sexta-feira, 19 de abril de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 71


VIVÊNCIAS DE VIRELLA - Cap 71


O parecer do Dr. Cardoso

Pois como já vi que, por enquanto, o Dr. Cardoso além de já não ter nada que ver, directamente, com a zona de Aveiro, mas sendo o supervisor desta e de mais outras áreas, até à raia de Valença, a resposta que me aconselhou para o Ortega, e que estou seguro de que não vai ser do seu total agrado, encaixa bastante como que eu já pensava. Terei que procurar uma forma de adoçar a pílula. Mas não nesta noite. Temos que dormir tranquilos, que este sarilho não nos tcca, felizmente. É coisa de ciganos, e são eles que tem que o desfazer, arrumar. Seja com a sua autoridade ou através dos mais responsáveis no seu grupo. Amanhã será dia, e agora a conversar e descansar.

- Luísa. O que tinha a tratar como Dr. Cardoso já ficou apalavrado. Tal como eu pensei é um assunto interno, entre eles, e quanto mais confusão passar para a justiça do País, pior para todos. Não dei atenção á vossa conversa entre senhoras, não por desinteresse mas porque as damas tem um esquema de conversa diferente da dos homens. Falais muito e dão muitas voltas; e no fim, aquilo que estava para ser tratado, é despachado em duas palhetadas.

Diz-me se ficaram em se encontrar. Se combinaram alguma refeição de casais, ou se aceitou a proposta de visitar a tua estufa. Neste momento o que me apetece, além de ir para o nosso quarto sem interferências do exterior, é tomar um banho, vestir um pijama e levar uma bebida para a mesa de cabeceira. Ligar o ecrã plano e escolher algum programa interessante no cabo. E tu?

- Com todo o gosto te farei companhia, e para ver se não fumas na cama, vou levar um pratinho com salgados, especiais. Eu também vou-me fardar com o requinte pertinente.
..
- Senhor Rafael Ortega? Sou Maragato. Está tudo bem consigo? Assim espero. Imagino que aguardava conhecer o que conseguí do dr.Cardoso. Só terminamos a conversa quando ja era noite cerrada, pois antes as nossas mulheres tiveram os telefones ocupados. Dadas as horas decidí que, por uma questão de respeito, não era a altura de o incomodar e que hoje seria tempo de tratarmos deste vosso assunto.

- Bom dia e desde já agradeço a prontidão com que o amigo Dr. Maragato procurou atender o meu pedido. E então, o que nos aconselha o chefe dos inspectores.

- Para já no gabinete do Director ainda não chegou nenhuma comunicação respeitante a esta denúncia. Todos estes assuntos têm que seguir as suas tramitações, e como o crime, a se decidir o nível com que deve ser estudado, não meteu sangue, deve ter ficado nos assuntos a ser tratados, sem grande pressa... Mas falamos um bom bocado na situação em que o nosso amigo Ortega se viu embrulhado. E a opinião dele não difere da nossa.

Segundo a forma como o Dr.Cardoso analisou a denûncia, ou a queixa, que insisto ainda não foi transferida para o Porto, pois está ao nível da polícia de Aveiro, entende que este tema é mais do tipo social do que criminal, mesmo que tivesse existido uma faceta que se poderia valorizar como sendo um rapto. Mas, como sabe o Ortega, ao implicar os costumes ancestrais da vossa etnia, a justiça nacional não tem muita vontade, nem costume, de interferir com a possibilidade de chegar a entendimentos internos, respeitando as vossas normas e costumes. Quando não tem outra solução do que entrar num litígio oficial, em geral as coisas complicam-se sem necessidade. E rara vez se chega a soluções ao nível que para os nossos códigos seriam normais.

Resumindo: o Dr. Cardoso, sem se colocar de fora totalmente e dando garantia de que, caso a situação piorasse, ele entraria em acção, mas em consonância com as regras internas da Judiciária. Opina que o mais prudente, e até eficaz, seria que o Ortega convocasse uma reunião entre uma meia dúzia de elementos respeitáveis do seu grupo e lhes pedisse que tratassem de anular aquele “compromisso matrimonial”. Inclusive podia argumentar que o matrimónio poderia ser anulado porque não se tinha consumado.

Possivelmente será um caso excepcional, e portanto desagradável, mas o Ortega terá que se esforçar para encontrar argumentos, dando importância à evolução da sociedade em geral e a dos calés em particular, que não tem outro caminho que não seja o acompanhar, mesmo que manquejando, o que sucede à vossa volta.

Insiste, o Doutor Cardoso, em que o irem para um processo cível na Justiça nacional vos traria mais dissabores e desentendimentos entre famílias do que um acordo de novo cunho.

Da minha parte, se o Amigo Ortega opinar que era conveniênte ter a minha pessoa ao seu lado, eu não deixaria de o acompanhar e confirmar que os pareceres que vos dei são aqueles que, entendemos, vos seriam mais favoráveis. O importante é conseguir que o “noivo” aceitasse o desfecho sem considerar que se lhe faltou ao respeito. E a seguir, se ele estivesse conforme, o Ortega acompanhasse a noiva ao tribunal para anular a queixa.

Pense com calma, deixe passar umas horas, fale com pessoas sérias da vossa raça e, amanhã, depois de consultar a almofada, e a sua esposa, pois certamente as mulheres querem dar a sua opinião, e em certas coisas são mais sensatas do que nós. Então espero que me diga que encontraram uma solução sem ter que andar à pancada.

Sem comentários:

Enviar um comentário