terça-feira, 4 de abril de 2017

UM LIVRO ABORTADO

UM LIVRO ABORTADO

Devem ser muitos os manuscritos iniciados, ilustrados, revistos, e paginados, já “prontos a comer” que foram colocados na gaveta do esquecimento. Penso que os respectivos autores, enquanto passaram muitas horas trabalhando na sua obra, pensaram que o seu fruto devia atingir a meta de ser publicado, distribuído e adquirido por anónimos. Por vezes pode acontecer que a sensatez, que sempre cohabita com as ilusões, faça prevalecer a sua noção acerca da realidade e aconselhe o abandono.

É o que me aconteceu após terminar o longo e extenuante trabalho a que dediquei a minha, esporádica, disponibilidade de tempo ao estudo do que chamei O MITO DOS DRAGÕES. Por casualidade temporal, e já estando metido nesta pesquisa, a publicidade e comercialização colocaram os dragões no pódio. Foram filmes, series, livros, banda desenhada e tudo o mais que se imaginasse poder levar a consumir. E sempre com seres inverossímeis. Durou até que este lume foi substituído por outro. Mas ainda existem brasas incandescentes.

Como a minha visão a respeito dos mitos draconianos era e é, exclusivamente, racional, e estava agarrado sem remédio, inclusive utilizei as minhas fracas capacidades artísticas, e assim sendo desenhei, pintei, modelei uma excessiva quantidade de peças representativas de dragões e outros mitos a ele associados, sempre procurando interpretar as descrições que encontrava em textos fidedignos.

Quando, depois de ter considerado o estudo como quase exaurido (desculpem não ter usado o termo esgotado. Não resisti) o tendo o “manuscrito” revisto, paginado, com muitas ilustrações, próprias e retiradas de fontes, chegou o toque de clarim: Como conseguir que isto ficasse impresso e à disposição do público?

Meditei, voltei a meditar, e fiz o balanço interior baseado no que via pelas livrarias. Nem sequer tentei uma abordagem junto de alguma editora. Fazer uma edição de autor, como fazem os poetas que se satisfazem com os exemplares que distribuem gratuitamente e uns poucos que são pagos, foi posta de lado. Hoje está tudo metido (1) numa grande caixa à espera que os meus descendentes deitem fora, dado que não fui capaz de abortar um feto (metafóricamente falando), que já tinha completado o seu tempo de gestação.

Mas tenho pena. Ali tinha deixado tão explicitamente como fui capaz, como e donde tiveram início muitos mitos que estão abrangidos no tema draconiano. São simples curiosidades que não devem ofender ninguém e que nunca afectarão os dogmas cimentados. A ignorância é mais perniciosa.

A razão de mais peso sobre a minha obra, abortada, é que sempre procurei as origens reais destes mitos, que abrangem practicamente todo o globo terrestre, e que, quase sempre foram utilizados pelas doutrinas religiosas com o propósito de, dando-lhe interpretações tendenciosas, passarem a ser mais uma pedra nos seus edifícios dialécticos.

As pessoas, vistas globalmente, gostam de ser enganadas, mesmo quando lhes cheira a aldrabice. E contrariar esta realidade, que contraria a sua tranquilidade, não é aceite nem perdoada.


(1) manuscritos, cópias do texto, disquetes, pen, fotografias, esboços, livros de consulta, etc.

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