Zé,
da conversata entre o inspector e tu, deixando de lado os galhardetes
e o repetirem o que já sabemos, aquilo que me ficou na ideia é o
ele referir que tens um dossier aberto na Judiciária. E que é bem
antigo. Que a polícia anda com os Maragato debaixo de olho desde
muitos anos. E se me tranquilizasses um pouco? Não seria mau do
todo. Sei que desejas eu estar a Leste dos teus assuntos, mas fazer
de boneca de borracha não é bem do meu feitio.
Não
fervas antes de tempo. Já te disse e repeti que o melhor, para ti, é
saber pouco das minhas andanças. É uma questão de prudência e bom
senso. Pouco a pouco irás conhecendo as linhas com que me coso e que
aprendi do meu pai e do avô. E ouviste que eles não deixaram pontas
soltas.
Acontece
que eu tenho interesses muito variados. Sou mais aquilo que te disse
em tempos: UM FACILITADOR. Ou seja, eu preparo encontros, abro
caminhos, coloco as peças no tabuleiro e depois sou remunerado
escrupulosamente, pois os meus “clientes” sabem que podem voltar
a precisar de mim. Aqueles que decidem mijar fora do testo, como se
diz na gíria, depressa descobrem que erraram.
Um
exemplo. Com a minha rede de conhecimentos, que insisto teve início
nos tempos da monarquia espanhola, sei de muitos projectos muito
antes do que os que depois se mostrarão interessados. Se o tema
meter terrenos, por exemplo, eu procura comprar ou dar sinal de
compra antes que outro se decida. Se o projecto pifiar, então
me encarrego de incitar outra entidade para que, no mesmo local, tome
a dianteira ou oriente uma outra actividade. O que é preciso é não
perder a iniciativa nem o rendimento que nos cabe.
Nunca
saberás que eu tenha muitas propriedades rústicas, a não ser na
periferia das cidades. E estas muitas já as herdei dos Maragatos já
falecidos, que mostraram ter uma visão de futuro. Prédios e naves
industriais são sempre investimentos de valor. Só preciso de ter
calma e colocar umas dicas no mercado. Rendem sempre, e sem passar
totalmente pelo fisco, mas sempre deixando um bom punhado de milho
para os pombos. Só quem insiste em ter a totalidade no seu bolso é
que se encontra com que os bolsos rompem.
Imagino
que não ficaste totalmente esclarecida, e nada satisfeita. Prometo
que não tardarei em te contar um caso concreto. Isto é como o
comandar uma nau. Temos que manter os olhos sempre abertos, pesquisar
além do horizonte e ter uma tripulação (deves
ler uma equipa de colaboradores) satisfeita e fiel. Sem um
apoio forte mesmo ao pé, e na retaguarda, um capitão não se
aguenta. Tem que se antecipar aos temporais.
E
o perigoso da situação com estas mortes perto de casa é que pode
ser uma táctica de um concorrente. De algum que me quer tirar o
lugar. Por existir esta possibilidade é que tenho estado em
contactos, muito discretos, com pessoas de confiança, uns da alta
roda e outros da malandragem. No intuito de não os deixar avançar
demasiado, a todos eles deixei, dito em entrelinhas, que se encontrar
um traidor não aparecerá nos meus terrenos, que do lado do Buçaco
ou mesmo na Serra de Montesinho, sem descartar o Gerês, existem
lindos e tranquilos lugares onde e pode descansar.
Entretanto
estou mexendo os cordelinhos para me adiantar à PJ, pois se eles tem
acesso à Interpol, também pecam de lutas intestinas entre as
diversas forças. É a diferença entre uma estrutura com uma só
cabeça e o esquema oficial, com muitos departamento estanques e
muita gente a querer ser o maior. Veremos quem chega lá primeiro.
Não quero uma medalha, só quero parar estes atrevidos. Que vão
chatear aos espanhóis, ou aos franceses e italianos. Por cá eles
confiam na lenda de que somos moles, que sofremos dos brandos
costumes. Tal vez se enganem. Não seria a primeira vez que levavam
nos cornos.
E
agora, mesmo que vigiado, acompanho-te até Aveiro e dali darei uma
saltada ao Porto. Passarei a recolher-te no salão ou noutro sitio
que me indiques, antes de ir jantar a casa. Portanto, terás que
falar com a Idalina para que prepare uma sopinha caseira e qualquer
coisa leve, que demasiadas calorias já enfardamos nestes dias.
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