quarta-feira, 1 de abril de 2020

MEDITAÇÕES – Tempo de balanço



Nem tudo o que luz é oiro, mas tudo o que balança cai.

Estes dias de recolhimento, falsamente voluntário, induzem a nos dedicar a tarefas inúteis, tais como tombado num sofá com um livro nas mãos e rapidamente cair nos braços de Morfeu, ou de uma Morfeia, consoante o seu sexo e as suas preferências. Eu preferiria a deusa, mas, sendo possível, que não seja exageradamente feiosa.

Em alternativa, depois de rejeitar tarefas que estão na lista de afazeres, como seja o reunir e classificar os documentos que devemos juntar à declaração do IRS -vade retro Satanás! Antes a sorte que tal morte- A opção do balanço do trajecto pessoal neste mundo, não será uma tarefa mais interessante do que a anterior; mas tem a vantagem de poder fazer batota, de esconder aquilo que nos magoa no mais íntimo, sem que os inspectores das finanças nos venham bater à porta, ou nos convoquem para nos apresentar no seu local de tormentos.

Creio que a ordem dos factores não é totalmente arbitrária, e por isso proponho que se comece pelos balancetes e depois, fazendo uma molhada com estas primárias, pode ser a altura correcta de balançar. Ainda opinaria que em vez de nos sentarmos numa destas cadeiras ergonómicas que estão na moda, -e que se estragam quando menos esperamos, que é nunca..-recuássemos no tempo e instalemos o corpinho bem feito num daqueles balancés herdados dos avós, que serviram de brincadeira às nossas crianças.

Seja qual for o caminho que se optar, chegaremos, caso não se desista a tempo, ao momento em que estaremos em risco de apresentar “ao simpático público da sala” não só as fases e momentos mais agradáveis de recordar como, se formos estupidamente honestos, mostrar a careca em capítulos que nos magoam e que, sem dúvida alguma, preferiríamos manter debaixo do tapete até que as chamas do crematório nos purifiquem.

Quando iniciei esta página estava com a disposição de me colocar totalmente nu, confiando em que não espreitassem pelo olho mágico do computador. Inclusive fiz, mentalmente pois que a Prudência (companheira fiel do Prudêncio) aconselha a nunca jamais, em tempo algum, deixar documentos escritos onde se tenham confiado temas e pormenores com um grau de intimidade que convinha ter respeitado.

Esta chamada de atenção que o meu grilo sábio mental -como o do Pinóquio- teve a gentileza de me acordar, já eliminou algumas páginas do meu percurso neste mundo cruel, onde a sinceridade paga-se caro e quase sempre a pronto. Apesar desta chamada à cautela, que coincide com a minha eterna decisão de não comprar cautelas nem outras formas de derreter dinheiro na mira de estragar o negócio à querida Santa Casa. No meu íntimo (o mesmo que: intrínseco, profundo, estreito, pessoal, privado (privada é a retrete!), particular, doméstico, familiar, âmago (não confundir com amargo), cerne, consciência) sinto uma vontade raivosa de abrir a minha caixa dos pirolitos e dar ao mundo um amostra das alegrias, alergias e frustrações que me tem acompanhado durante décadas, oito e pico.

Davam para fazer um romance com capítulos trágicos e outros de cariz romântico. Mas terei coragem para tal? Recordo a periodicamente ameaça de um funcionário da empresa -que não identifico nem ele nem ela- que dizia: Eu, se quisesse podia escrever a autobiografia da Empresa! Como podem imaginar, jamais se descoseu, nem sequer num pequeno detalhe que o pudesse comprometer. Sempre em conformidade com o que está explícito num parágrafo anterior: Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Duas notas: Sem valor no mercado.
- A primeira é que não resisti a dar uso ao Dicionário de Sinónimos e Antónimos (não confundir com Antonios)

- A segunda é que para saltar com o balanço do passado, no precipúcio da escrita imponderada, e daí ficar sem protecção, teria que ser empurrado por algum amigo que me queira mal. Já Jesus anunciou que era assim que as coisas funcionavam; e disse isso enquanto olhava de relance, como quem não quer, para Judas, um dos seus camaradas de patuscadas. E se eles dois se divertiam nas comezainas onde penetravam, fossem casamentos, funerais ou outras celebrações íntimas!

Era uma trupe de penetras bem afamada, e temida, pelo desfalque que faziam nas comidas e bebidas. Foram eles que inventaram a frase que diz: É comer à fartazana meus rapazes! E, em geral, era até caírem de bêbados, inanimados e alguns ainda tiveram ocasião de molhar a sopa nalguma das damas presentes no festim.


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