- Os que nasceram católicos são uma raça diferente. Iris Murdoch
Um
pensamento que sendo da autoria de uma irlandesa, católica e, como
se não bastassem estas credenciais, era filósofa, merece ser lida
e analisada com respeito e atenção.
A
minha experiência pessoal não me proporciona ponderar o tema
concreto com conhecimento de causa próprio. Todavia nasci num país
onde, desde séculos, os seus governantes se colocaram ao lado do
Vaticano, alegando ser um bastião fiel e defensor “até
à última gota do seu sangue”
da fé cristã, e mais adiante do catolicismo. Sendo, pessoalmente,
céptico e já ateu convicto, há muito tempo que duvido da boa fé
dos decisores e, em contrapartida, pendo mais para as conveniências
que orientaram, e ainda hoje orientam, as opções que os do topo
tomam em nome do “seu povo”, sem se preocuparem muito sobre as
opções que os seus súbditos pudessem ter, caso lhes fossem
permitidas.
Tenho
que sair deste trilho porque seria longo explicitar aquilo que bule
dentro de mim. Só direi que com manha, cinismo e pressão
consegue-se meter nos costumes da população aquilo que se quiser.
Cada um pode, e deve, se as pistas que aí coloquei o incentivaram,
procurar a documentação idónea para ficar esclarecido.
Retomando
o relato pessoal. Já deixei escrito que a minha escolaridade
pré-primária e primária esteve a cargo das freiras de um colégio
anexo a um convento, algo que ainda é muitíssimo comum na Espanha.
Sendo assim estava eu sujeito à doutrina católica vigente, com toda
a panóplia inerente.
Em
casa, a fim de não me baralhar em excesso, não era pressionado no
sentido contrário. Tanto assim que, segundo me relatava a minha
falecida mãe, todas as noites e quando devia entrar na cama, a minha
mãe acompanhava-me para verificar se me ajoelhava em frente do
leito, com as palmas das mãos unidas para orar, e rezava a ladainha
que me tinha ensinado a freira encarregada da catequese. Iniciada a
minha comunicação, do fim da jornada, com a divindade a mãe
retirava-se e deixava-me à vontade.
O
relato continuava com aquilo que,inesperadamente, surgiu numa manhã,
quando me levantei. Fui ter com ela e lhe disse que na véspera não
tinha rezado, e vendo que não morri, que não fui para o inferno nem
aconteceu nada de novo, tinha decidido não mais rezar.
Uma
decisão deste teor e numa idade tão inicial só podia ser factível
numa família que fosse respeitadora das opções de cada um,
incluídas as crianças. E ainda que os seus progenitores, e
educadores de casa, não fossem uns crentes activos, fervorosamente
aplicados no seguir todos os preceitos da Santa Mãe Igreja.
Vendo
a frase de Iris Murdoch com a amplitude que merece temos que aceitar
ser a sua mensagem aplicável não só ao catolicismo
como a qualquer outro credo, pois que todos eles sistematicamente,
não admitem discussão sobre os pilares da sua doutrina. Mas nem só
de ascese e religião vive a humanidade. Há muito mais temas
absorventes que, uma vez agarrados, tornam difícil o poder romper
laços quando já se incrustaram no pensamento.
É
o caso, entre muitos outros, do nacionalismo intensivo; do fanatismo
político; das opções partidárias; do clubismo, e de outras
facetas que, ao longo da vida, nos atam a determinadas opções. São
as crenças,
que julgamos racionais
mas que não as tratamos como tais, porque não as discutimos, nem
sequer interiormente.
Veio-me
à memória a visão de fanáticos de equipas de futebol que decidem,
sem esperar pela opção racional da “vítima”, vestir os filhos,
que ainda não falam nem andam, com a farda do seu amado clube. E a
mascarada continua pelos anos fora. Levam-no ao estádio, mostram-lhe
como se grita incentivando os seus, insultando os outros e
qualificando o árbitro com os mais grosseiros e desrespeitosos
insultos, que incluem a mãe do alvo. Imagino que deve ser muito
difícil, mesmo no limite do possível, poder-se libertar deste
fanatismo, que lhe foi transmitido no seio familiar, que é donde se
deve educar e deixar caminhos de vida correctos e favoráveis.
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