sexta-feira, 28 de abril de 2017

PESCANDO FRASES VI

PEDI A NACIONALIDADE PARA PAGAR IMPOSTOS Pilar del Rio

Viúva de José Saramago (pseudónimo literário e “de guerra”) é uma personagem que, durante bastantes anos, com a qual não simpatizava, mesmo de longe pois que nunca a vi de perto, nem desejava tal encontro. Do pouco que conhecia criei a noção de que foi muito volúvel, apesar de que todos os humanos o sejam, nem que seja por vocação, não realizada, fosse por falta de oportunidade ou por simples covardia. Além disso a qualifiquei de oportunista por se aproximar de Saramago por sentir que ali havia seiva poderosa, e que, como se verificou posteriormente, ela tinha os conhecimentos na imprensa e intelectualidade espanholas capazes de o ajudar a criar um cartel num país onde não existiam os anticorpos criados, politicamente na sociedade do seu Pais de origem. Preconceitos ainda fortemente activos nas gerações mais adultas.
Depois de ler a sua entrevista no Expresso senti que, como na aioria das pessoas, tinha facetas que se devem apreciar respeitar, ouvir, ou ler. Culpabilizo-me de ceder, em demasiadas ocasiões, a impulsos viscerais ao avaliar pessoas, e pior quando aquilo que julgo conhecer ofusca, perniciosamente, o bom discernimento.
Neste caso particular admito terem sido as circunstâncias paralelas à pessoa Pilar del Rio que condicionaram a minha avaliação. Sem dúvida que não fui influenciado pela fama do seu inicialmente companheiro e depois marido oficial, convicto activista político, num partido de cariz intensamente esquerdista, o que lhe concedeu o estatuto de empestado entre os cidadãos que se consideram defensores de algo que nem eles sabem o que é na actualidade. Já coloquei aqui um escrito onde especulo sobre o interesse dos saudosistas em retroceder umas décadas, provocando os opositores.
Daí que, para contrariar os bem pensantes, tenho um bom número de obras de Saramago na minha livraria. Que li. Mesmo aquelas que foram redigidas, tal vez propositadamente, de modo a afastar os leitores que preferem textos amenos. Também escreveu obras deste teor, que se não chegaram ao grande público andaram perto disso.
O “azar” que mantinha sobre Pilar del Rio nem sequer correspondia a factos concretos, indiscutíveis. Sabia que as suas origens eram de uma família aderente ao nacional-catolicismo, e que inclusive tinha sido freira. Desconhecia que o seu pai, apesar de católico oficial, foi frade e deixou os hábitos e casou, gerando uma extensa prole. Aspecto que, até certo ponto, é comum ao do pai do falecido Mário Soares. Daí que, dada a minha ignorância e preconceitos, não explicava o facto de se ter ligado a uma personagem situada no extremo posto do leque político em que foi criada.
Tudo fica esclarecido, até certo ponto, pelo facto de que, desde muito nova, Pilar del Rio se mostrou contrária às normas de conduta então vigentes, tanto na faceta do comportamento pessoal como o de não gostar de obedecer à política imposta. Ela explica como a partir de um contacto meramente literário se criou uma amizade e um sentimento que conduziu ao casamento e, mais tarde, já falecido o escritor, a solicitar a mudança de nacionalidade.
Pilar del Rio especifica as razões porque decidiu tomar esta atitude, de “renegar”da sua nacionalidade por nascimento e família. A que alega ser mais importante é que os seus rendimentos e os da Fundação devem ser cotizados em Portugal. Não considerava correcto declarar rendimentos em Espanha onde, por sinal, pagaria menos impostos. Mas considera, e bem, que a sua decisão contributiva lhe outorga o direito de ficar colérica de cada vez que gastam mal o dinheiro (sic)
Assim como não esconde a dificuldade, quase inultrapassável de ser vista como mais um português. Por mais conhecidos que tenha herdado do falecido marido, e dos colaboradores fieis e atentos na Fundação, sabe e sofre internamente por ser considerada uma forasteira, uma espécie de intrusa. É muito provável que este isolamento seja a consequência do exílio voluntário de Saramago para a ilha espanhola de Lançarote. Um afastamento que devemos compreender dado o acto cometido, oficialmente, por um membro do governo de Portugal.

Por mim sei o que sente, mesmo implicitamente, apesar dos sorrisos e boas palavras de amizade. São muitos séculos de martelar as mentes com o perigo espanhol, com o mau vento e mau casamento. E nem sequer neste século e numa fase histórica em que deixaram de existir fronteiras com barreiras e polícias, continuam a insistir nos conflitos do passado, inevitáveis, quando só se tem um país na fronteiras

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