terça-feira, 21 de abril de 2020

MEDITAÇÕES – Capacidades e limitações II



As limitações podem ser diversas

Na minha “epístola” (a um desconhecido) de ontem deixei no ar, mas não no tinteiro como se afirmava um século atrás, mas sim na mente deste escriba, a ideia de que as limitações que cada um mostra, mesmo que sem o pretender, nem sempre podem ser atribuídas a uma cultura deficiente ou de que, efectivamente, não se tem unhas para tocar guitarra nem viola, ou mesmo o cavaquinho, que, se não estou errado, toca-se mais com palheta do que com a unha. Aliás nos dois instrumentos de corda antes citados, também se encontram intérpretes adeptos da palheta. E não refiro, exclusivamente,à sua capacidade de palrar e levar o ouvinte à certa.

Retomando o tema, suponho que a maioria dos seguidores, -10-12 quando muito- sabem que são muito frequentes as situações em que nos sentimos forçados, com pouca ou nenhuma escapatória, a travar o nosso discurso, nomeadamente quando desconhecemos até onde se pode chegar, e se todos os -pouco prováveis- leitores entenderão que não se pretende molestar ninguém em concreto.

Resumindo: muito do que não manifestamos abertamente não se deve a que seja consequência imediata da ignorância supina. Em muitas situações é uma questão de respeito que nos trava, dado que em comunicação falada sempre se conta com a noção de que “as palavras as leva o vento” ou argumentar que não foi bem entendido. Para este subterfúgio convêm ter em mente uma boa dose de sinónimos e de palavras com sonorização semelhante, mas significados diferentes.

Muitos dos travões que o viver em sociedade nos são tacitamente impostos, reconhecemos que nos castram a verve. Aquele que admita ser o seu pensamento o mais correcto, e não aceite abdicar do seu julgamento pessoal, pode deparar-se, de repente, como se estivesse num beco sem saída.

Então, cegado a um ponto crítico, tem duas opções: ou deixa de ser ele mesmo, por não se sentir livre de expressar o que e como pensa sobre os assuntos que o incitam, e aceita a auto-censura, ou, como opção única, que toma com muita tristeza, abdica de escrever ou de conversar. Enclausura-se ou, mais prosaicamente: fecha-se em copas.

A situação mais habitual entre os cidadãos é a de, em público ou em grupos que não considera ser de pessoas confiáveis, passe a ter a posição da “voz do dono”. Seja verbalmente ou gestualmente aceita o parecer dominante. Abdica. Ou, se não gostamos desta qualificação, até certo ponto ofensiva, por ser verdadeira, optar por falar ou escrever o menos possível. Uma solução que corresponde a não ter confiança em si próprio, além de não confiar de olhos fechados nos possíveis seguidores.

Podemos deduzir, sem grande receio de errar, que a desconfiança para poder manifestar as suas ideias e convicções sem apreensão, pode justificar a génese de sociedades secretas, ou restritas a companheiros confiáveis, comprometidos por meio de cerimónias mais ou menos esotéricas e muito reservadas.

Deixei, propositadamente para o fim, o debater o tema das capacidades de cada pessoa. Não só porque é, de entrada, um assunto melindroso, mas porque raramente o próprio se dispõe a admitir que a sua cabeça só está apta para atingir até um certo patamar de conhecimento. A vida “vivida” nos mostrou que nem tudo se pode cingir à cultura escolar ou académica, e descurar liminarmente a importância do quanto se pode adquirir pela observação e análise de muitas tarefas que, por vaidade, se foram desprezando nas últimas décadas.

Entramos, sem nos aperceber, no campo da ”ciência infusa”. Do que se aprendeu sem ser escolásticamente, da que temos tido exemplos ao ver como um operário experiente, actua de um modo inesperado. Que nos pode parecer errado, por não se adaptar aos conceitos que se encontram nos livros. Mas que, depois, se viu darem um bom resultado. Nestes casos, mais correntes do que se admite, a tarefa do ilustrado é a de encontrar a explicação científica para aquele proceder inesperado.

Mas aquilo onde queria chegar é muito mais simples e, ao mesmo tempo, mais penoso. Raros são os indivíduos que, sob um critério u outro, se auto-qualificam como ineptos, inferiores. Mas, estas mesmas pessoas, quando entram numa conversa descontraída, aceitam a realidade de que, mesmo entre aqueles que se criaram ao seu lado, uns captam as ideias mais rapidamente, e conseguem ligar com aparente facilidade temas aparentemente opostos. Dirão que fulano chega mais longe do que os outros, ou que, de facto, é muito esperto. Mas que tal capacidade individual não implica, sem nuances, que os outros sejam burros.

Até porque ao burrico, animal desprestigiado, se lhe admitem capacidades cognitivas superiores às de um cavalo. Por exemplo: um burro sabe escolher o melhor caminho a seguir, aquele que tem um piso mais favorável, mesmo que nunca o tenha palmilhado. E por esta razão quando se usava uma récua para tracção situava-se um burro ágil à frente e cavalos ou mulas possantes; além de que com o andar miúdo e rápido do burro, fazia avançar o conjunto mais depressa do que sem ele.

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