VIVÊNCIAS
DE VIRELLA - Cap 71
O
parecer do Dr. Cardoso
Pois
como já vi que, por enquanto, o Dr. Cardoso além de já não ter
nada que ver, directamente, com a zona de Aveiro, mas sendo o
supervisor desta e de mais outras áreas, até à raia de Valença, a
resposta que me aconselhou para o Ortega, e que estou seguro de que
não vai ser do seu total agrado, encaixa bastante como que eu já
pensava. Terei que procurar uma forma de adoçar a pílula. Mas não
nesta noite. Temos que dormir tranquilos, que este sarilho não nos
tcca, felizmente. É coisa de ciganos, e são eles que tem que o
desfazer, arrumar. Seja com a sua autoridade ou através dos mais
responsáveis no seu grupo. Amanhã
será dia, e agora a conversar e descansar.
-
Luísa. O que tinha a tratar como Dr. Cardoso já ficou apalavrado.
Tal como eu pensei é um assunto interno, entre eles, e quanto mais
confusão passar para a justiça do País, pior para todos. Não dei
atenção á vossa conversa entre senhoras, não por desinteresse mas
porque as damas tem um esquema de conversa diferente da dos homens.
Falais muito e dão muitas voltas; e no fim, aquilo que estava para
ser tratado, é despachado em duas palhetadas.
Diz-me
se ficaram em se encontrar. Se combinaram alguma refeição de
casais, ou se aceitou a proposta de visitar a tua estufa. Neste
momento o que me apetece, além de ir para o nosso quarto sem
interferências do exterior, é tomar um banho, vestir um pijama e
levar uma bebida para a mesa de cabeceira. Ligar o ecrã plano e
escolher algum programa interessante no cabo. E tu?
-
Com todo o gosto te farei companhia, e para ver se não fumas na
cama, vou levar um pratinho com salgados, especiais. Eu também
vou-me fardar com o requinte pertinente.
…..
- Senhor
Rafael Ortega? Sou Maragato. Está tudo bem consigo? Assim espero.
Imagino que aguardava conhecer o que conseguí do dr.Cardoso. Só
terminamos a conversa quando ja era noite cerrada, pois antes as
nossas mulheres tiveram os telefones ocupados. Dadas as horas decidí
que, por uma questão de respeito, não era a altura de o incomodar e
que hoje seria tempo de tratarmos deste vosso assunto.
- Bom
dia e desde já agradeço a prontidão com que o amigo Dr. Maragato
procurou atender o meu pedido. E então, o que nos aconselha o chefe
dos inspectores.
- Para
já no gabinete do Director ainda não chegou nenhuma comunicação respeitante a esta denúncia. Todos estes assuntos têm que seguir as
suas tramitações, e como o crime, a se decidir o nível com que
deve ser estudado, não meteu sangue, deve ter ficado nos assuntos a
ser tratados, sem grande pressa... Mas falamos um bom bocado na
situação em que o nosso amigo Ortega se viu embrulhado. E a opinião
dele não difere da nossa.
Segundo
a forma como o Dr.Cardoso analisou a denûncia, ou a queixa, que
insisto ainda não foi transferida para o Porto, pois está ao nível
da polícia de Aveiro, entende que este tema é mais do tipo social
do que criminal, mesmo que tivesse existido uma faceta que se poderia
valorizar como sendo um rapto. Mas, como sabe o Ortega, ao implicar
os costumes ancestrais da vossa etnia, a justiça nacional não tem
muita vontade, nem costume, de interferir com a possibilidade de
chegar a entendimentos internos, respeitando as vossas normas e
costumes. Quando não tem outra solução do que entrar num litígio
oficial, em geral as coisas complicam-se sem necessidade. E rara vez
se chega a soluções ao nível que para os nossos códigos seriam
normais.
Resumindo:
o Dr. Cardoso, sem se colocar de fora totalmente e dando garantia de
que, caso a situação piorasse, ele entraria em acção, mas em
consonância com as regras internas da Judiciária. Opina que o mais
prudente, e até eficaz, seria que o Ortega convocasse uma reunião
entre uma meia dúzia de elementos respeitáveis do seu grupo e lhes
pedisse que tratassem de anular aquele “compromisso matrimonial”.
Inclusive podia argumentar que o matrimónio poderia ser anulado
porque não se tinha consumado.
Possivelmente será um caso excepcional, e portanto desagradável, mas o Ortega
terá que se esforçar para encontrar argumentos, dando importância
à evolução da sociedade em geral e a dos calés em particular, que
não tem outro caminho que não seja o acompanhar, mesmo que
manquejando, o que sucede à vossa volta.
Insiste,
o Doutor Cardoso, em que o irem para um processo cível na Justiça
nacional vos traria mais dissabores e desentendimentos entre famílias
do que um acordo de novo cunho.
Da
minha parte, se o Amigo Ortega opinar que era conveniênte ter a
minha pessoa ao seu lado, eu não deixaria de o acompanhar e
confirmar que os pareceres que vos dei são aqueles que, entendemos,
vos seriam mais favoráveis. O importante é conseguir que o “noivo”
aceitasse o desfecho sem considerar que se lhe faltou ao respeito. E
a seguir, se ele estivesse conforme, o Ortega acompanhasse a noiva ao
tribunal para anular a queixa.
Pense
com calma, deixe passar umas horas, fale com pessoas sérias da vossa
raça e, amanhã, depois de consultar a almofada, e a sua esposa,
pois certamente as mulheres querem dar a sua opinião, e em certas
coisas são mais sensatas do que nós. Então espero que me diga que
encontraram uma solução sem ter que andar à pancada.
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