Desculpem
que eu, Isabel, venha interromper as vossas conversas, que é
possível que estejam agora mais centradas na notícia de última
hora do que a reunião que nos juntou. Assim sendo, mais um morto
matou a festa.
E
a propósito de esta “festa” tenha sido apresentada com uma
justificação bastante insólita já motivou a que, comentaristas
com mais confiança, me abordassem com a dúvida, maliciosa, de se
isso foi uma espécie de banquete de bodas, sem pastel nem leilão da
liga e outras características habituais. Não foi assim que a
concebemos; mas ao longo da preparação também imaginamos que
surgissem este tipo de comentários.
Acontece
que ambos já temos idade de ter juízo. Que eu não tinha pachorra
nem coragem para me fardar de branco, a arrastar uma cauda, nem ter
umas crianças vestidas à pajem com as cestinhas de alianças. Além
de que esta propriedade, e a casa em especial, era o dote da primeira
esposa do José, oferecida pelo sogro comendador. Tudo me agoniava
para me sentir uma intrusa, e confio em que entendam as razões para
não querer celebrar, claramente, a boda. Ambos sentimos que a vida
íntima de cada um tem quase a obrigação de permanecer mesmo na
intimidade. Coisa que nesta fase evolutiva da sociedade se está
transferindo, sem recato, para as redes sociais.
Sobre
este “pequeno pormenor” quero acrescentar, para terminar, que
alguns convidados foram poupados de despesas em prendas, ofertas, e
se não esperamos agradecimentos por isso, tampouco seria justo que o
deixássemos passar em branco. E agora o meu marido, e vosso amigo
José quer deixar um apontamento da actualidade.
- Amigos.
Lamento profundamente a notícia que minutos atrás nos chegou.
Principalmente porque corresponde a mais uma morte da qual o único
ligame que me une é o facto de ter sido utilizado um terreno desta
propriedade para servir de depósito. Não tenho mais elementos que
vos possa transmitir, porque o emissário parecia que tampouco sabia
nada de nada, ou muito pouco. É possível que amanhã. Seja pela voz
do povo ou pelos jornais nos apareçam alguns pormenores. Para já só
tenho que agradecer a vossa comparência, o modo tão simpático como
toda a gente mostrou o seu agrado e, também, desejar algo que é
difícil, que este fecho do dia não venha a alterar o ambiente que
mantivemos ao longo destas horas.
Não
vos abro a porta para fugirem, e tampouco vos prendo contra vontade
pois compreendo, por mim mesmo, como tudo se alterou. Mais uma vez
agradeço a vossa estimada presença.
No
dia seguinte
Passou
por casa o inspector Dr. Cardoso. Só por uma questão de gentileza,
pois estava já no serviço activo, dado que quando o comando da GNR
deu conta da ocorrência, situada no mesmo lugar do crime de morte
ainda não resolvido nem arquivado (está demasiado fresco para
ser arquivado) a chefia o transferiu para ele, sem hesitação.
Não podia acrescentar nada. Conhecia alguns pormenores escabrosos,
com um nível de macabro pouco habitual entre nós. Mas é cedo para
divulgar. E mesmo assim julgo que alguém de entre os membros da PJ e
da GNR, mais os dos bombeiros e outros, dará com a língua nos
dentes com os amigos dos jornais, em especial do Correio, que são
avisados mais depressa do que as autoridades.
E o Dr Cardoso ainda acrescentou: logo de manhã no meu serviço, em Coimbra, mostraram dois
jornais locais onde relatavam, com muitos louvores, a recepção que
o Amigo José ofereceu a populares e outros cidadãos vossos amigos e
familiares. Foi considerada a mais importante reunião civil, não
oficial, que se deu, graciosamente (e sublinharam alguns dos
adjectivos) nestes concelhos ao redor de Coimbra. Os jornalistas provincianos deviam ter saído
bem comidos e bem bebidos, e com os olhos inflamados de ver tantas
belezas desconhecidas, sem serem as habituais das revistas parvas. E tiveram que sair disparados para as redacções sem saber do novo
morto. Fica para a número de amanhã.
Segue
no capítulo XXXIX
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