domingo, 23 de abril de 2017

PESCANDO FRASES IV


  • Os que nasceram católicos são uma raça diferente. Iris Murdoch

Um pensamento que sendo da autoria de uma irlandesa, católica e, como se não bastassem estas credenciais, era filósofa, merece ser lida e analisada com respeito e atenção.

A minha experiência pessoal não me proporciona ponderar o tema concreto com conhecimento de causa próprio. Todavia nasci num país onde, desde séculos, os seus governantes se colocaram ao lado do Vaticano, alegando ser um bastião fiel e defensor “até à última gota do seu sangue” da fé cristã, e mais adiante do catolicismo. Sendo, pessoalmente, céptico e já ateu convicto, há muito tempo que duvido da boa fé dos decisores e, em contrapartida, pendo mais para as conveniências que orientaram, e ainda hoje orientam, as opções que os do topo tomam em nome do “seu povo”, sem se preocuparem muito sobre as opções que os seus súbditos pudessem ter, caso lhes fossem permitidas.

Tenho que sair deste trilho porque seria longo explicitar aquilo que bule dentro de mim. Só direi que com manha, cinismo e pressão consegue-se meter nos costumes da população aquilo que se quiser. Cada um pode, e deve, se as pistas que aí coloquei o incentivaram, procurar a documentação idónea para ficar esclarecido.

Retomando o relato pessoal. Já deixei escrito que a minha escolaridade pré-primária e primária esteve a cargo das freiras de um colégio anexo a um convento, algo que ainda é muitíssimo comum na Espanha. Sendo assim estava eu sujeito à doutrina católica vigente, com toda a panóplia inerente.

Em casa, a fim de não me baralhar em excesso, não era pressionado no sentido contrário. Tanto assim que, segundo me relatava a minha falecida mãe, todas as noites e quando devia entrar na cama, a minha mãe acompanhava-me para verificar se me ajoelhava em frente do leito, com as palmas das mãos unidas para orar, e rezava a ladainha que me tinha ensinado a freira encarregada da catequese. Iniciada a minha comunicação, do fim da jornada, com a divindade a mãe retirava-se e deixava-me à vontade.

O relato continuava com aquilo que,inesperadamente, surgiu numa manhã, quando me levantei. Fui ter com ela e lhe disse que na véspera não tinha rezado, e vendo que não morri, que não fui para o inferno nem aconteceu nada de novo, tinha decidido não mais rezar.

Uma decisão deste teor e numa idade tão inicial só podia ser factível numa família que fosse respeitadora das opções de cada um, incluídas as crianças. E ainda que os seus progenitores, e educadores de casa, não fossem uns crentes activos, fervorosamente aplicados no seguir todos os preceitos da Santa Mãe Igreja.

Vendo a frase de Iris Murdoch com a amplitude que merece temos que aceitar ser a sua mensagem aplicável não só ao catolicismo como a qualquer outro credo, pois que todos eles sistematicamente, não admitem discussão sobre os pilares da sua doutrina. Mas nem só de ascese e religião vive a humanidade. Há muito mais temas absorventes que, uma vez agarrados, tornam difícil o poder romper laços quando já se incrustaram no pensamento.

É o caso, entre muitos outros, do nacionalismo intensivo; do fanatismo político; das opções partidárias; do clubismo, e de outras facetas que, ao longo da vida, nos atam a determinadas opções. São as crenças, que julgamos racionais mas que não as tratamos como tais, porque não as discutimos, nem sequer interiormente.


Veio-me à memória a visão de fanáticos de equipas de futebol que decidem, sem esperar pela opção racional da “vítima”, vestir os filhos, que ainda não falam nem andam, com a farda do seu amado clube. E a mascarada continua pelos anos fora. Levam-no ao estádio, mostram-lhe como se grita incentivando os seus, insultando os outros e qualificando o árbitro com os mais grosseiros e desrespeitosos insultos, que incluem a mãe do alvo. Imagino que deve ser muito difícil, mesmo no limite do possível, poder-se libertar deste fanatismo, que lhe foi transmitido no seio familiar, que é donde se deve educar e deixar caminhos de vida correctos e favoráveis.

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