabalho. Bateram-me com a porta no nariz.

E como dizem que perguntando consegue-se ir a Roma, dei umas voltas à arena e soube que eles trabalham com séries relativamente curtas, mas amplas em modelos e cores, e com grande rotação. As sobras, quando ultrapassam o período de saldos nas suas lojas, enviam-nas para outras lojas deles, que ainda trabalham quase a preço de custo. E assim não dão a ganhar a feirantes-quincalheiros como nós.
Mas, cá para mim, deve existir uma porção de sangue calé nesta família. Mas negaram esta ascendência. E hoje penso que foram sensatos. Fizeram bem ao atender aos seus interesses.

E agora, se me permitir vou expor o que me empurrou a chamar: Deve ter chegado a seu conhecimento um sarilho de noivados e casamentos ao estilo dos nossos costumes. E que a moça escolhida para ser a noiva, que para meu azar e dores de cabeça, é minha sobrinha e afilhada. Possivelmente incitada pelos maus exemplos que viu entre as suas colegas na escola -o andarem na escola só estraga as famílias!- torceu o narizinho. Se visse que belo narizinho tem ela! Os meus filhos e netos, que andam sempre com livros de banda desenhada nas mãos, dizem que é igual ao da Cleopatra (?) Nem me atrevo a perguntar que é ou era esta senhora, pois seria gozado pelos churumbeles todos, e até pelos maiores já ilustrados.

A questão é que o noivo agarrou na cachopa e queria consumar o casamento nem que fosse à força. Mas a Júlia, que é o seu nome, não foi nisso; rapou duma naifa que trazia escondida num bolso do saiote e ameaçando o noivo dirigiu-se à porta da rua. Abrindo de roldão, saiu e logo ali, “casualmente”, estava um outro primo dela, montado numa mota potente e barulhenta. E a descarregou em casa do padrinho, ou seja na minha casa...

A partir daí meteu polícia, pois que a Júlia não quis aceitar a justiça dos ciganos. Fez a denúncia à PSP pelo telefone e compareceu um carro da Nivea. Aquilo foi classificado de rapto e tentativa de estupro, e não sei que mais palavrões meteu o juíz de primeira instância.

O noivo, também sobrinho, Macário Ortega de sua graça -já sabe que neste grupo somos todos parentes, muitas vezes sem respeitar a consanguinidade- diz, aos gritos, para todos os que o querem ouvir, que ele a vai raptar, à força, e que fugirá com ela, atada e amordaçada se fizer falta, até Marrocos ou Argélia, donde existem famílias da mesma etnia que os acolheriam. Isso é o que ele diz, mas a minha palavra tem mais força do que a dele, e se chegasse o caso convocaria os chefes das famílias mais chegadas e procurariamos o atrevido, mais a Júlia, pois não acredito que se atreva a lhe fazer mal. No fundo ele, o marido rejeitado, não é nada que se respeite, uma desgraça.

- Isabel, eu não te disse sempre que tenho um dedinho que adivinha? E agora vem a segunda parte. Que também suspeito para onde vai, mas não te dou dica nenhuma. Só que o Ortega vai pedir a minha colaboração para falar com alguém, que eu já imagino quem seja.

Na entrega seguinte saberemos da "cunha"


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