O
facto de que me mantenha em regime de reclusão domiciliária,
admitindo que, em parte, por vontade pessoal, pelo menos, no que
respeita à carência, quase que absoluta, de “vida social”, tal
não impede a minha cabeça sofra desvarios e a pensar em horizontes
que não conheço directamente, mas que admito existem.
A
madrugada é a fonte de inspiração, e a última não falhou.
Meditava eu na enorme reviravolta em que está o mundo. Só
comparável a alguns dos grandes acontecimentos históricos que nos
precederam e que ainda
recordamos. Basta referir, como exemplo, a formação do grande
império mongol, ou do fim do império romano, a descoberta formal do
continente americano, ou da rota para as Índias orientais.
Aquilo
que, a meu entender, está marcando o roteiro é a substituição da
antiga colonização e esbulho das riquezas e trabalho dos povos não
ocidentais, sempre conseguido pela força das armas, e depois do
dinheiro, e que actualmente funciona com base à globalização
e com o recurso às novas
tecnologias. Identificadas
com a informática e o automatismo.
que dispõe de uma arma muitíssimo eficaz para descaracterizar os
povos, novamente escravizados, mas que por não recorrer à força
bruta mal se apercebem do que lhes espera.
Como
me acontece quando utilizo este sistema de escrita tão actual
(enquanto
não for substituído por outro)
tudo funciona aplicando uma linguagem que, derivada do inglês,
certamente seria ininteligível a Shakespeare ou a Lord Bacon. A
maioria dos termos utilizados são de poucas letras, curtos e
incisivos, mas aos quais correspondem funções basilares para
conseguir obter uma utilização eficiente das imensas possibilidades
que a informática nos proporciona.
Esta
situação está ocasionando uma cultura muito centralizada, cada vez
mais funcional ou pelo menos afastada da leitura em papel e dos temas
clássicos. Os mais jovens sabem que hoje o domínio da língua
inglesa, e em especial da utilizada na informática é fundamental.
Até certo ponto, mas respeitando as diferenças existentes, é
semelhante ao fenecido domínio do latim, que deixou de ser ensinado
massivamente e ficou reduzido aos textos religiosos, a certas
expressões do domínio da jurisprudência e, juntamente com o grego
clássico, para a composição de termos científicos de novo cunho.
É
reconhecido que os povos, tanto de regiões concretas do ocidente,
como de países que foram formal e factualmente colónias até poucas
décadas, quando os seus representantes pretendem comunicar com
países mais avançados tem que utilizar alguma língua europeia, que
já foi o francês mas que hoje é o inglés, ameaçado de perto pelo
chinés.
Esta
realidade leva-me a deduzir que as línguas regionais e autóctonas
tendem a ser cada vez mais residuais, a só servirem para comunicar
entre pessoas sem representatividade perante o exterior. Vendo do
lado mais negro, a globalização carrega armas poderosas, que não
se resumem à exploração comercial mas, socialmente, a uma cada
vez mais notória descaracterização das populações autóctones.
Neste sector da uniformidade linguística incluo, como deixei
indicado na primeira linha deste parágrafo, a limitação das
variantes regionais no estrito âmbito familiar ou, quando muito,
válido num sector da população que seja cioso da cultura herdada.
Ao
referir o declínio do latim quando a Europa medieval foi desmembrada
e se optou por dar valor às línguas utilizadas pela população em
geral, é citada a data de 880 por corresponder ao mais antigo
escrito, conhecido até hoje, totalmente redigido no francês
popular. A data é importante por corresponder à entrada oficial da
primeira língua derivada do latim. Hoje, ouvindo como falam os
jovens, já absortos na referida informática, sente-se como inserem
muitas palavras inglesas no meio dos seus discursos.
Pergunto:
surgirão novas linguagens, não eruditas, no seio dos diversos
países, derivadas deste inglês “abastardado”? Ou seja, veremos
que a história repete-se com novos actores?
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